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Direito de superfície

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01/01/2002 às 01:00
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CONSTITUIÇÃO E TRANSMISSÃO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE

Meios constitutivos do direito de superfície

Dissemos linhas atrás que o direito de superfície é adquirido, via de regra, por meio do registro do contrato no registro de imóveis, ou, ainda, pela sucessão hereditária. Contudo, há quem entenda que nada impede que tal direito seja adquirido por usucapião, como por exemplo, José Guilherme Braga Teixeira, para quem, no usucapião ordinário, há possibilidade "de aquisição da superfície, em razão de concessão anterior a non domino. Nesta hipótese, o concessionário adquire o direito de superfície contra o senhor do solo."[37]

Ainda, sobe o usucapião, averbera Roseane Gonzáles que "a superfície pode ser adquirida via usucapião, sendo essa modalidade rara e difícil de ocorrer. Principalmente o usucapião extraordinário, em razão do efeito aquisitivo da acessão, por força do qual a plantação ou a construção feita no solo pertence ao proprietário deste, o que só a superfície concedida pelo proprietário do solo poderia impedir. Por outro lado, pelo mesmo prazo, o superficiário adquiriria a propriedade do imóvel. Já via usucapião ordinário, em razão da concessão anterior non domino, pode o concessionário adquirir o direito de superfície, contra o proprietário do solo, se permanecer na posse pelo decurso do prazo, desde que não careça de boa-fé"[38]. A mesma opinião partilha Benedito Silvério Ribeiro, in Tratado de Usucapião, Vol.1 Editora Saraiva, 1992, pg.381.

Por esse motivo, José Guilherme alinha a ordem dos títulos constitutivos da seguinte forma: contrato; testamento e a sentença judicial.

Portanto, podemos afirmar que a substância do ato de concessão do direito de superfície é o contrato escrito, exigindo-se, em certos ordenamentos, a forma solene da escritura pública, como ocorre na Alemanha e na Espanha.[39]

Meios de transmissão do direito de superfície

A superfície pode ser transmitida pelo registro do contrato de cessão no cartório de registro de imóveis ou, ainda, pela sucessão hereditária e, por fim, quem a admite, por usucapião.

O título constitutivo da cessão, assim, será o contrato, para a qual exige-se o registro; o testamento e a herança universal, no caso de sucessão hereditária e, ainda, a transcrição no registro de imóveis da sentença prolatada nos casos de usucapião.


TEMPORALIDADE DO DIREITO DE SUPERFÍCIE

Sobre a duração do direito de superfície a lei federal n.º 10.257/2001, dispõe em seu artigo 21 que o "proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis".

Assim, o direito de superfície pode ser pactuado com duração temporária ou indefinida, ou perpétua, como alguns gostam de chamar.

Ao nosso sentir, a duração do direito de cessão não acarretam maiores problemas. O impasse pode surgir quando de sua extinção, como veremos mais adiante.


A PROTEÇÃO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE

Linhas atrás, afirmamos que o direito real de uso é a relação jurídica consubstanciada numa dominação direta do sujeito sobre a coisa que constitui o seu objeto, atribuindo ao titular o direito de seqüela contra os detentores da coisa. Tem ele por objeto uma coisa e, diferentemente da obrigação, ele é exercido contra todos.

Assim é, porque as ações destinadas a protegê-lo dirigem-se contra quem esteja na posse do bem da vida de seu titular.

O superficiário, titular de um direito real, goza, desde a aquisição a superfície, da proteção possessória geral, possuidor que é da superfície do solo. Por isso, cabem-lhe, as espécies de manutenção e de reintegração de posse, dada a oponibilidade erga omnes que integra o direito real.

Registre-se que, por outro lado, depois de realizada a construção ou plantação, torna-se o superficiário proprietário resolúvel[40]de uma ou de outra espécie, cabendo-lhe, por essa característica, o direito de exercício das ações petitórias, vale dizer, reivindicatória, negatória e a confessória.

Por fim, entendemos que, por reunir o superficiário a posse e a propriedade da superfície o poderá, ainda, se socorrer do embargos de terceiro, da nunciação de obra nova e de dano infecto.


EXTINÇÃO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE

Causas de extinção da superfície

Seguindo orientação das diversas legislações que consagram o direito de superfície a lei federal n.º 10.257/2001, em seu artigo 23, dispôs que o mesmo se extingue: pelo advento do termo e/ou pelo descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo superficiário. Resta, ainda, a hipótese consignada no parágrafo primeiro do artigo 24, a saber: "antes do termo final do contrato, extinguir-se-á o direito de superfície se o superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para a qual for concedida".

Registro, que existem ordenamentos jurídicos que colocam ao lado das hipóteses acima citadas a confusão (explica De Plácido e Silva que confusão, no direito civil, tecnicamente, o usual sentido é o de reunião ou mistura) a qual, segundo José Guilherme, pode ocorrer em três hipóteses distintas, a saber: aquisição da superfície pelo senhor do solo; aquisição do solo pelo superficiário e aquisição do solo e da superfície por terceira pessoa.

Outra hipótese indicada por José Teixeira é a renúncia do superficiário e o perecimento do objeto.

Interessante notar, que a extinção pode também ocorrer por causa diversa da vontade das partes, vale dizer, pela desapropriação, quando a extinção opera não só em face da propriedade do dolo, mas também do direito de superfície.

Efeitos da extinção do direito de superfície

Os efeitos da extinção do direito de superfície estão regulados no artigo 24 do citado diploma legal. Nele, resta consignado que uma vez extinto o direito de superfície, o proprietário recuperará o pleno domínio do terreno, bem como das acessões e benfeitorias introduzidas no imóvel, independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado o contrário no respectivo contrato.

Assim, extinto o direito de superfície pelas causas mencionadas anteriormente, salvo o perecimento do solo ou a desapropriação, a extinção da superfície implica no término da suspensão do efeito aquisitivo da acessão, que ressurge revigorado, passando a construção ou a plantação a pertencer ao senhor do solo, salvo estipulação em contrário no contrato.


CONCLUSÕES

Podemos, concluir, em síntese apertada, que o direito de superfície surgiu no Direito Romano, na fase do final do período clássico. Inicialmente foi considerado mero direito obrigacional, tomando, em seguida, os primeiros contornos de direito real, até se consagrar definitivamente quando lhe foi atribuída ação própria, concomitantemente com o reconhecimento dos meios d proteção próprios da propriedade.

Mais adiante o direito de superfície foi retomado pelos Glossadores, momento pelo qual foi ampliado seu campo de atuação, passando a englobar as plantações.

No entanto, com a revolução francesa em 1789 o direito de superfície foi quase que totalmente eliminado, não obstante boa parte da doutrina francesa afirmar sua existência.

No direito moderno, mesmo sob a forte influência do código Civil francês, o direito de superfície obteve guarida em vários ordenamentos jurídicos.

No Brasil, conforme esclarecido, o direito de superfície foi banido pela Lei 1.257 de 24/09/1864[41] e o Código Civil Brasileiro, promulgado em 01/01/1916 não o reintroduziu no ordenamento jurídico pátrio.

Diante da necessidade da admissão da superfície em nosso direito, por várias vezes se tentou inseri-la no Código Civil até que admitida pelo Projeto de lei n. º 634/75, a qual encontra-se em fase final no Congresso Nacional.

Não obstante o projeto de lei do novo código civil brasileiro ainda, sequer ter sido aprovado, certo que o legislador, prestigiando outro projeto tão importante quanto esse último, fez aprovar, após longos 11 anos, a Lei Federal n.º 10.257, de 10 de julho de 2001, a qual estabelece diretrizes gerais da política urbana. Denominada de "Estatuto da Cidade", ela estabelece não só as diretrizes gerais para a implantação de uma "moderna" política urbana, mas, também, regulamenta a aplicação de instrumentos para a persecução da verdadeira função social da propriedade urbana.


NOTAS

1.A professora de Direito Civil da Universidade de Ribeirão Preto, Roseane Abreu Gonzáles Pinto, ensina que "os períodos de formação do sistema de direito privado de direito romano, os autores, de forma geral, classificam em 3 fases: 1ª do direito antigo ou "pré-clássico clássico - das origens de Roma até a Lei de Aebuitia; 2ª do direito clássico até o término do reinado de Diocleciano, em 305 d.C.; e a 3ª do direito pós-clássico ou romano-helênico até a morte de Justinianino, em 565 d.C."

2.In "O direito real de superfície e a sistemática de novo código civil brasileiro, RT-755/2000 pag. 79/95

3.Ob.cit.p.11

4.Ob.cit.p.12

5.Ob.cit.p.13

6.Tratado de Direito Privado vol.XVIII, p.184.

7.Ob.Cit. pg. 16

8.Ob.cit.

9.Especificamente sobre a plantação há que registrar que não é pacífico na limitada doutrina sobre o tema de que existiu no direito romano o direito de superfície sobre plantações.

10.Ob.cit.

11.Segundo De Plácido e Silva, cânon "Canon enfiteutico: Assim se dizia, antigamente, do foro anual que era pago pelo enfiteuta ao senhor direto do prédio aforado"

12.In Elementos de Direito Urbanístico, Editora Renovar, 1997, pg.20

13.Ob.cit pg.18

14.In José Gulherme Braga Teixeira, ob.cit.

15.José Guilerme Teixeira Braga, ob. Cit. Pg.36

16A fonte dessas informações podem ser encontradas no livro "O direito real de superfície" de José Guilherme Braga Teixeira.

17.Ob.cit. pág. 40

18."Art. 448 - Qualiasi costruzionem piantagione od opera sopra a dissoto il suolo si presume fatta dal proprietário a sua spese ed appartenergli finche non consist Del contrario, senza pregiudizio, pero dei diriti leggittimamente acquisati dai terzi"

19.In José Guilherme Braga Teixeira, ob. cit.

20.Nota de rodapé 107 in Direito Real de Superfície.

21.Ob.Cit.pg.47

22.Ob.Cit.pg.85

23.Ob.Cit.pg.87

24.Roseana González, ob. Cit.

25.Afirma Jose Teixeira, ob. cit na nota de rodapé n.º 115 que "serem os direitos reais, existentes determinado sistema de direito positivo, taxativos ou meramente enunciativos é questão doutrinária de alta indagação, constituindo vexata questio, entre os juriconsultos, tanto brasileiros quanto estrangeiros." Mãos adiante, na mesma nota afirma "pelo sistema da taxatividade dos direitos reais, podemos citar Teixeira de Freitas; Ricardo Pereira Lira; Clóvis Bevilaqua; Pontes de Miranda; Caio Mario Pereira da Silva e Orlando Gomes. Em sentido contrário "Almeida F.P.L., Nonato O e França, R.L.".

26.Ob. cit.pg.55.

27.In Miguel Reale Anteprojeto de Código Civil, pp. 26-27- apud Jose Teixeira pp 51.

28.Código Civil Comentado, vol.III. ed. Paulo de Azevedo ltda art. 674, p.239, in fine.

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29.Curso de direito civil – Direito das coisas- 3º vol,pp14/15.

30.Loteamentos e Condomínios, Tomo II, ed. Max Limonad, SP, 1953, pp 15/21.

31."O direito de superfície" p. 35, artigo publicado in RIAA n.º 119, ano XVII-out-dez.1972

32.O direito real de superfície e a sistemática de novo código civil brasileiro, RT 775/2000.

33.Ob. cit.. Pg. 116.

34. "Art. 674. São direitos reais, além da propriedade: I - a enfiteuse; II - as servidões; III - o usufruto;IV - o uso; V - a habitação; VI - as rendas expressamente constituídas sobre imóveis; VII - o penhor; VIII - a anticrese; IX - a hipoteca."

35.Veja, a propósito José Guilherme Braga Teixeira e Ricardo Pereira Lira., obras citadas.

36.Estatuto da Cidade " Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis. § 1º O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo, atendida a legislação urbanística. § 2º A concessão do direito de superfície poderá ser gratuita ou onerosa. § 3º O superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que incidirem sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto da concessão do direito de superfície, salvo disposição em contrário do contrato respectivo.§ 4º O direito de superfície pode ser transferido a terceiros, obedecidos os termos do contrato respectivo. § 5º Por morte do superficiário, os seus direitos transmitem-se a seus herdeiros.

37.Ob. cit. pg. 81

38.Ob.cit.

39.José Guilherme Teixeira Braga esclarece que no Brasil, a escritura pública seria exigível por força do inciso II do artigo 134 do Código Civil e Roseane Gonzáles.

40.De Plácido e Silva, in Vocabulário Jurídico, Editora Forense, 3ª Edição,, Vol III e IV, pg. 123 assim define a resolução de domínio "Relativamente à extinção ou destruição do domínio, resolução entende-se, propriamente, revogação. A resolução do domínio, em regra, decorre do estabelecimento de um jus in re, cuja revogação ou extinção se opera, conforme se tenha inicialmente instituído, pelo evento do termo ou implemento da condição. E, dessa forma, resolvido o domínio, extingue-se de pleno direito o jus in re, para que retorne a propriedade, a que pertence, para integrá-la.".

41.Veja que interessante. A lei 1.257/1864 baniu o direito de superfície e a Lei 10.257/2001 inseriu-o novamente no ordenamento pátrio.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DERBLY, Rogério José Pereira. Direito de superfície. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 53, 1 jan. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2543. Acesso em: 7 mai. 2024.

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