3. As dimensões (gerações) dos direitos fundamentais e a crise de fundamentalidade dos direitos fundamentais na atualidade
Neste tópico, abordaremos um tema muito polêmico – no qual há grande divergência doutrinária –, a saber, as novas dimensões dos direitos fundamentais, não trabalhadas nos tópicos anteriores (trabalhamos só até a 4ª dimensão), decorrentes da crescente mutabilidade e complexidade social, procurando traçar objetiva e sinteticamente suas principais características.
A doutrina costuma classificar os direitos fundamentais em gerações de direitos, ou, mais modernamente, em dimensões. Esta última nomenclatura é preferível e mais adequada, pois uma nova dimensão não abandona as conquistas da dimensão anterior. Em um primeiro momento, partindo dos lemas da Revolução Francesa[26] – liberdade, igualdade e fraternidade –, eram anunciados os direitos de 1ª, 2ª e 3ª dimensão e que, posteriormente, evoluiriam, segundo a doutrina, para uma 4ª. Alguns já falam em 5ª e 6ª dimensão.
Os direitos fundamentais da 1ª dimensão marcam a passagem do Estado autoritário(monarquia absoluta) para um Estado de Direito – nesse sentido, há a defesa das liberdades individuais(direitos civis e políticos), da limitação e do absenteísmo estatal –, seu efetivo reconhecimento se dá na positivação das primeiras constituições escritas, sendo diretamente influenciada pela ideologia individualista liberal-burguesa(final do séc. XVII e início do séc. XVIII). Doravante, deveria haver máxima liberdade aos agentes econômicos (burguesia) para produzir.
Os direitos de primeira geração ou direitos de liberdades têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado [...]; Enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. [27]
A doutrina aponta alguns documentos históricos como antecedentes e marcos dos direitos humanos de primeira geração, a saber, a Magna Carta (1215), o Bill of Rights (1679) e as Declarações americana (1776) e francesa (1789).
Esse estado liberal (minimalista), que é o primeiro modelo de Estado constitucional, entra em crise pela exploração desumana do proletariado por parte da burguesia (questão social).Logo, aqueles direitos da 1ª dimensão mostram-se insuficientes para a nova realidade de domínio do capital, ensejando uma nova gama de direitos fundamentais.
Assim, os direitos fundamentais da 2ª dimensão surgiram na época da Revolução Industrial europeia (a partir do séc. XIX). Assim, em decorrência das funestas condições de trabalho, eclodiram movimentos como o Cartista, na Inglaterra, e a Comuna de Paris (1848), reivindicando direitos trabalhistas e normas para assistência social.
O princípio do século XX é marcado tanto pela Primeira Guerra Mundial quanto pela fixação de direitos sociais (trabalho, subsistência digna, amparo à doença e à velhice)[28], culturais, econômicos e coletivos ou da coletividade, correspondendo aos direitos de igualdade – não meramente formal, mas substancial, real e material –, visando assegurar o bem-estar. Podem ser apontados como documentos que positivaram essas demandas a Constituição de Weimar(1917) e a Constituição de 1934(Brasil). Bem assevera Bonavides que nem sempre o Estado tinha como dar concreção àquelas normas (“reserva do possível”, o Estado as aplicaria até onde fosse possível). Desse modo, elas foram remetidas à esfera programática[29], cabendo, no caso brasileiro, ao poder Executivo e ao Poder Legislador concretizá-las em um futuro incerto, este mediante leis complementares.
Este Estado Social entra em crise, pois o Estado não consegue dar respostas adequadas às demandas sociais por emprego, vida digna, malogrando o projeto de uma igualdade substancial. O exemplo clássico, citado pelos cientistas políticos, é o fracasso da República de Weimar em conter a inflação galopante, o desemprego em massa e promover a reconstrução da Alemanha, totalmente arrasada após a Primeira Guerra Mundial. A crise do Estado Social gerou três tipos de regimes: autoritários de esquerda (legalidade socialista), autoritário de direita (legalidade formal) e democráticos (legalidade democrática).
Os direitos fundamentais da 3ª dimensão são fortemente influenciados por mudanças conjunturais – em especial, nas relações econômico-sociais –, na comunidade internacional, caracterizada pela massificação social, crescente desenvolvimentos tecnológico e científico. Surgem novas preocupações globais, como a preservação ambiental (art. 225, CF/88) e a proteção dos consumidores. Logo, o ser humano é imbricado em uma coletividade, passando a ter direitos de solidariedade ou fraternidade (direito à vida saudável, ao progresso, à autodeterminação dos povos)[30].
Nesse diapasão, os direitos da 3ª dimensão são direitos difusos e transindividuais ou metaindividuais, visto que transcendem a individualidade de cada ego (eu), considerado em si mesmo, protegendo o gênero humano. São exemplos de direitos de 3ª dimensão: direito ao desenvolvimento, direito ao meio ambiente, direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade, direito à comunicação.
É importante ressaltar que até a 3ª dimensão dos direitos fundamentais não há grande divergência na doutrina.
Os direitos fundamentais da 4ª dimensão, para Bobbio, decorrem dos avanços no campo da engenharia genética[31], ao colocar em perigo a existência humana, através da manipulação do patrimônio genético[32]. Em sentido oposto, para Bonavides,“a globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta dimensão, que, aliás, correspondem a derradeira fase de institucionalização do Estado social” [33], destacando-se: o direito à democracia(direta), o direito à informação, o direito ao pluralismo. Dessa forma, para Bonavides, os direitos da 4ª dimensão são decorrentes da globalização dos direitos fundamentais, ou seja, da universalização na seara institucional.
Ingo Sarlet, em defesa de Bonavides assevera:
a proposta do Prof. Bonavides, comparada com as posições que arrolam os direitos contra a manipulação genética [...], como integrando a quarta geração, oferece nítida vantagem de constituir, de fato, uma nova fase no reconhecimento dos direitos fundamentais, qualitativamente diversa das anteriores, já que não se cuida apenas de vestir com roupagem nova reivindicações deduzidas, em sua maior parte, dos clássicos direitos de liberdade. [34]
Adotando outra postura, para Uadi Lammêgo Bulos, os direitos fundamentais de 4ª dimensão são os direitos dos povos (relativos à saúde, informática, softwares, biociência, eutanásia, alimentos transgênicos, sucessão dos filhos gerados por inseminação artificial, clonagens, dentre outros acontecimentos ligados à engenharia genética)[35].
Os direitos fundamentais da 5ª dimensãocompreendem o direito à paz e seus corolários, afirmando Bonavides que a paz é axioma da democracia participativa e supremo direito da humanidade [36]. Tal direito encontra-se assentado em diplomas internacionais, a exemplo da Declaração das Nações Unidas – já na Constituição brasileira de 1988, encontra-se no art. 4º, VI [37].
Os direitos fundamentais da 6ª dimensão, para Bulos, são o direito à democracia, à liberdade de informação (acesso ao conhecimento) e ao pluralismo político (art. 1º, V, CF/88). Deve-se ressaltar, portanto, que os direitos fundamentais que Bonavides considera serem de 4ª dimensão, Uadi Lammêgo Bulos considera serem de 6ª dimensão. Importante frisar que, segundo Habermas, a União Europeia coaduna-se com a materialização de uma nova tendência, a saber, o paradigma da democracia transnacional.[38] Em suas palavras: “a comunidade internacional dos Estados tem de progredir para uma comunidade cosmopolita de Estados e dos cidadãos do mundo”.[39]
O paradigma atual do constitucionalismo contemporâneo é o do Estado Social (Democrático) de Direito, no qual há– para grande parte dos doutrinadores – o reconhecimento até a 5ª dimensão dos direitos fundamentais. Conforme ressalta Paulo Otero, o Estado Democrático de Direito (plural e constitucional) é aquele em que há a supremacia dos direitos fundamentais. Logo, aquele é também um Estado de Direitos Fundamentais[40].
Contudo, segundo o emérito professor de direito constitucional Felipe Sarinho, em consonância com o pensamento de Paulo Otero, preleciona a teoria de que o Estado de Direitos Fundamentais (atual) se encontra em crise. Todavia, em que sentido se pode falar de crise? O Estado, como vimos, ao longo da evolução do constitucionalismo, a fim de evitar o arbítrio e a exploração do homem sobre o próprio homem, positivou, em sua Constituição, uma miríade de direitos fundamentais de várias dimensões. Todavia, como fica claro no caso brasileiro, o problema não mais parece ser a falta de reconhecimento, mas, sim, a falta de aplicabilidade, exequibilidade ou eficácia concreta daqueles direitos. Destarte, os direitos fundamentais atravessam uma crise no sentido de que são, a todo tempo, inobservados e ignorados por parte do Estado, o qual deveria zelar pela sua aplicação e observância. Permanecendo, desse modo, como “letras mortas”, com força apenas simbólica e retórica, a fim de atender à pressão da opinião pública.
Por exemplo, o caput do Art. 6º da CF/88 diz:
São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Pergunta: na prática, esses direitos são observados, ou a maioria da população continua à margem de tais normas de cunho apenas simbólico e ornamental? Outro exemplo de direito fundamental que é constantemente desrespeitado se encontra no art. 5º, XLIX – “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.Até as pessoas sem o mínimo de instrução sabem das atrocidades que são cometidas no interior dos presídios. Mas, como sói de acontecer, alguém poderiam retrucar: “mas o Estado não diz que aplicará tal norma”. Não? Bem assevera o § 1º do art. 5º - “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.
Os direitos fundamentais são elencados em vários artigos e incisos da Constituição Federal, principalmente no arts. 4º, 5º, 6º e 225, e muitos outros na forma de normas programáticas, as quais necessitam de uma legislação complementar[41](são as normas de eficácia limitada declaratórias de princípios programáticos[42]) futura, incerta e improvável para que possam ser aplicados, ficando na espera da boa vontade do legislador.
Assim, uma imensa gama de direitos fundamentais são formalmente declarados para satisfação ilusória da sociedade, a qual acha que está sendo protegida, mas, na verdade, materialmente,aqueles direitos continuam a ser desrespeitados o tempo todo. O problema se torna ontológico, pois o indivíduo não sabe quais dos tantos direitos fundamentais são realmente fundamentais. E o enigma que preocupou os jusnaturalistas por tantos séculos, a saber, o da fundamentação, volta à tona.
Não se pretende esgotar, com essas reflexões, um problema tão complexo e difícil, mas o magistério de Felipe Sarinho apontava uma possível solução: se o Estado não tem como concretizar toda uma gama de direitos fundamentais formalmente declarados, talvez seja melhor que ele só proclame os que possa cumprir. Contudo, para isso, terá de se fazer uma triagem para saber quais dos tantos direitos fundamentais são realmente fundamentais.Nesse ponto, assoma o problema da fundamentalidade dos direitos fundamentais.
4. Acesso à Justiça[43]
Segundo o art. 5, XXXIV da CF/88 – “são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;” No mesmo sentido, XXXV – “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”; e LXXIV –“o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” (grifos nossos).
Entendemos que a problemática do acesso à Justiça, como direito fundamental garantido constitucionalmente, está dentro da problemática (crise) da aplicabilidade dos direitos fundamentais –que é um problema muito maior, conforme visto no tópico anterior.Isso porquanto o Estado não consegue assegurar a todos que recorrem ao judiciário uma prestação jurisdicional de boa qualidade e efetiva, devido à imensa quantidade de direitos fundamentais-prestacionais a que é chamado para dar conta. Todavia, como demonstra Cappelletti, as três ondas que, doravante, serão explanadas cumpriram e ainda cumprem um papel fundamental para a reformulação de uma Justiça mais eficaz na resposta às demandas.
O judiciário é demandado de todas as partes, desde os mais paupérrimos até os mais ricos.Todavia, uma pequena minoria sai em tempo razoável. Desse modo, a maior parte dos brasileiros ainda veem o Estado como um grande Leviatã (para usarmos a expressão de Thomas Hobbes): burocrático, lento e ineficiente, imagem que se reflete na concepção que as pessoas têm do Poder Judiciário.
A problemática do acesso à Justiça ganhou novo lume com a obra de Cappelletti[44], a qual teve, no Brasil, uma grande aceitação, ensejando a busca de novos caminhos, transformando as estruturas judiciárias, especialmente a legislação processual.
Quando se fala da expressão “acesso à Justiça”, vislumbra-se uma Justiça acessível e eficaz, na medida em que possa dar resposta satisfatória às reivindicações, ou seja, uma Justiça capaz de dar conta da dialética da sociedade. Aquela expressão imprime duas finalidades básicas para o sistema judiciário: este deve criar resultados igualmente acessíveis (acessibilidade) e efetivos a todos e produzir resultados concreta e socialmente justos.[45]
É importante ressaltar que o termo “acesso à justiça” é muito vago e ambíguo [46]. Segundo Sérgio Torres, ilustre professor de Teoria Geral do Processo, aquela expressão é usada indistintamente, inclusive na Constituição Federal, mas se deve ter em mente que denota três significados diferentes: 1. acesso ao poder judiciário, que seria o acesso aos órgãos encarregados de aplicá-la; 2. acesso ao processo enquanto sistema adequado e eficiente de respostas a demandas; 3. acesso à justiça como categoria axiológica e utópica para atingir uma ordem de valores e direitos fundamentais ideais.
Segundo Cappelletti, houve, a partir de 1965, no ocidente, três ondas (reformas) que propiciaram o “acesso à Justiça”. A primeira onda foi a assistência judiciária para os pobres, a qual buscava meios para facilitar o acesso dos hipossuficientes (que não têm recursos para arcar com as custas advocatícias e processuais)aos serviços jurídicos e, consequentemente, propiciar um modelo melhor e mais eficiente de prestação assistencial de caráter jurídico àqueles.
Assim, as barreiras ao acesso à Justiça começaram a ceder e os pobres estão obtendo assistência jurídica em números cada vez maiores. Todavia, os problemas que assomam neste sentido são as barreiras físicas e culturais que desestimulam os pobres a buscar a justiça, bem como a falta de consciência(desinformação jurídica) por parte daqueles acerca dos seus direitos. Uma ótima solução seria a educação e conscientização comunitárias. Outra dificuldade reside no escasso número de defensores públicos para uma demanda tão alta, sem esquecer a remuneração inadequada que recebem. Bem assevera Cappelletti ao dizer que os serviços jurídicos para os pobres tendem a ser pobres, também, porquanto poucos advogados têm interesse em assumi-los, e os que o fazem tendem a realizá-los em níveis menos rigorosos.[47]
No ordenamento pátrio, a primeira onda ganhou força com a Lei nº 1.060/1950, a qual, em seu artigo primeiro, consagra a concessão da assistência judiciária aos necessitados nos termos dessa Lei. A assistência jurídica, louvavelmente, engloba a isenção de taxas judiciárias e selos. Para isso, basta que a parte declare, na petição inicial, que não tem condições de arcar com as custas processuais e os honorários advocatícios (art. 4º da lei supracitada). Ademais, quem não tem como pagar um advogado pode ingressar em juízo através da defensoria pública.
A segunda onda consiste nas reformas tendentes a propiciar a representação dos interesses difusos. Essa onda forçou uma reflexão sobre elementos básicos do processo civil e sobre o papel dos tribunais. Vem à baila que os interesses difusos(recaem sobre um número indeterminado de pessoas) são os interesses coletivos ou grupais transindividuais ou metaindividuais(“se o direito ou interesse não pertence a ninguém, é porque pertence a todos”[48]). Nessa toada, o processo civil, tradicionalmente de cunho individualista e preocupado com a defesa de interesses individuais, passou a servir também para tutelar direitos e interesses difusos, adotando, doravante, um concepção mais social e coletiva. Vale a pena destacar entre os interesses e direitos difusos os dos consumidores, dos idosos, dos trabalhadores e do meio ambiente (preservacionista).
A Constituição Federal de 1988, em diversos dispositivos prevê ações coletivas (arts 5º, XXI), mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX, “a” e “b”), a função institucional do Ministério Público para promover o inquérito civil e ação civil pública, a fim de proteger o patrimônio público e social, o meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos(art. 129, III).Não se pode olvidar, ainda, a Lei n. 8.078, que estatuiu o Código de Defesa do Consumidor.
A Terceira onda veio dar novo lume ao acesso à representação em juízo, a uma concepção mais ampla de acesso à Justiça, e um novo enfoque de acesso à Justiça[49].Essa onda, deveras, foi a mais importante para a ordem jurídica nacional, haja vista que propiciou várias reformas nas formas de procedimento judicial – modificando a engrenagem jurídica, para adotar procedimentos simples(menos morosos) para demandas simples, e procedimentos complexos para demandas complexas –, mudanças na estrutura dos tribunais, criação de novos tribunais, uso de pessoas leigas(como os juízes leigos, nos juizados especiais), na fase de instrução do processo, modificações no direito substantivo com o escopo de evitar litígios ou facilitar sua resolução e a utilização de mecanismos privados ou informais de solução dos litígios. Todas essas mudanças objetivam agilizar o judiciário, a fim de que a parte vencedora tenha segurança de que receberá, ainda em vida, a prestação jurisdicional que lhe é devida.
Como os litígios diferem muito em sua complexidade, interessante notar que
os juizados de pequenas causas e os juizados especiais, tanto cíveis quanto criminais são duas especiais modalidades de se fazer justiça rápida, e uma não exclui a outra, podendo, ambas, conviver na solução dos conflitos(arts. 24, X e 98, I, CF). [50]
Assim, os métodos alternativos de resolução de conflitos foram estimulados, provocando os jurisdicionados a procurar a justiça de outros modos, a fim de obter decisão mais rápida, eficiente e menos custosa, com o auxílio da arbitragem, da mediação e da conciliação – essas duas últimas são formas de auto-composição, na qual as partes são estimuladas a entrar em acordo. Infelizmente, o brasileiro tem a cultura do processo, como defende Sérgio Torres, o que faz com que as pessoas desconfiem dos métodos alternativos, pois acreditam que são parciais e ineficientes. Destarte, continuam a preferir as vias processuais convencionais.
No ordenamento pátrio, essa terceira onda se concretizou pela aprovação da Lei n. 9.099/95, a qual criou os importantíssimos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Minirreformas processuais também foram implementadas com o escopo de acelerar os procedimentos. Nesse sentido, a Lei n. 9.307/96 regulou a arbitragem, com a qual se espera que os litigantes prefiram solucionar a lide através da justiça privada.
Malgrado os avanços, alguns obstáculos ainda prejudicam o acesso à Justiça brasileira. São eles: a estrutura do judiciário, a morosidade dos procedimentos e o uso indiscriminado de recursos. A própria estrutura do judiciário é arcaica e defasada. Houve a importação do modelo francês,todavia, a cultura brasileira é diversa da daquele país. Uma grande praga do direito nacional é a ânsia recursal[51], decorrente de uma deformidade interpretativa do duplo grau de jurisdição.
Um bom exemplo pode ser visto nos juizados especiais, os quais se destinam a causas simples até determinado valor (até quarenta salários mínimos no caso dos Juizados Especiais Cíveis, art. 3º, I da Lei n. 9099/95) e de pouca complexidade. Todavia, o “fetiche recursal” enseja, mesmo sem admitir o acesso à Justiça em segundo grau, a criação de turmas recursais, tipo de segundo grau dentro do próprio primeiro grau, composto por juízes para reexaminar as sentenças proferidas por juízes de igual hierarquia.
Isso não quer dizer que os recursos não são necessários, pois são, porém, seu uso deveria ser melhor disciplinado, em consonância com a importância de cada matéria, impedindo que quase toda causa subisse aos tribunais de segundo grau.
Nesse diapasão, bem assevera Carreira Alvim ao dizer que o cerne do problema do acesso à Justiça não é uma questão de entrada, mas de saída(“descesso”), uma vez que “todos entram, mas poucos conseguem sair num prazo razoável”[52].