A jurisdição militar tem por competência a princípio processar e julgar os integrantes das Forças Armadas no caso da Justiça Militar da União, e os integrantes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar no caso da Justiça Militar dos Estados e do Distrito Federal.
Por força de disposição expressa a Justiça Militar dos Estados e do Distrito em hipótese alguma poderá processar e julgar os civis pela prática de crime militar definido no Código Penal Militar de 1969, Decreto-lei de 1969.
O legislador ao estabelecer esta vedação reconheceu os princípios que têm sido adotados pelos Estados modernos, ou seja, reservar a jurisdição militar apenas e tão somente para os militares.
Na realidade, os civis somente devem ser processados e julgados perante a jurisdição militar tempo de guerra, uma vez que neste período existem outras regras que passam a reger a vida em sociedade, exigindo uma maior participação da população no esforço de guerra.
Apesar destes preceitos, o Superior Tribunal Militar, STM, órgão de segundo grau da Justiça Militar da União tem insistido em submeter civis, nacionais ou estrangeiros, a jurisdição militar com fundamento no estabelecido no art. 9º, do CPM, Decreto-lei 1001, de 1969, em especial os incisos I e III do referido artigo.
O entendimento jurisprudencial do STM tem sido questionado tanto pela doutrina especializada como pelos próprios réus, civis, que tem buscando por meio do writ constitucional o posicionamento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal Militar.
A respeito da matéria, por divergir do posicionamento do Superior Tribunal Militar, a Procuradoria Geral da República (PGR) ajuizou, conforme notícias vinculadas na mídia, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 289, em que pede que seja dada ao artigo 9º, incisos I e III, do Código Penal Militar (CPM, Decreto-Lei nº 1.001/1969), interpretação conforme a Constituição Federal (CF) de 1988, a fim de que seja reconhecida a incompetência da Justiça Militar para julgar civis em tempo de paz e que esses crimes sejam submetidos a julgamento perante a Justiça comum, federal ou estadual. A PGR pede também a concessão de liminar para suspender até julgamento de mérito da ADPF, qualquer ato que possa levar civis a serem julgados pela Justiça Militar em tempos de paz.
A pretensão da Procuradoria da República é pertinente e encontra fundamento nas disposições estabelecidas pela Constituição Federal de 1988 que restabeleceu no país o Estado democrático de direito, que tem por objetivo limitar a jurisdição militar apenas aos militares, que tem como missão preservar a soberania nacional.
A Justiça Militar dos Estados e do Distrito Federal não julgam os civis, o que demonstra que há muito tempo aquela Justiça Especializada já se encontra em conformidade com os preceitos constitucionais.
O legislador infraconstitucional de forma acertada estabeleceu no âmbito dos Estados e do Distrito Federal que nos crimes militares quando a vítima for civil caberá ao Juiz de Direito do Juízo Militar processar e julgar o réu, emenda constitucional 45-2004.
No intuito de limitar a competência da Justiça Militar da União, a ação judicial interposta pela Procuradoria da República destaca que o artigo 124 da CF dispõe que cabe à Justiça Militar tem competência para processar e julgar os crimes militares definidos em lei, e que o Superior Tribunal Militar (STM) entende que tal dispositivo permite que civis se submetam a sua jurisdição, tendo em vista o disposto no artigo 9º do CPM.
Ainda segundo a Procuradoria da República “a submissão de civis à jurisdição da Justiça Militar, em tempo de paz, viola o estado democrático de direito (artigo 1º da CF), o princípio do juiz natural (artigo 5º, inciso LIII, da CF), além do princípio do devido processo legal material e, ainda, os artigos 124 (competência da Justiça Militar para julgar os crimes militares) e 142 (dispõe sobre as Forças Armadas) da CF. Fundamenta seu pleito com o argumento de que, em regime de normalidade institucional, a competência da Justiça Militar é excepcional para o julgamento de civis. De acordo com a Procuradoria Geral da República, “atualmente, tratando-se de crime militar praticado por civil, para definir-se a competência, investiga-se qual a intenção do agente civil".
Outro argumento importante apresentado pela Procuradoria Geral da República é que, “Permitir que civis em tempo de paz sejam submetidos à jurisdição militar é estender a eles, por via transversa, os mesmos princípios e diretrizes que são próprios ao regime jurídico constitucional especial dos militares, cujo objetivo não poderia ser outro senão resguardar a hierarquia e a disciplina, como forma de garantir o cumprimento da missão de proteger os bens jurídicos garantia da pátria, garantia dos poderes constitucionais e a garantia, por iniciativas destes, da lei e da ordem”.
Em atendimento ao texto constitucional e ao regimento interno do Supremo Tribunal Federal a ação proposta pela Procuradoria Geral da República foi distribuída e o relator sorteado foi o Ministro Gilmar Mendes, que deverá inclusive se manifestar quanto ao pedido de liminar, que tem por objetivo suspender as ações penais em andamento em desfavor de civis até que o mérito da ação penal seja julgada.
Portanto, caberá ao Supremo Tribunal Federal decidir se no Estado democrático de Direito a Justiça Militar da União em face dos preceitos constitucionais e dos tratados internacionais subscritos pelo Brasil tem ou não competência para julgar os civis acusados da prática de crimes militares em tempo de paz.