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Direito de superfície

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01/01/2002 às 01:00
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CONCEITO DE DIREITO DE SUPERFÍCIE

O conceito de direito de superfície, como direito real, pode variar em razão da forma como ele é regulado pelos ordenamentos dos países que o admitem.

José Guilherme Braga Teixeira, afirma que "alguns ordenamentos limitam o direito de superfície a obras e plantações sobre o solo, alguns compreendem na superfície as plantações, ao passo que outros o proíbem".

Entre os autores brasileiros, podemos destacar as seguintes conceituações:

Clóvis Bevilaqua[28]: "...consiste no direito real de construir, assentar qualquer obra, ou plantar em solo de outrem.

Washington de Barros Monteiro[29]: ".... o direito de construir....consiste no direito construir, assentar qualquer obra, ou de plantar em solo de outrem."

Wilson de Souza Campos Batalha[30]: "....o direito de superfície....consiste no direito real de ter plantações (plantatio), fazer semeaduras (satio) ou construir edifícios (inaedificatio) em terreno de propriedade alheia.."

Orlando Gomes[31]: "Superfície é o direito real de ter uma construção ou plantação em solo alheio"

José Oliveira Ascenção[32]"...superfície pode ser simplesmente definida como o direito real de ter coisa própria incorporada em terreno alheio".

O Professor Ricardo Pereira Lira define o direito de superfície como sendo o "direito real autônomo, temporário ou perpétuo, de fazer e manter construção ou plantação sobre ou sob o solo alheio; é a propriedade - separada do solo – dessa construção ou plantação, bem como é a propriedade decorrente da aquisição feita ao dono do solo de construção ou plantação nele já existente".[33]

Saliente-se, que apesar de ser enquadrado como espécie de direito real, a verdade que até a entrada em vigor da lei federal nº 10.257, de julho de 2001, esta classificação somente poderia ser acatada no âmbito doutrinário, vez o atual e vigente Código Civil Brasileiro não ter previsto tal direito em seus artigos 674[34] e seguintes.

Na legislação comparada, vale ressaltar a conceituação dada pelo Código Civil Português – artigo 1.524, a saber:

"Art. 1.524- (Noção) O direito de superfície consiste na faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio, ou de nele fazer ou manter plantações".

A lei n.º 10.257/2001, dispõe em seu artigo 21 assim trata do direito de superfície:

"Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis.

§ 1º O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo, atendida a legislação urbanística.

§ 2º A concessão do direito de superfície poderá ser gratuita ou onerosa.

§ 3º O superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que incidirem sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto da concessão do direito de superfície, salvo disposição em contrário do contrato respectivo.

§ 4º O direito de superfície pode ser transferido a terceiros, obedecidos os termos do contrato respectivo.

§ 5º Por morte do superficiário, os seus direitos transmitem-se a seus herdeiros."


NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO DE SUPERFÍCIE

Evidencia-se que o direito de superfície é um direito real autônomo, não podendo ser reduzido à categoria dos demais direitos reais limitados sobre o imóvel alheio. Assim, uma vez concedido, o edifício construído ou a plantação feita pertencem exclusivamente ao superficiário, enquanto o solo continua a pertencer ao seu proprietário.

Apesar da clareza da natureza jurídica do direito de superfície, há autores que não se mostram concordes no que concerne à natureza do direito de superfície, apresentando diversas teorias com que visam explicá-las.

O mesmo entendimento é compartilhado por Rosane Gonzáles, ao afirmar que "quanto à natureza jurídica do direito de superfície, ainda que os autores não se mostrem concordes, apresentando-se diversas teorias que pretendem explicá-la, e o fato de que se assemelha a outros direitos reais limitados, como as servidões e o usufruto, o direito de superfície se apresenta como direito autônomo, não se confundindo com nenhum outro"

Dentre todas, nos deteremos as mais importantes, a saber: arrendamento; enfiteuse, usufruto e servidão.

Direito de superfície e arrendamento

O arrendamento encontra-se disciplinado não só no Código Civil Brasileiro – artigos 1.211 até 1.215, como também no Estatuto da Terra – artigos 92 até 95.

Os defensores dessa corrente sustentam ser o direito de superfície um arrendamento, pois a cessão de uma coisa para uso de outra pessoa, mediante o pagamento de um aluguel, assim é a superfície a cessão de uma coisa para uso e gozo de outra pessoa, mediante o pagamento de um aluguel, denominado pelos romanos de solarium.

Esclarece José Teixeira que "a natureza jurídica desses dois institutos- arrendamento e superfície – é diversa, bastando-nos mencionar que se a superfície tem caráter real e confere ao superficiário a propriedade da construção ou plantação, o arrendamento tem caráter estritamente obrigacional, não podendo jamais conduzir o arrendatário a tornar-se dono da coisa arrendada."

Entendemos que a diferença maior entre os dois institutos é o fato de que no arrendamento o pagamento é requisito necessário para sua configuração, diferentemente o que ocorre no direito de superfície onde não é necessário para a sua caracterização.

Direito de superfície e à enfiteuse

A enfiteuse, o aforamento, ou emprazamento estão reguladas em nosso código civil nos artigos 678 e seguintes. Ocorre, quando o proprietário, mediante ato entre vivos, ou de última vontade, atribui a outrem o domínio útil do imóvel, mediante o pagamento ao "senhorio direto" de uma pensão, ou foro, anual, certo e invariável.

Outra característica é que o contrato de enfiteuse é perpétuo. Se por acaso for tratado por tempo determinado, nos termos do artigo 679 do código civil brasileiro, não mais será considerada a enfiteuse, mas, sim, arrendamento, e como tal será regido.

Registre-se, que somente podem ser objeto de enfiteuse terras não cultivadas ou terrenos que se destinem à edificação.

Temos, ainda, o fato de que o enfiteuta, ou foreiro, não pode "vender nem dar em pagamento o domínio útil, sem prévio aviso ao senhorio direto, para que este exerça o direito de opção; e o senhorio direto tem 30 (trinta) dias para declarar, por escrito, datado e assinado, que quer a preferência na alienação, pelo mesmo preço e nas mesmas condições. Se, dentro no prazo indicado, não responder ou não oferecer o preço da alienação, poderá o foreiro efetuá-la com quem entender."

Compete igualmente ao foreiro o direito de preferência, no caso de querer "o senhorio vender o domínio direto ou dá-lo em pagamento. Para este efeito, ficará o dito senhorio sujeito à mesma obrigação imposta, em semelhantes circunstâncias, ao foreiro."

Nos casos em que for realizada a transferência do domínio útil, por venda ou dação em pagamento, "o senhorio direto, que não usar da opção, terá direito de receber do alienante o laudêmio, que será de 2,5% (dois e meio por cento) sobre o preço da alienação, se outro não se tiver fixado no título de aforamento".

Quanto à extinção, podemos dizer que a enfiteuse extingue-se "pela natural deterioração do prédio aforado, quando chegue a não valer o capital correspondente ao foro e mais um quinto deste; pelo comisso, deixando o foreiro de pagar as pensões devidas, por três (três) anos consecutivos, caso em que o senhorio o indenizará das benfeitorias necessárias e falecendo o enfiteuta, sem herdeiros, salvo o direito dos credores."

Diante do acima exposto é que José Guilherme Braga Teixeira, leciona que "superfície e enfiteuse nasceram praticamente ao mesmo tempo e caminharam lado a lado pelo Direito Romano pós-clássico e Bizantino".

Sem embargo da opinião daqueles que contrariamente sustentam ser o direito de superfície uma enfiteuse, entendemos, como a maioria, no sentido de que a enfiteuse não se confunde, pois, conforme já demonstrado, no direito de superfície o pagamento não é substância do ato de concessão, diferentemente ocorre com a enfiteuse, onde, se o enfiteuta não pagar o "foro", extingue-se a enfiteuse.

Direito de superfície e o usufruto

Seus defensores sustentam ser o direito de superfície um usufruto. Alegam que "ao constituir-se o direito de superfície, tem origem, em favor do superficiário, um direito de uso e fruição do solo, com a finalidade concreta e específica de nele o superficiário construir." Registre-se, que segundo José Teixeira, essa posição sofreu forte influência do direito Italiano, principalmente antes do código civil de 1942.

Ora, como visto quando da conceituação, o usufruto é constituído intuito personae, vale dizer, é intransferível, seja entre vivos ou por causa de morte. Diferentemente ocorre com o direito de superfície, onde o direito é transferível por ato de alienação ou por morte. Outra diferença está em que o usufrutuário é obrigado a respeitar a substância da coisa cedida a usufruto. No direito de superfície não. Aqui, o superficiário pode utilizar a superfície como melhor lhe aprouver, respeitando, apenas, o objeto da avença.

Assim, diante dos argumentos acima, podemos afirmar que não assiste razão àqueles que sustentam a natureza jurídica do direito de superfície no usufruto.

Direito de superfície e servidão

Dispõe o artigo 695 do código civil brasileiro:

"Art.695. Impõe-se a servidão predial a um prédio em favor de outro, pertencente a diverso dono. Por ela perde o proprietário do prédio serviente o exercício de alguns de seus direitos dominicais, ou fica obrigado a tolerar que dele se utilize, para certo fim, o dono do prédio dominante."

Temos em doutrina que a

servidão não se presume e, as servidões não aparentes, só podem ser estabelecidas por meio de transcrição no Registro de Imóveis.

Segundo a regra contida no artigo 698 do CCB, "a posse incontestada e contínua de uma servidão por 10 (dez) ou 15 (quinze) anos, nos termos do art. 551, autoriza o possuidor a transcrevê-la em seu nome no Registro de Imóveis, servindo-lhe de título à sentença que julgar consumado o usucapião".

Observe-se, que se o possuidor não tiver título, o prazo da usucapião será de 20 (vinte) anos.

Outra característica marcante da servidão é o seu dono ter "direito a fazer todas as obras necessárias à sua conservação e uso".

As servidões podem ser de vários tipos, contudo, para este estudo trataremos apenas das prediais. As servidões prediais são indivisíveis e subsistem, mesmo no caso de partilha, em benefício de cada um dos quinhões do prédio dominante, continuando, assim a gravar cada um dos do prédio serviente.

Uma vez transcrita, sua extinção ocorre, salvo nas desapropriações, com respeito a terceiros, quando cancelada. Porém, nada obsta que o dono do prédio serviente questione, judicialmente, o cancelamento da transcrição, embora o dono do prédio dominante impugne. Eis algumas hipóteses do cancelamento do registro: renuncia à servidão; sendo a servidão de passagem, tenha cessado pela abertura de estrada pública, acessível ao prédio dominante ou quando o dono do prédio serviente resgatar a servidão.

As servidões prediais se extinguem pela reunião dos dois prédios no domínio da mesma pessoa; pela supressão das respectivas obras por efeito do contrato, ou de outro título expresso ou pelo não uso, durante 10 (dez) anos contínuos.

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Extinta, poderá o dono, no caso de servidão predial, cancelar sua inscrição, mediante a prova da extinção.

Não obstante a regulamentação acima, o certo é que no direito passado vários defensores trataram o direito de superfície como sendo uma servidão, a ponto de o Código Civil suíço estabelecer, expressamente, ser o direito de superfície uma servidão.[35]

José Guilherme Braga Teixeira e Ricardo Pereira Lira lecionam, em síntese, que a servidão, em sua concepção mais pura, exige a existência de prédios distintos pertencentes a donos diversos, exigência que nenhuma legislação, exceto a anteriormente citada, dispensou de seus ordenamentos. A mesma sorte ocorreu com a servidão de terreno, pois, a equiparação da superfície à servidão nos casos de terrenos sem construção, "resultaria numa incongruência pois, a concessão ad aedificandum não teria existência jurídica imediata e poderia não tê-la jamais se ela não se seguisse à construção."

O direito de superfície e teorias estrangeiras

Além das teorias já mencionadas neste estudo, temos o registro de outras, que ao lado dessas, tentaram equiparar o instituto do direito de superfície a diversas situações jurídicas, tais como "domínio dividido" previsto no código civil Austríaco; a "propriedade do espaço aéreo", a qual defendia ser o solo coisa diversa do solo, que é alienado separadamente deste ao superficiário; "a copropriedade do solo pelo superficiário"; "limitação legal do direito de vizinhança" criticada por José Teixeira por se "impróprio falar de limitação legal em se tratando de vínculo que tem origem e alcance na vontade particular do concedente. Demais disso, não explica a natureza do instituto";"superfície como direito de propriedade de construção com a faculdade de utilizar o solo".


DIREITO DE SUPERFÍCIE – CONTEÚDO

Partes – cedente e cessionário- elementos subjetivos

Quanto aos modos de aquisição e de transmissão da propriedade superficiária, foi verificado neste estudo que diversas são os tratamentos conferidos pelo direito comparado ao instituto. Contudo, podemos observar que, de modo geral, para se adquirir o direito de superfície, não basta, por si só, o acordo de vontades, necessário se faz o seu registro no cartório imobiliário.

Assim, nos dias atuais, em regra o direito de superfície se constitui mediante contrato, devida e regularmente inscrito do registro de imóveis, e por disposição de última vontade[36].

Estabelecendo-se mediante contrato, podemos dizer com segurança que os sujeitos da relação jurídica superficiária são: o proprietário do solo, na qualidade de cedente e o superficiário, este, na qualidade de cessionário.

Por meio desse contrato é concedido ao superficiário o direito utilizar a propriedade superficiária separadamente da propriedade do solo, que remanesce do domínio do proprietário do terreno.

Ricardo Lira Pereira, ao responder indagação por ele mesmo elaborada – "Quem poderá constituir o direito de superfície?"- afirma, que "poder-se-ia, a uma primeira vista, aceitar a criação pelo enfiteuta de direito de superfície em favor de terceiro. Parece-nos, contudo, que é exclusivamente em favor do proprietário que opera a acessão, somente ele poderá suspender os efeitos do princípio superfícies solo cedit e não o titular de um direito real limitado.

Por fim, apontamos que nos casos de a propriedade pertencer a mais de uma só pessoa, como, por exemplo, o condomínio, o direito de superfície somente poderá ser concedido mediante a anuência de todos. Na hipótese de co-propriedade, entendemos que bastará a autorização da maioria ou daquele que possuir a maior cota parte.

Direitos e obrigações: concedente e concessionário

Em nosso direito positivo vigente temos a lei federal n.º 10.257, 10 de julho de 2001, a qual estabelece diretrizes gerais da política urbana. Denominada de "Estatuto da Cidade", ela estabelece não só as diretrizes gerais para a implantação de uma "moderna" política urbana, mas, também, regulamenta a aplicação de instrumentos para a persecução da verdadeira função social da propriedade urbana. Contudo, o legislador, achou por bem regular apenas o necessário, deixando as especificidades ao livre arbítrio das partes.

Não obstante, em linhas gerais, podemos afirmar que esses são os direitos e obrigações do proprietário do solo:

Direitos

Utilizar a parte do imóvel que não constitui objeto do direito de superfície;

Receber o pagamento pela cessão, caso tenha sido ajustada;

Exercer o direito de preferência na aquisição da superfície; proceder à resolução da superfície antes do advento do termo, se temporária, se o superficiário não edificar ou plantar no tempo aprazado, ou se edificar em desacordo com o convencionado ou, ainda, se der destinação diversa daquela originariamente concedida; constituir gravames reais sobre o solo.

Obrigações

Não praticar atos que impeçam ou prejudiquem a concretização, ou o exercício do objeto do direito de superfície;

Dar preferência ao superficiário na aquisição da propriedade do solo, cão esta se faça a título oneroso.

Os direitos e obrigações do superficiário são:

Direitos

Utilizar a superfície do solo de outrem, nos termos da avença realizada;

Usar, gozar e dispor da construção ou da plantação superficiária como coisa sua, separa da propriedade do solo;

Onerar com ônus reais a construção ou plantação, que entretanto se extinguirão com o termo final da concessão da propriedade superficiária;

Exercer o direito de preferência na aquisição do solo, caso o proprietário pretenda aliena-la a título oneroso;

Reconstruir a edificação ou refazer a plantação, em caso de perecimento.

Obrigações

São suas obrigações, dentre outras:

Pagar a remuneração ajustada, no caso de a avença ter sido pactuada de forma onerosa;

Construir ou plantar exatamente conforme o acordado;

Pagar os encargos e tributos que incidirem sobre a obra superficiária e sobre o solo;

Conservar a obra superficiária ;

Dar preferência ao senhor do solo à aquisição da propriedade superficiária.

Objeto da superfície

O objeto do direito de superfície pode ser a construção ou a plantação. Há registro de que alguns ordenamentos estrangeiros limitam o exercício do direito de superfície a uma ou outra hipótese. Outras, contemplam as duas hipóteses, como por exemplo o Código Civil Português.

No Brasil, diante da redação do artigo 21 da lei federal n.º 10.257/2001 abaixo transcrito, entendemos que o objeto do direito de superfície poderá ser tanto a construção quanto à plantação. Tudo ficará a cargo dos contratantes, que deverão respeitar os limites da avença.

"Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis".

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DERBLY, Rogério José Pereira. Direito de superfície. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 53, 1 jan. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2543. Acesso em: 19 abr. 2024.

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