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A terceirização da Procuradoria

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01/01/2002 às 01:00
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Conclusões.

Somente a Procuradoria do Estado pode atuar na cobrança da dívida ativa. A nenhum outro advogado pode ser atribuída essa enorme responsabilidade. Se a nossa Procuradoria do Estado tem sido ineficiente, as causas precisam ser identificadas e corrigidas. Da mesma forma, se o problema estiver no Poder Judiciário ou em qualquer outro órgão estadual.

De maneira geral, pode-se afirmar que os valores da dívida ativa, federal, estadual ou municipal, costumam ser irreais, porque muitos dos débitos não podem ser cobrados, tendo em vista a ocorrência da prescrição, a insolvência dos devedores, ou até mesmo porque se trata de lançamentos efetuados com fundamento em leis inconstitucionais, como é o caso das alíquotas progressivas do IPTU.

A cobrança da dívida ativa é também extremamente dificultada pelas normas legais que permitem ao contribuinte postergar o pagamento do tributo, através das vias administrativas e judiciais, em geral durante mais de dez anos, de maneira que, durante esse período, o seu patrimônio desaparece e a execução é frustrada. Ou então, um "pequeno" detalhe poderá anular todo o processo, por desrespeito ao princípio da ampla defesa e do contraditório.

Mas a Procuradoria, além da representação judicial do Estado, é também responsável pelas atividades de consultoria. O Chefe do Executivo e as demais autoridades devem ser orientadas juridicamente, exatamente pela Procuradoria e, de modo geral, pelos advogados do Poder Público. Devido às dimensões do Poder Executivo e ao grande número de órgãos que o compõem, é indispensável que a Procuradoria esteja permanentemente em contacto com todos esses órgãos, que dependem, evidentemente, de sua orientação jurídica, em relação a todos os planos, projetos e ações governamentais.

Essa orientação é indispensável, para que possam ser evitados determinados erros, que podem resultar em prejuízos patrimoniais para o Estado. Da mesma forma, a correta orientação jurídica servirá também para reduzir o número de conflitos com os administrados e, conseqüentemente, desafogar as instâncias administrativas e o próprio Poder Judiciário. Em outras palavras, se o Governo atuar dentro da lei, diminuirá a quantidade de lides judiciais, diminuirá também o volume de trabalho da Procuradoria e do próprio Ministério Público e reduzirá a quantidade de processos inúteis nas Varas de Execuções Fiscais, melhorando assim o desempenho da cobrança da dívida ativa.

Na minha opinião, a correta orientação jurídica poderia ter evitado até mesmo que o Sr. Governador do Estado levasse à Assembléia Legislativa a proposta de terceirização da cobrança da dívida ativa, ora examinada.

A correta atuação da Procuradoria poderia fazer com que os governantes reconhecessem os direitos do jurisdicionado e do contribuinte, sem que para isso fosse necessária a interferência do Poder Judiciário. Haveria, com isso, uma enorme economia de processos, pareceres, despachos, sentenças e mandados. O Poder Judiciário seria, com certeza, muito mais rápido e eficiente, porque haveria um enorme decréscimo do número de ações judiciais contra o Estado, e do número de execuções fiscais julgadas improcedentes.

Caberia à Procuradoria, na realidade, prevenir a grande maioria dos conflitos, orientar os procedimentos administrativos e assessorar os governantes, na formulação das políticas públicas. Somente a Procuradoria, que deve conhecer todos os dados relacionados com a cobrança da dívida ativa e com as decisões judiciais que envolvem o interesse da Fazenda Pública, poderá orientar corretamente os governantes, para as necessárias alterações na política tributária, nos procedimentos administrativos, e de maneira geral em todos os programas desenvolvidos pelo Estado.

Ressalte-se que o tema é de capital importância, haja vista que, se a cobrança da dívida ativa não funcionar corretamente, a atividade governamental poderá ficar inteiramente comprometida, especialmente quando se sabe que os índices de inadimplência são muito elevados, em decorrência de uma série de fatores, que não podem ser examinados nesta oportunidade. O desafio é enorme, mesmo porque a nossa Procuradoria conta com apenas cinqüenta Procuradores, para executar as dezenas de milhares de devedores da Fazenda Pública junto ao Poder Judiciário, também tradicionalmente desaparelhado e lento.

Para agravar ainda mais o problema, infelizmente, a tradição das nossas Procuradorias tem sido a defesa cega do interesse do Governo, freqüentemente diverso do interesse público. As Procuradorias, tradicionalmente, não costumam reconhecer o direito do jurisdicionado ou do contribuinte. Querem sempre cobrar os tributos de qualquer maneira, alegando "razões de Estado", mesmo quando sabem que são indevidos, e negam sempre os direitos dos administrados. Costumam ainda recorrer sempre, de forma incabível e protelatória, mesmo sabendo que a decisão definitiva será favorável ao contribuinte. Como exemplo, basta lembrar os milhares de processos envolvendo as pensionistas e o Órgão Previdenciário do Estado do Pará, o IPASEP, ou a cobrança inconstitucional da Taxa de Iluminação Pública e das alíquotas progressivas do IPTU, no Município de Belém. Essa atitude, evidentemente, congestiona o Poder Judiciário e prejudica a cobrança dos créditos legítimos.

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As Procuradorias precisam se modernizar e precisam desempenhar suas atribuições com toda a eficiência, mas sempre de forma compatível com o interesse público. Afinal de contas, vivemos em um regime democrático, em um Estado de Direito, e os vencimentos de seus integrantes são pagos pelo próprio povo. E os tributos pagos pelo povo devem ser sempre utilizados, da mesma forma, é claro, no interesse público.

A solução para a cobrança da dívida ativa não é a terceirização. De acordo com o Procurador Ricardo Lodi, já citado,

"Se o Governo pretende uma política séria para a cobrança dos devedores do Erário, é necessário investir na PGFN, realizando concursos periódicos, dotando-a de uma infra-estrutura adequada e de quadro de apoio próprio, e remunerando os seus Procuradores de forma digna, evitando o êxodo para a iniciativa privada. E tudo isso não custará um centavo aos cofres públicos. Basta aplicar os recursos que os contribuintes pagam de honorários advocatícios e encargo legal nessas finalidades, conforme determinado pela lei."

Privatizar a cobrança da dívida ativa, portanto, mesmo que apenas a cobrança extrajudicial, significaria na realidade um artifício para evitar a realização de concursos públicos e até mesmo o aumento do quadro de Procuradores do Estado, bem como o reaparelhamento da Procuradoria, que necessita de infra-estrutura administrativa adequada, para que possa desempenhar a contento sua importante missão constitucional. Privatizar a cobrança da dívida ativa, como se pretende no Estado do Pará, seria apenas um primeiro passo para a privatização do próprio Estado, e para que os tributos pagos pelo povo pudessem, com toda a facilidade, beneficiar apenas os amigos do Rei.

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LIMA, Fernando. A terceirização da Procuradoria. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 53, 1 jan. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2536. Acesso em: 19 abr. 2024.

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