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Testemunhas: Possibilidade de substituição após a Lei nº 11.719/08

16/11/2013 às 10:15
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Análise a respeito da omissão legislativa havida após a vigência da Lei nº 11.719/08 sobre substituição de testemunhas, no âmbito processual-penal. Conclui-se pela possibilidade da permuta.

A Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, fruto do trabalho da comissão formada por Ada Pellegrini Grinover, Petrônio Calmon Filho, Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes, Luiz Flávio Gomes, Miguel Reale Júnior, Nilzardo Carneiro Leão, René Ariel Dotti, Rogério Lauria Tucci e Sidnei Benetti trouxe substanciais modificações a determinados dispositivos do Código de Processo Penal, sobretudo no que concerne aos procedimentos.

Os artigos 397 e 405, do Código de Processo Penal, que cuidavam da matéria relacionada com a substituição de testemunhas, foram alterados e deixaram de tratar especificamente do assunto.

Em outras palavras, o Código de Processo Penal não mais possui regramento destinado a reger a substituição de pessoas a serem inquiridas em juízo.

Daí emerge a questão: Após o advento da Lei nº 11.719/08 é possível operar a permuta de testemunhas não localizadas, como anteriormente previsto nos artigos 397 e 405, do Código de Processo Penal?

E a resposta só pode ser positiva.

Malgrado a omissão legislativa, que, ao contrário de representar um silêncio propositado do legislador, só reforça a lamentável carência de uma política pública criminal e causa estragos irreparáveis no cenário jurídico nacional, a substituição de testemunhas, não localizadas, não tem como ser considerada expungida no sistema processual penal.

Cediço é que, como corolário dos princípios do contraditório e do acesso à justiça, a parte tem direito constitucional à prova, na medida em que não se pode talhar da acusação ou da defesa o exercício legítimo de influenciar, por intermédio do substrato probatório, o convencimento do juiz para a entrega de uma prestação jurisdicional efetiva e justa.

Noutros dizeres, embora não absoluto, a parte tem o direito de produzir prova em juízo, de participar de sua elaboração e, igualmente, o de se manifestar acerca do conteúdo probante, com vistas a demonstrar as alegações dos fatos feitas como fundamento da acusação e da defesa, alvitrando animar, legitimamente, a decisão judicial.

Se assim é, sendo o testemunho a forma mais antiga e importante de se obterem elementos para o juízo sobre os fatos no processo penal e tendo o magistrado a possibilidade de convocar, de ofício, testemunhas que considere relevantes para a busca da verdade real, não há negar às partes o direito de substituição de testemunhas não encontradas.

Ressalve-se, a propósito, que a substituição deve estar condicionada à existência das pessoas arroladas tempestivamente e à inexistência de intuito meramente procrastinatório para a realização do ato.

Ada Pelegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, em considerações gerais sobre tal modalidade de prova, ensinam que a “...testemunhal, de relevante importância na área criminal, será produzida em decorrência de pedido das partes ou mediante ato de ofício do juiz: com efeito, o magistrado pode, além das arroladas pelas partes, ouvir outras testemunhas (art. 209 do CPP). Por força dos princípios constitucionais do devido processo legal e do contraditório, deve ser assegurado à acusação e à defesa o direito de produzir no processo prova testemunhal, direito esse que se concretiza na manifestação de diversas faculdades: de arrolar testemunhas, substituí-las ou delas desistir, com a garantia de que serão tomadas providências para a inquirição das pessoas indicadas, e, sobretudo, de participar efetivamente da audiência em que a prova testemunha será produzida. A ofensa ao direito à prova das partes em qualquer uma de suas expressões concretas poderá redundar em nulidade”.[1]

Ora, a análise da quaestio deve partir do ideário constitucional, no qual é ínsito o espírito garantista, consagrador do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

O que se quer dizer é que não se pode perder de vista, em matéria de hermenêutica constitucional, que a exegese não atua de baixo para cima, mas com escalonamento, progressivo, de cima para baixo, compreendendo todos os ditames constitucionais para, a partir daí, extrair o efetivo significado da lei.

Oportuno lembrar, a respeito, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), ratificada pelo Brasil pelo Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992.

A referida convenção dispõe, no seu artigo 8º, item 2, que “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: (c) concessão ao acusado de tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa; (f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos;”

A doutrina e a jurisprudência não destoam de tal entendimento.

Andrey Borges de Mendonça, comentando a lacuna do novo texto legal, preleciona que “mesmo diante da omissão, entendemos que, em princípio, há possibilidade de substituição da testemunha não encontrada”. No entanto, adverte o autor que “não será automática a sua substituição. Deverá o juiz analisar a relevância e pertinência da medida, bem como se não se trata de medida protelatória, para decidir se é ou não o caso de admitir a substituição...”.[2]

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Ada Pelegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, a respeito das alterações produzidas pelas Leis nºs 11.689/2008 e 11.719/2008, comentam que “...não se pode suprimir o direito da parte de se pronunciar sobre testemunha não localizada e poder substituí-la, pois se trata de expressão do direito constitucional à prova. Assim, faltando a testemunha porque não encontrada, tendo a parte solicitado sua intimação, deve ter a oportunidade de se expressar a respeito, substituindo-a desde logo ou requerendo prazo para se manifestar. Caso a audiência prossiga, sem que a parte tenha tido oportunidade de  se pronunciar sobre a testemunha não localizada, haverá nulidade”.[3]

O Pleno do Excelso Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do AP 470-AgR-segundo/MG,[4] já teve oportunidade de se manifestar quanto ao tema aqui discutido e, considerando aplicável à hipótese o disposto no artigo 408, do Código de Processo Civil, nos termos em que o admite o artigo 3º, do Código de Processo Penal, anotou a possibilidade da substituição de testemunha não localizada, ementando:

“AÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. SUBSTITUIÇÃO DE TESTEMUNHA. NOVA REDAÇÃO DO ART. 397 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. REFORMA PROCESSUAL PENAL. SILÊNCIO ELOQÜENTE. INOCORRÊNCIA. ANÁLISE TELEOLÓGICA DO PROCESSO. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. POSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE FRAUDE AO MOMENTO PROCESSUAL PARA O ARROLAMENTO DE TESTEMUNHA. IMPROCEDÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A recente Reforma Processual Penal alterou capítulos inteiros e inúmeros dispositivos do Código de Processo Penal. No contexto dessa reforma, a Lei n° 11.719/2008 deu nova redação a inúmeros artigos e revogou diretamente outros. Dentre os dispositivos cujo texto foi alterado, encontra-se o art. 397, que previa a possibilidade de o juiz deferir a substituição de testemunha que não fosse localizada. 2. A ausência de previsão específica do Código de Processo Penal acerca do direito à substituição não pode ser interpretada como ‘silêncio eloqüente’ do legislador. A busca por um provimento jurisdicional final justo e legítimo não pode ser fulminado pelo legislador, sob pena de o processo não alcançar sua finalidade de pacificação da lide. 3. A prova testemunhal é uma das mais relevantes no processo penal. Por esta razão, o juiz pode convocar, de ofício, testemunhas que considere importantes para a formação do seu convencimento. Daí porque não se pode usurpar o direito da parte de, na eventualidade de não ser localizada uma das testemunhas que arrolou para comprovar suas alegações, substituí-la por outra que considere apta a colaborar com a instrução. 4. É inadmissível a interpretação de que a ‘vontade do legislador’, na Reforma Processual Penal, seria no sentido de impedir quaisquer substituições de testemunhas no curso da instrução, mesmo quando não localizada a que fora originalmente arrolada. Tal interpretação inviabilizaria uma prestação jurisdicional efetiva e justa, mais próxima possível da ‘verdade material’. 5. Perfeitamente aplicável, à espécie, o art. 408, III, do Código de Processo Civil, tendo em vista que a testemunha substituída não foi localizada em razão de mudança de endereço. 6. O fato de a testemunha arrolada em substituição ser conhecida desde a época do oferecimento da denúncia não impede seu aproveitamento, quando houver oportunidade legal para tanto. 7. No caso, não é possível vislumbrar fraude processual ou preclusão temporal para o arrolamento da testemunha substituta, tendo em vista que a testemunha que não foi encontrada existe e prestou depoimento na fase policial. Sua não localização no curso da instrução abre a possibilidade legal de sua substituição. 8. Agravo regimental desprovido.”

O eminente Relator do referido Agravo Regimental, Ministro Joaquim Barbosa, hoje Presidente do Excelso Supremo Tribunal Federal, assentou no respectivo voto que a busca da verdade material, “...sempre balizada por princípios e garantias constitucionais fundamentais e à parte as polêmicas conceituais, não pode ser fulminada pelo legislador, sob pena de tornar ilegítima a decisão judicial final, por sua completa distorção em relação à realidade fática”.

Por conseguinte, externado pedido de substituição referente a testemunhas arroladas tempestivamente, e não havendo notícia da inexistência de tais pessoas ou do caráter prorrogativo do requerimento, inarredável assegurar à parte o direito de substituir testemunhas não encontradas, em prestígio aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.


Notas

[1] “As nulidades no processo penal”, Ed. RT, 12ª edição, 2011, pág. 148.

[2] “Nova reforma do Código de Processo Penal: comentada artigo por artigo”, Ed. Método, 2ª edição, 2009, pág. 290.

[3] “As nulidades no processo penal”, Ed. RT, 12ª edição, 2011, pág. 149.

[4] Tribunal Pleno, AP 470 AgR-segundo, Rel.  Min. Joaquim Barbosa, julgado em 23.10.2008, DJe-079 DIVULG 29-04-2009 PUBLIC 30-04-2009 EMENT VOL-02358-01 PP-00001 RTJ VOL-00210-03 PP-01061 REVJMG v. 59, n. 187, 2008, p. 338-342.

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Sobre o autor
Diogo Alexandre Restani

Assistente Jurídico. Especialista em Direito Penal, pós-graduado pela EPM

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RESTANI, Diogo Alexandre. Testemunhas: Possibilidade de substituição após a Lei nº 11.719/08. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3790, 16 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25843. Acesso em: 21 nov. 2024.

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