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Direitos humanos e assistência jurídica

A problemática da crise de fundamentalidade dos direitos fundamentais

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5. Extensão universitária: o SAJU

As universidades devem ter como pilares o ensino, a pesquisa e a extensão (transmissão, produção e transformação do conhecimento, respectivamente)[53]. Com o ensino, busca-se formar quadros profissionais que respondam às exigências do mercado de trabalho. A extensão deve corresponder à sua responsabilidade social[54], face aos problemas da comunidade da qual faz parte, uma vez que possibilita refletir sobre o contexto econômico, político, social e cultural e, destarte, deve tentar acompanhar as mudanças que se desenvolvem neste contexto, propiciando a justiça social. Já a pesquisa propicia a produção, que alimenta os dois pilares anteriores, revivificando as estruturas das universidades, e tem por escopo propiciar elementos para encetar uma reflexão crítica sobre o real e fundamentar projetos alternativos para solucionar os graves problemas sociais.

A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), louvavelmente, desenvolve interessante projeto de extensão na seara jurídico-social, que é o SAJU (Serviço de Apoio Jurídico Universitário), o qual tem como uma das função provocar a integração entre sociedade e Universidade. O arcabouço teórico do SAJU é a obra Acesso à Justiça de Mauro Cappelletti. Logo, os membros daquele projeto tentam pôr em prática as ideias dessa obra, em especial, propiciando uma prestação jurisdicional gratuita ao maior número de “consumidores” (demandantes). Mais especificamente, o SAJU busca melhorar a assistência judiciária para os pobres (“primeira onda”, como vimos no tópico antecedente), procurando meios para facilitar o acesso dos hipossuficientes (que não têm recursos para arcar com as custas advocatícias e processuais) aos serviços jurídicos e, consequentemente, propiciar um modelo melhor e mais eficiente de prestação assistencial de caráter jurídico àqueles. Nesse diapasão, a conscientização (informação)dos humildes, acerca de seus direitos, assoma como uma das preocupações precípuas.

Basicamente, são três as formas de atuação do SAJU. A primeira e principal é selecionar e enviar estagiários (atualmente já passam de 50) não remunerados, especialmente alunos iniciantes do curso de Direito, para as Defensorias Públicas Estaduais (de Pernambuco), a fim de serrem auxiliados por defensores públicos, ao proporcionar serviços que se destinam a orientar os carentes na busca de seus direitos.

Como visto em outro lugar[55], o quotidiano marcado pela interação entre estagiário – ingressante no mundo jurídico – com os mais necessitados pode propiciar experiência sui generis para ambos os lados, sendo um verdadeiro exercício de paciência – pois muitos mal conseguem articular e expressar coerentemente o motivo que os levou à Defensoria Pública –, humildade, aprendizado, fraternidade e tolerância, as quais não costumam ser ensinadas nas cátedras universitárias. É na assistência ao outro que o ser que auxilia reflete criticamente sobre sua finita imanência, vislumbrando como pode ajudar a construir um futuro melhor para si e para os outros. Na prestação de uma ajuda a quem precisa, há uma espécie de troca de existências entre os dois polos (o que ajuda e o ajudado), a qual abre o caminho para que surja um liame de amor, de compaixão e de altruísmo.

A segunda forma de atuação é a visita às comunidades pobres para resolver questões e querelas jurídicas diretamente com a população (“SAJU nas comunidades”). Nesse sentido, vem à baila o recente e gratificante caso da comunidade “Deus proverá” (processo 3249-70.2008.8.17.0990). Tal comunidade iria ser desalojada em virtude do cumprimento do mandado de Reintegração de Posse, expedido pela Juíza de Direito da Quarta Vara Cível da Comarca de Olinda. Todavia, o SAJU, sob orientação da sagaz professora Larissa Leal, conseguiu descobrir uma brecha processual, dando esperança para os ocupantes terem mais tempo para arranjar uma nova moradia.

A terceira forma de atuação do SAJU é através de reuniões, marcadas mensalmente, com o intuito de propiciar uma integração entre os estagiários e esclarecimento desses sobre possíveis dúvidas. Um dos temas mais em voga nos debates é o “Uso Alternativo do Direito” (surgido entre as décadas de 60 e 70). Esse movimento inicialmente adotava preocupações sociais de caráter socialista, defendia que o juiz é capaz de decidir em proveito de setores sociais mais carentes, mesmo nos casos em que as circunstâncias mostram-se favoráveis à parte dominante[56].  É importante notar que este movimento abominava uma perspectiva excessivamente lógico-formal por parte dos operadores do Direito, a qual se esquecia que o Direito é meio e não fim, logo, deve ter em conta o lado social e humano. Os juízes e simpatizantes desse movimento passaram a utilizar as lacunas e a abstração das normas gerais, a fim de aplicar o Direito de forma alternativa e mais humana e, assim, decidir em favor, por exemplo, dos moradores de comunidade que sofriam com o arbítrio da atuação policial.É o que o SAJU defende peremptoriamente: a humanização na aplicação do Direito. Desse modo, os intérpretes e operadores do direito são capazes de observar e incidir sobre processos sociais – dos quais, inclusive, o fenômeno jurídico faz parte.

Assim, o projeto de extensão ora em tela influencia na formação humanística dos futuros operadores do direito, os quais devem ser menos formalistas e mais sensíveis às causas dos hipossuficientes. Ademais, como vimos acima, o SAJU e seus membros visam auxiliar o Estado para que o acesso à justiça seja melhor em todos os sentidos, já que, como vimos acima, aquele se mostra ineficaz (em crise) na concreção dos direitos fundamentais-prestacionais.

Ao cabo, terminemos com a seguinte reflexão: nem sempre conseguimos fazer um mundo melhor para nós, posto que somos imperfeitos e erramos, mas sempre teremos sonhos para viver. Principalmente, o de construir um mundo melhor – no qual reine a tolerância, o amor e a fraternidade –, para as gerações vindouras.


6. Referências

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7. Notas

[1]BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 1- 45.

[2]AZAMBUJA, Maria Regina Fay de; et. al. Violência sexual contra crianças e adolescentes.Porto Alegre: Armed, 2001, p. 355.

[3]BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 2004, passim.

[4]CRUZ, Álvaro Ricardo Souza Cruz. O direito à diferença: as ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e portadores de deficiência. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 5.

[5]BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 2004, p. 143-164.

[6]CASSESE, A. . I diritti umani nel mondo contemporâneo. Bari: Laterza, 1988, p. 143.

[7]ROBLES, Gregorio. Os direitos fundamentais e a ética na sociedade atual. São Paulo: Manole, 2005, p. 7.

[8]BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 565.

[9]POMBO, Sérgio Luiz da Rocha et. al. Direito do trabalho: reflexões atuais. Curitiba: Juruá, 2007, p. 85.

[10]HABERMAS, Jürgen. O futuro da natureza humana: a caminho de uma eugenia liberal? São Paulo: São Paulo, Martins Fontes, 2004, passim.

[11]HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes.Responsabilidade pressuposta.Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 127.

[12]OTERO, Paulo. A democracia totalitária: do estado totalitário à sociedade totalitária. Cascais: Principia, 2001, p. 154.

[13]CHÂTELET, François. Uma história da razão: entrevistas com Émile Noël. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1994, p. 81.

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[14]CASSESE, A. I diritti umani nel mindo contemporaneo. Bari: Laterza, 1988, p. 143.

[15]JAYME, Fernando G. Direitos humanos e sua efetivação pela corte interamericana de direitos humanos. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 21.

[16]VOLTAIRE. Tratado sobre a tolerância. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 121.

[17]BOBBIO, Norberto. O tempo da memória – de senectute e outros escritos autobiográficos. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 172-173.

[18]BOBBIO, Norberto. Idem, Ibidem, p.156.

[19]BOBBIO, Norberto. O problema da guerra e as vias da paz. São Paulo: UNESP, 2003, p 50-51.

[20]LAFER, Celso. Prefácio. In BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. VII.

[21]BOBBIO, Norberto. As ideologias e o poder em crise. São Paulo: Ed. Poli, 1988, p. 111.

[22]BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 371-386.

[23]HABERMAS, Jürgen. Sobre a constituição da Europa: um ensaio. São Paulo: Ed. Unesp, 2012, p. 10-11.

[24]BOBBIO, Norberto. Politica e cultura. Torino: Einaudi, 1977, p. 281.

[25]ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010, p. 295-296.

[26]LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 958.

[27]BONAVIDES, Paulo. Op. cit. P. 563-564.

[28]BULOS, Uadi Lammêgo.Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 525.

[29]Idem, Ibidem. P. 564.

[30]BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit. P. 526.

[31]Neste este ponto, conferir o tópico “1.1. Considerações iniciais”, p. 3-4, no qual há interessante reflexão de Habermas sobre o tema.

[32]BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 9.

[33]BONAVIDES, Paulo. Op. cit. P. 569.

[34]SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2007, p. 51.

[35]BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit. P. 526.

[36]BONAVIDES, Paulo. Op. cit. P. 593.

[37]BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit. P. 52.

[38]HABERMAS, Jürgen. Sobre a constituiçãoda Europa: um ensaio. São Paulo: Ed. Unesp, 2012, p. 3.

[39]Idem, Ibidem, p. 5.

[40]OTERO, Paulo. A crise do “Estado de direitos fundamentais”. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; TAVARES, André Ramos (Org.). Lições de Direito Constitucional em homenagem ao Jurista Celso Bastos. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 179.

[41]ALMEIDA MELO, José Tarcízio de. Direito constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 74.

[42]SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2007, passim.

[43]CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça.Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 31-73

[44]ALVIM, J. E. Carreira. Justiça: acesso e descesso. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 65, 1maio2003. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4078>. Acesso em: 16 mar. 2013.

[45]CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant.Op. cit., p.8.

[46]RODRIGUES, Horácio Wanderley. Acesso à justiça no direiro processual brasileiro. São Paulo: Editora Acadêmica, 1994, p. 28.

[47]CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Op. cit., p. 48.

[48]ALVIM, J. E. Carreira. Op. cit.

[49]Idem, Ibidem.

[50]Idem, Ibidem.

[51]Idem, Ibidem.

[52]Idem, Ibidem.

[53]GARCIA, Joes de Assis; SELBACH, Jeferson Francisco; SANTOS, Silvia Maria Barreto dos (orgs.). Anais do XVI seminário internacional de educação: docência nos seus múltiplos espaços. Rio Grande do Sul: Fundação Universidade Federal do Pampa, 2011, p. 208.

[54]SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Costa (org). Faculdade de Direito da PUCRS: 60 anos de história e desafios. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007, p. 63.

[55]SILVA, Eduardo Almeida Pellerin da. Seu Aguinaldo. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3531, 2mar.2013. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23863>. Acesso em: 22 mar. 2013.

[56]OLIVEIRA, Luciano. Sua Excelência O Comissário e outros ensaios de Sociologia Jurídica. Rio de Janeiro: Editora Letra Legal, 2004, p. 96.

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Sobre o autor
Eduardo Almeida Pellerin da Silva

1. Formação acadêmica: graduação em Direito pela Faculdade de Direito do Recife (FDR)/Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) (2016) e especialização em Processo Civil pela Faculdade Damásio (2018); 2. Atuação profissional: advogado proprietário do escritório Eduardo Pellerin Advocacia e Consultoria, o qual atuou com advocacia estratégica e consultiva, em Direito Civil, Consumidor e Administrativo (2020-2021), advocacia estratégica e consultiva, em Direito Civil, Administrativo e Processo Civil para Pequeno e Beltrão Advogados (2020-2021), assistente de Desembargador e servidor público federal do TRT6 (2021), assistente de Juíza e analista judiciário do TRT2 (2022-atual); 3. Concursos: aprovado em vários, com destaque para o TRF5, TRT6, TRT1, TRT2 e TRT15; 4. Pesquisa e produção: autor do livro "O ativismo judicial entre a ética da convicção e a ética da responsabilidade: a racionalidade da melhor decisão judicial de controle de políticas públicas diante da ineficiência estatal na concretização de direitos fundamentais", pesquisador bolsista do PIBIC UFPE/CNPq - no Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), linha de pesquisa: "A metafísica da doutrina do Direito em Kant: moral, ética e Direito" (2015-2016), publicou capítulo de livro, doze artigos científicos, em revistas jurídicas especializadas, jornais, anais de eventos e apresentou artigos, em congressos científicos; 5. Ensino: foi monitor das cadeiras de Introdução ao Estudo do Direito I, Direito das Coisas e Processo de Execução; 6. Extensão: Serviço de Apoio Jurídico-Universitário (SAJU) e Pesquisa-Ação em Direito (PAD): As relações entre a ficção jurídica e a ficção literária; 7. Formação complementar: fez vários cursos em Direito, Ciência Política, Português e Oratória; 8. Congressos: participou de mais de uma dezena. Currículo: http://lattes.cnpq.br/9336960491802994

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Eduardo Almeida Pellerin. Direitos humanos e assistência jurídica: A problemática da crise de fundamentalidade dos direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3764, 21 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25555. Acesso em: 18 dez. 2024.

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