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A proteção contratual do direito do consumidor:

Considerações gerais sobre contratos de adesão e disposições da Lei 8.078/1990

Resumo:


  • O Código de Defesa do Consumidor estabelece a proteção dos direitos dos consumidores em contratos de adesão, reconhecendo a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.

  • A legislação consumerista amplia o conceito de consumidor para incluir não apenas pessoas físicas, mas também jurídicas que utilizam produtos como destinatários finais, criando normas protetivas em contratos de massa.

  • Os contratos de adesão, por sua natureza padronizada, são alvo de regulamentação específica pela Lei 8078/1990, visando prevenir abusos e garantir a proteção dos consumidores mais vulneráveis nas relações contratuais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Os direitos e garantias fundamentais do consumidor têm no consagrado princípio constitucional da isonomia a sua viga mestra.

RESUMO: O presente trabalho tem o escopo de traçar, de forma breve, objetiva e direta, os aspectos de proteção contratual estatuídos pela Lei nº 8078, de 1990, bem como as características e implicações atinentes aos contratos de adesão.

Palavras-chave: Direito contratual. Relações de consumo. Contratos de adesão.


1 PROTEÇÃO CONTRATUAL DO DIREITO DO CONSUMIDOR E CONTRATOS PADRONIZADOS (STANDARDS)

O direito contratual, ao fundar-se no princípio da autonomia da vontade, estabelece um espectro amplo de realização do negócio jurídico a ser firmado entre as partes contratantes. Nesta seara, o Código de Defesa do Consumidor vai além da simples e razoável previsão da autonomia de vontades para alcançar o status de norma especial e ensejadora da  proteção dos direitos afetos às relações de consumo para além da razoável determinação autônoma de disposições favoráveis, trazendo fundamentos sistêmicos de grande relevância para a sociedade.

O artigo 4º da Lei 8.078/90 reconhece a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, estabelecendo axiomas que se transpõem para a defesa de direitos individuais, coletivos e difusos constitucionalmente previstos, a considerar a harmonização de interesses sob o comando constitucional do art. 170 da Constituição Federal de 1988, pelo qual é o direito do consumidor princípio fundante da própria ordem jurídico-econômica e constitucional posta.

Propugna o legislador ordinário pela ampliação do conceito de “consumidor”, a teor do art. 2º. do Código consumerista, para abranger todo o sujeito, aqui integrado não só pela pessoa física que adquira produtos, mas também por pessoas jurídicas que, de forma direta ou indireta, não só sejam adquirentes de produtos e serviços, mas fundamentalmente o utilizem como destinatários finais.

Tal perspectiva inaugura uma plêiade de regulações protetivas em matéria de contratos envolvendo relações de consumo, criando deveres e princípios que consubstanciam normas imperativas e que visam “moldar” o ordenamento jurídico, trazendo a noção de costumes, regras, princípios, leis e normativas que perfazem um todo dinâmico e especial no que tange à interpretação jurídica, e portanto de fundamental importância para o estudo hermenêutico.

Tome-se um exemplo: os contratos de adesão, os quais têm uma natureza sinalagmática, no entanto a desempenhar uma forma de tratativa pela qual o cidadão não ajusta as cláusulas avençadas pontuadamente, limitando-se a subscrever standards (modelos) contratuais, instrumentos de contratação que ensejam, por definição, na esfera das relações consumeristas, a atuação da jurisdição estatal  no âmbito das relações econômicas de proteção aos consumidores enquanto sujeitos mais “fracos” da relação contratual posta.

Faz-se míster o estabelecimento de requisitos formais e, portanto, estruturais, que de uma forma ou de outra previnam os abusos inerentes às contratações de massa, os denominados “contratos de massa”, como aqueles instrumentos “padronizados”, que hoje são objeto, inclusive, de regulamentação específica por parte da Lei 8078/1990, a compreender, exemplificativamente,  os  contratos de natureza bancária, aqueles afetos a redes de negócios em que se reproduzem e se oferecem cartões corporativos, os contratos em geral disponibilizados em lojas departamentais e de grande porte, abrangendo, ainda, os contratos de serviços propostos pelo Poder Público ao cidadão, que frequentemente extrapolam a necessária observância ao princípio da equidade e da boa-fé nas relações contratuais.[1]

Neste sentido, é de grande relevância o pensamento do jurista Orlando Gomes, que ao tratar sobre a criação de regras e normas para o resguardo da autonomia das relações e do respeito à justiça no âmbito dos contratos, aduz que:

[...] essas limitações gerais à liberdade de contratar, insertas nos códigos como exceções ao princípio da autonomia da vontade, jamais puderam ser definidas com rigorosa precisão. A dificuldade, senão a impossibilidade, de conceituá-las permite sua ampliação ou restrição conforme o pensamento dominante em cada época e em cada país, formado por idéias morais, políticas, filosóficas e religiosas. Condicionam-se, em síntese, à organização política e à infra-estrutura ideológica.[2]

Faz-se imprescindível não perder de vista as características elementares e deontológicas da sociedade de consumo enquanto tal, pelas quais o modo maciço e até agressivo de uso e gozo dos recursos da natureza com vistas à indústria, ao comércio e ao serviço, representa, em primeiro lugar, a premente necessidade de aprofundarmo-nos em questões protetivas e intervencionistas inseridas no ordenamento jurídico brasileiro com vistas à assunção da figura do consumidor enquanto subjetividade mais frágil no contexto das desigualdades econômicas, jamais deixando para um segundo plano a questão da liberdade econômica, que por derradeiro traz para a seara do direito a discussão sobre o próprio papel do Estado intervencionista, vez que é este o ator que recorrentemente traz falhas sistêmicas insuperáveis à realização do indivíduo enquanto sujeito das relações.

Tal se verifica, por exemplo, nos abusos ora mencionados em sede de contratos havidos entre os indivíduos e a Administração Pública, quando se tratam de serviços prestados diretamente pelo próprio Poder Público ou por meio de concessões e permissões à iniciativa privada (serviços de gás, energia elétrica, transportes coletivos, dentre outros).

Muitas vezes a própria prerrogativa do exercício de competências por parte do sujeito titular de direitos é o “fator” limitante, qual seja, aquele que “mina” as possibilidades de ingerência e autonomia dos consumidores no seio das relações econômico-privadas e no que tange aos fatores de consumo, quais sejam, o poder de compra, o poder de escolha, o poder de auto-determinação sobre a formação dos preços e sobre a disponibilidade de produtos e serviços.

Uma definição seria importante, neste ínterim, para além da concepção do direito como simples “sistema de normas”, as quais muitas vezes ou quase sempre encontram-se aquém das dinâmicas sociais, e portanto deve ampliar-se para além dos moldes historicamente paterno-patrimonialistas do Estado, para que não se criem riscos à liberdade econômica do cidadão, vez que a livre iniciativa é uma das prerrogativas elementares e de formação do sistema jurídico-constitucional nos moldes preconizados pelo Constituinte originário.


2 DISPOSIÇÕES PROTETIVAS E LEGISLATIVAS REFERENTES AOS DIREITOS DO CONSUMIDOR: ARTIGOS 46-50 DA LEI 8078/1990

A enumeração de aspectos protetivos relacionados às relações de consumo trazidos pela Lei 8.078/1990 é de grande importância para o entendimento sobre a necessária clareza proveniente de informações de fornecedores e consumidores tendo em vista produtos e serviços disponibilizados no mercado; aliás a melhoria do mercado de consumo depende estreitamente do afastamento de produtos maléficos à saúde, vez que a afetação transgeracional se dá no plano global, e deve, neste sentido, ser vista com reservas pelo operador do direito, ainda mais em se considerando o que dispõe o inciso IV do art. 4º. do estatuto consumerista, sobre o qual vale inquirir sobre a necessária abordagem sobre alguns aspectos contidos no Capítulo VI, atinentes à questão da proteção contratual em matéria de consumo.

A partir da leitura dos artigos 46 a 50 observam-se várias medidas protetivas insculpidas pelo legislador, dentre elas a regra sobre a qual os contratos devem oportunizar um conhecimento amplo, por parte do consumidor, sobre as suas condições de fruição e gozo, sejam dos direitos que dos bens; tanto produtos como serviços ofertados, pois devem estar claramente evidenciados pelo ofertante, mas não só evidenciados, porquanto deve-se realmente oportunizar a tomada de consciência por parte daquele que compra ou contrata um serviço, para atribuir-se-lhe uma ciência prévia quanto ao conteúdo, à origem, à adequação relacionada às normas de controle e vigilância sanitária, bem assim à sua compatibilidade biológica e técnica.

Ora, trata-se de uma plêiade de institutos de proteção para o consumidor, e que por ora resgatam, evidentemente, a sua necessária postulação no âmbito de  responsabilidades na conformação das relações de consumo juridicizáveis.

Por outro lado, o que não corresponde idealmente ao plano de eficácia da norma, traz para o plano da vida o problema da inadequações das formas, inclusive no que tange ao seu conteúdo axiológico e jusnormativo, transpondo para o mundo real o problema da própria compreensão por parte das pessoas ou cidadãos sobre aquilo que realmente estão consumindo e aquilo que poderiam consumir caso fossem observadas a bio-compatibilidade e a segurança de produtos e serviços ofertados no mercado.

Portanto, ao obstar o processo de compreensão das pessoas ou cidadãos menos esclarecidos, exsurge para o consumidor o direito à reparação civil, porquanto tratam-se de danos sancionáveis e que, por sua vez, trazem para o plano jurisdicional e axiológico-sistêmico a questão da imperatividade da responsabilização de fornecedores de produtos e serviços no que se refere à composição de danos, sejam estes de  ordem física ou moral.

As cláusulas contratuais, neste ímpeto informacional, sempre serão interpretadas de modo mais favorável ao consumidor, a considerar ainda que, no que tange à judicialização dos direitos, as relações de consumo no Brasil refletem uma realidade na qual o magistrado tem o poder-dever de autorizar a inversão do ônus probatório sempre que observam-se práticas ou omissões abusivas sobre as quais as partes litigam, bem assim no caso de relações de consumo eivadas de vício de nulidade ou anuláveis por definição legal, e que portanto representam esferas mutuamente reflexivas do ponto de vista da legalidade.

Insta destacar, neste ponto, que as declarações de vontade pré-contratuais, os escritos particulares e os recibos em geral, assim como os próprios contratos de adesão, vez que firmados entre particulares no intuito de constituir obrigações mútuas, obrigam os fornecedores nos seus termos, bem assim o consumidor em seus termos, e para além dos termos postos, vez que a abusividade descaracteriza de imediato uma cláusula qualquer objeto da avença, ou até o seu conteúdo todo, ensejando, neste caso, a anulação ou desfazimento do negócio, inclusive com a geração de prerrogativas processuais civis executórias sobre matéria específica, a teor do que dispõe o art. 84 e parágrafos subsequentes do CDC.

Neste âmbito, o consumidor pode desistir de um eventual contrato no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do recebimento do produto (cláusula de reflexão), fundamentalmente em hipóteses nas quais a contratação ocorre fora do estabelecimento comercial, em especial por telefone ou a domicílio, devendo valores pagos antecipadamente serem restituídos em sua integralidade e monetariamente atualizados.

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É neste sentido o artigo 84 do CDC, o qual estipula que “Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.”

Por fim, a garantia contratual será sempre complementar à legal e conferida mediante termo escrito. Tal é o aspecto fundante das normas de consumo, que visam, portanto, equanimizar as relações de consumo, a estabelecer formas de tutela e garantia em caráter individual, coletivo e difuso.

Tal previsão de ordem legal visa manter ainda certos “parâmetros” para a garantia, vez que há que se tratar sobre a questão da condição, do prazo e bem assim sobre o lugar em que estas garantias podem ser justicializadas, a considerar o ônus único e exclusivo do consumidor no que tange ao caráter privatístico das avenças, a informar o direito civil os seus elementos institucionais fundantes.

É como um manual de instrução, instalação e uso de produto em linguagem didática, com ilustrações. O caráter “didático”, neste sentido, será tratado em seu aspecto especialístico, a considerar cada caso em suas especificidades, em suas relações de causa e efeito, e por definição, em sua correlação com a principiologia fundante da ordem econômica, qual seja, a livre iniciativa e a liberdade econômica, esta entendida em sua acepção ampla, capaz de informar o direito constitucional em seus aspectos deontológicos e sistêmicos.

Com efeito, os melhores argumentos doutrinários e jurisprudenciais na seara jurídica dos direitos fundamentais do consumidor se alinham à indispensabilidade da atuação do Estado na sua garantia tutelar. Nesse sentido Cláudia Lima Marques afirma que “em outras palavras, a Constituição Federal de 1988 é a garantia institucional da existência e efetividade do direito do consumidor no Brasil.[3]

Neste viés, nada mais oportuno que ratificar o fato de que os direitos e garantias fundamentais do consumidor têm no consagrado princípio constitucional da isonomia a sua viga mestra; afinal, seguindo as palavras de Luiz Guilherme Marinoni, “o direito à igualdade perante o Estado Constitucional é pressuposto de toda e qualquer concepção jurídica de Estado.[4]


BIBLIOGRAFIA

GOMES, Orlando. Contratos. Rio de janeiro, Forense, 1998.

MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2ª  tiragem, 2012.

MARQUES, Cláudia Lima et al. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 4ª ed. , 2012.


Notas

[1] “A liberdade de contratar, propriamente dita, jamais foi ilimitada. Duas limitações de caráter geral sempre confinaram-na: a ordem pública e os bons costumes. Entendia-se, como ainda se pensa, que as pessoas podem auto-regular seus interesses pelo modo que lhes convenha, contando que não transponham estes limites.”

In: GOMES, Orlando. Contratos. Rio de janeiro, Forense, 1998, pág. 24.

[2] Ibidem, p. 24

[3] MARQUES, Cláudia Lima et al. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 4ª ed. , 2012, p. 33.

[4] MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2ª  tiragem, 2012, p. 639.

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Sobre os autores
Elza Carolina Davi de Oliveira Martini

Advogada e Educadora. Graduada em direito pelo Instituto de Educação Superior de Brasília.

Victor Delson Martins Costa

Advogado. Graduado em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-graduado em direito constitucional e direito empresarial.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINI, Elza Carolina Davi Oliveira ; COSTA, Victor Delson Martins. A proteção contratual do direito do consumidor:: Considerações gerais sobre contratos de adesão e disposições da Lei 8.078/1990. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3778, 4 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25685. Acesso em: 22 dez. 2024.

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