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O direito fundamental ao processo com duração razoável no âmbito Penal

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30/10/2013 às 16:17
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3. TUTELA DO DIREITO A UM PROCESSO SEM DILAÇÕES INDEVIDAS

A sanção adotada para o caso de violação do direito a um processo sem dilações indevidas depende, em grande parte, da corrente interpretativa a que se adere. Com efeito, os adeptos da corrente do não-prazo advogam, sobretudo, a adoção das soluções compensatórias e sancionatórias, ao passo que os adeptos da corrente do prazo fixo defendem a adoção de soluções processuais.

3.1. Soluções compensatórias

A solução compensatória pode ser de natureza civil ou penal. Na esfera civil, resolve-se com a indenização dos danos materiais e/ou morais produzidos, ainda que não tenha ocorrido prisão preventiva. Essa tem sido a solução adotada, sobretudo, pelos tribunais do direito internacional dos Direitos Humanos (Tribunal Europeu de Direitos Humanos e Corte Interamericana dos Direitos Humanos). Já a compensação penal – adotada pelos tribunais nacionais de cada país na medida em que as leis internas os autorizam – tem sido feita através de várias medidas, a saber: atenuação da pena, suspensão da pena ou prescindibilidade dela, graça ou indulto (PASTOR, 2005, p.216).

Segundo Pastor (2005, p.218), proveio de Alemanha a ideia, inspirada na jurisprudência do Tribunal Europeu de Direito Humanos, de que a violação do prazo razoável, no caso de ser comprovada, deve ser compensada no mesmo processo. Pastor (2005, p. 218) também assinala que, após algumas vacilações iniciais, assentou-se naquele país a doutrina segundo a qual a infração deveria ser considerada na determinação judicial da pena, pois a excessiva duração do processo, sofrida pelo imputado que resulta condenado, deve ser tomada como uma consequência negativa proveniente do Estado e que sofre o imputado a consequência do fato, de modo que diminui com isso proporcionalmente a reprovabilidade da culpabilidade.

Para estes casos se propõe, na medida em que o permitam os limites da lei, compensar a violação do prazo razoável com a redução da pena, inclusive ao mínimo, ou com a suspensão de sua execução ou até com sua prescindibilidade (PASTOR, 2005, p. 218).

Nada obstante, destaca Pastor (2005, p. 218) que a jurisprudência alemã segue sustentando, ainda que sem claridade nem precisão e com menos convicção, todavia, que, em casos excepcionais, a solução deve ser o sobrestamento do caso, e não faz muito tempo que a Alemanha restou condenada pelo Tribunal Europeu de Direito Humanos por violar preceito do prazo razoável, ainda que na sentença condenatória ditada contra o afetado se havia tomado em conta a situação no marco da culpabilidade reprovável e a redução consequente da pena, embora o referido tribunal havia visto com agrado esta solução compensatória pelos tribunais nacionais.

De acordo com Pastor (2005, p. 218-219) também na Espanha se aceita, por um lado, que a possível verificação de violação deste direito não se estabelece por mero descumprimento de um prazo, senão que isso se deduz da avaliação global da duração de um processo findo ou em vias de finalizações, e que, por outro, a compensação das dilações indevidas na pena é a consequência jurídica da violação.

Contudo, no que se refere ao estabelecimento de quem é que deve fazer a compensação, verifica-se a formação de duas correntes: uma corrente se inclina pela solução alemã de reparar a violação no âmbito da determinação judicial da pena por compensação da culpabilidade; a outra corrente, majoritária, inclina-se por não reconhecer efeitos judiciais à violação e remete a questão à graça ou indulto (PASTOR, 2005, p.219).

A Itália, seguindo o critério do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, também reconhece a necessidade de compensar os danos causados pela violação da regra do prazo razoável. Todavia, limitou-se a estabelecer, por lei, a obrigação de reclamar essa compensação, primeiro, ante o Estado Italiano, de forma a evitar mais condenações da Itália por parte do referido tribunal, em face de violação a esta garantia fundamental. Porém, já se defende que quem sofre violação deste direito não perde a condição de vítima ante o Tribunal Europeu de Direitos Humanos enquanto a infração não tenha sido completamente reparada, de modo que, se a compensação concedida pelo Estado Membro é insuficiente, o afetado pode reclamar a condenação do país a pagar a diferença perante o Tribunal de Estrasburgo (PASTOR, 2005, p.219-220).

No Brasil, a compensação penal poderia ser feita através da atenuação da pena ao final aplicada (aplicação da atenuante genérica do art. 66, CP) ou mesmo concessão de perdão judicial, nos casos em que é possível (por exemplo, art. 121, § 5º, art. 129, § 8º, do CP). Nesta última hipótese, a dilação excessiva do processo penal – uma consequência da infração – atingiu o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se tornou desnecessária. Também, havendo prisão cautelar, a detração penal (art. 42 do CP) é uma forma de compensação, embora insuficiente (LOPES JR., 2005, p.121).

Relativamente á sanção de natureza civil, na atual sistemática brasileira, não vemos nenhum  obstáculo em adotá-la, a qual poderia ser imposta ainda que não exista prisão cautelar. A valoração das consequências da dilação indevida pode ser considerada quando da quantificação da medida reparatória; deve-se advertir, porém, que a responsabilidade do Estado independe da demonstração dos danos efetivamente sofridos pelas partes, até porque estes são presumidos (LOPES JR., p.121).

3.2. Soluções processuais

Como afirmado antes, as soluções processuais são defendidas principalmente pelos adeptos da doutrina do prazo fixo e consistem, sobretudo, na adoção de impedimentos processuais, em razão da perda da legitimidade do Poder Penal do Estado ou no reconhecimento da nulidade do processo que se prolongou além do tempo razoável.

Sobre essa questão, é interessante ressaltar o posicionamento de Pastor (2005, p. 236):

El hecho de que un proceso haya alcanzado su plazo máximo de duración razonable debe ser tratado, tecnicamente, como un impedimento procesal, que es el medio a través del cual se hace efectiva, en un procedimiento concreto, la consecencia que se deriva de la violación de un regla de derecho limitadora del Poder Penal del Estado, con el fin de obstruir la continuación de un juicio que se ha tornado ilegítimo. Frente a esta infracción el proceso no puede seguir adelante y debe ser concluído de un modo anticipado y definitivo. Una correcta comprensión de la función de garantia judicial de los derechos fundamentales que tienes las estruturas procesales impone esa conclusión como la única adecuada a la situación.

Segundo Pastor (2005, p. 237), o regime processual das exceções ou artigos de prévio pronunciamento seria o veiculo processual adequado para fazer valer o impedimento processual da excessiva duração do processo penal em concreto. Observa ele que este sistema já é, de modo regular, o previsto para o delineamento efetivo dos demais supostos de impedimentos processuais (falta de jurisdição, falta competência, extinção da ação, litis pendentia, coisa julgada etc.).

Na opinião de Pastor (2005, p. 239), a forma que melhor convém à natureza desse tipo de impedimento é a aplicação analógica dos preceitos relativos à prescrição do fato, posto que, ainda que não sejam os mesmos, alguns aspectos e sobretudo seus efeitos são bastante similares, e com isso já se afastaria a objeção da falta de regulação expressa da questão, em face da possibilidade de interpretação analógica in bonam partem da exceção de prescrição do delito.

Pastor faz ainda uma severa crítica à solução compensatória, concebendo-a como incompatível com o princípio do Estado de Direito. Diz Pastor (2006, P. 247-248):

La solución por la compensación de la violación, defendida por la opinión dominante, es cuestionable por su posible incompatibilidad con el princípio del Estado de Derecho, sistema que muy dificilmente podría consentir que tras ser reconocida la violación de un derecho fundamental simplesmente se decida dejar inalterada la infracción y su resultado, la continuación del processo, y sólo estimar disminuindo el reproche necesario de la culpabilidade, en razión de la duración excesiva del enjuiciamiento. La solución compensatória falla, ante todo, porque para poder reacionar contra la violación deste derecho fundamental exige más violación, en el sentido de que, producida la superación del plazo razonable de duración del proceso, éste, sin embargo, tendrá que durar todavía – excesiva e ilegitimamente – todo lo que sea necesario hasta alcanzar por fin la sentencia definitiva, único momento en el que se le dará alguna relevancia jurídica a dicha lesión de derechos fundamentales.

No Brasil, não se vislumbra dificuldade em adotar essa solução, pois, ainda que o impedimento processual analisado não esteja disposto de modo expresso entre as exceções na legislação processual penal pátria, deve-se atentar, como bem observa Pastor (2005, p. 239), para o caráter aberto dos impedimentos processuais que habilitam seu tratamento, discussão e resolução pela via do procedimento das exceções processuais, as quais estão previstas necessariamente pela ordem constitucional e submetidas a um regime de numerus apertus.

Além disso, na esteira de Pastor (2005, p. 239), trata-se de impedir que as graves vulnerações do princípio do Estado Constitucional de Direito cometidas em um processo judicial, que implicam a desclassificação do processo como juízo justo ou leal, fiquem sem consequência somente porque a lei não menciona essa violação entre as exceções previstas.

Quanto à solução de nulidade do processo, verifica-se que esse tipo de sanção tem sido sustentada na Espanha e em alguns países europeus como solução para a violação do direito à duração razoável do processo. Tal solução parte do princípio de que tudo que é contrário à Constituição é nulo e por isso deve ser retirado da realidade jurídica (NICOLITT, 2006, p. 123).

Da mesma forma em que defendido acima, em que pese não haver dispositivo legal que indique a dilação indevida como causa de nulidade, tal óbice seria facilmente suplantado, vez que a nulidade teria fundamento na própria Constituição, dispensando assim qualquer outro dispositivo infraconstitucional.   

3.3.  Soluções Sancionatórias

A solução sancionatória consiste na responsabilização do servidor responsável pela dilação indevida e envolve a conduta tanto de serventuários da Justiça quanto de Juízes e membros do Ministério Público. Essa responsabilização poderia ocorrer tanto na esfera administrativa (disciplinar) quanto penal, desde que, evidentemente, a conduta constitua um delito.

Estas soluções não são adotadas com frequência pelos tribunais, tendo em vista que primeiro se recorre às soluções compensatórias, e somente em casos especiais se recorre ás chamada soluções sancionatórias (Pastor, 2005, p. 245).


CONCLUSÃO

A partir da abordagem que aqui se fez, pôde-se perceber que foi através de um longo percurso legislativo e jurisprudencial que os tribunais internacionais e nacionais assentaram as bases do que é até hoje e de modo praticamente universal a interpretação dominante acerca do significado jurídico da expressão prazo razoável.

Antes da Emenda Constitucional nº 45/2005 havia dúvida acerca da vigência desse direito fundamental no Brasil, dúvida esta que foi totalmente dissipada com a inclusão do inciso LXXVIII no rol das garantias fundamentais do art. 5º da Constituição vigente, o qual consagra expressamente referido direito entre nós.

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O direito ao processo sem dilações indevidas, embora se apresente como um corolário do devido processo legal, integrando o rol das garantias em que este se consubstancia, afigura-se autônomo em relação ao direito à tutela jurisdicional.

O grande dilema do processo penal moderno é equacionar o difícil equilíbrio entre a necessidade de garantir um processo penal sem dilações indevidas e a necessidade de assegurar o contraditório e a ampla defesa, pois só assim se logrará um processo penal justo.

Em torno da interpretação dogmática desse direito, duas correntes doutrinárias divergem quanto ao modo de determinação do prazo razoável para a duração do processo.

A doutrina do prazo fixo defende que prazo razoável deve ser entendido em seu sentido processual, ou seja, como lapso de tempo dentro do qual – e somente dentro do qual – um ato processual, um conjunto de atos processuais, uma etapa do procedimento ou todo processo podem ser realizados válida e eficazmente. Defende assim a necessidade de intervenção do legislador tanto para estabelecer limites temporais quanto para regular as consequências jurídicas para o caso de violação, por ser uma exigência do princípio do Estado Democrático de Direito.

A doutrina do não-prazo, à sua vez, entende que, antes de tudo, o prazo razoável não é um prazo em sentido processual penal, que deve ser previsto abstratamente pela lei, senão que se trata de uma pauta interpretativa aberta para estimar se a duração total de um processo foi ou não razoável, para o qual deve proceder-se caso a caso, uma vez finalizado e globalmente, tendo em conta a complexidade do caso, a gravidade dos fatos, as dificuldades probatórias, a atitude do imputado e o comportamento das autoridades encarregadas da persecução penal. Em matéria de consequência, afirma essa corrente que, uma vez comprovada a irrazoabilidade da duração, a violação do direito deve ser compensada desde o ponto de vista material, penal ou civil, ou dar lugar a sanções administrativas, penais ou disciplinares, ou, em alguns casos, as soluções processuais, como o sobrestamento do procedimento.

Ante esse quadro, o presente trabalho optou por aderir à corrente que advoga a desnecessidade de intervenção do legislador para fixar prazos máximos de duração do processo, à consideração de que, no Estado Democrático de Direito, o Juiz é o principal garantidor dos direitos fundamentais, sem embargo de que, diante da complexidade da sociedade moderna, o legislador possa não fazê-lo com êxito, dado sua atuação em abstrato.

Na doutrina estrangeira as soluções sugeridas para a violação ao direito na esfera penal e processual têm sido as mais variadas, a saber: atenuação da pena, suspensão ou prescindibilidade da pena, graça ou indulto, sanções de funcionários responsáveis pelos atrasos e, excepcionalmente, sanções processuais, com o consequente arquivamento do procedimento.

No Brasil, o problema dos efeitos penais da violação ao direito em exame poderia se resolver pela atenuação da pena ao final aplicada (aplicação da atenuante genérica do art. 66, CP), pela concessão do perdão judicial (art.121,§ 5º, art. 129, §5º, ambos do CP) ou pela detração penal (art. 42 do CP). As soluções processuais também poderiam ser adotadas, já que não há nenhuma incompatibilidade entre a legislação processual penal e o sistema dos impedimentos processuais ou das nulidades processuais. A sanção de natureza civil poderia ser adotada ainda que não exista prisão cautelar e independe da demonstração dos danos efetivamente sofridos pelas partes.

Por fim, pode-se dizer que o julgamento tempestivo de uma pessoa suspeita de cometer um delito, dentro de um prazo razoável, porém sem restrições das demais garantias fundamentais do imputado, permitirá evitar a perda de meios probatórios, poupar recursos financeiros estatais, hoje dilapidados em processos intermináveis, aumentar a capacidade de administração da justiça e, sobretudo, acalmar expectativas sociais, restabelecendo a paz jurídica.  

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Sobre o autor
Jose Domingos Rodrigues Lopes

Graduado em Direito pela Universidade de Brasília - UnB. Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade de Brasília - UnB. Procurador Federal (PGF/AGU) atuante no STJ e STF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Jose Domingos Rodrigues. O direito fundamental ao processo com duração razoável no âmbito Penal . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3773, 30 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25633. Acesso em: 25 abr. 2024.

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