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Seleção à magistratura

23/12/1998 às 00:00
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A crescente necessidade de aparelhamento do Poder Judiciário, a busca de uma melhor prestação jurisdicional, o pequeno percentual de juízes por habitantes existente no Brasil (se comparado com o de vários outros países), aliados, ainda, à corrida fugaz de vários Magistrados à inatividade, tendo em vista as iminentes mudanças na previdência social e no sistema de aposentadoria, merecidamente diferenciado que gozam os Juízes, vêm proporcionando a realização de concursos públicos de provas e títulos em muitos Estados da federação, como também, aqui no Maranhão.

Qual não seria o alerta, se o modelo delineado e adotado pela nossa Carta Política para a seleção de membros à Magistratura fosse realmente o melhor, mais justo e eficaz. O espírito consignado na norma prevista no artigo 93, I, da Constituição Federal é sem dúvida o de proporcionar meios de acesso à judicatura de forma igualitária e equânime.

Ocorre porém, e o cotidiano está a nos mostrar, que alguns de nossos juízes não fazem jus à magnanimidade desse cargo. São, é claro, exceções, mais que, ao invés de simplesmente confirmar a regra, têm o condão de macular algo que só se admite próximo da perfeição (visto que só Deus a detém em sua plenitude), ou seja, a própria justiça.

E tal é a importância da justiça em um Estado de Direito, que no Judiciário encontra-se o ponto de equilíbrio (ou de desequilíbrio) de todo um sistema social-estatal.

Entendemos que o momento é propício ao debate. Bradam pedidos de "reforma do judiciário" e, no entanto, esquecem daquilo que sem dúvida, se nos afigura mais importante do que temas como controle externo, efeito vinculante, etc., que é a preparação do ser-humano, ou seja, do próprio Juiz. A este incumbe por em prática os ideais de justiça, de "dar a cada um o que é seu".

Longe de querer desmerecer os respeitáveis colegas que conseguem lograr êxito nos concursos que se efetivam aqui e alhures, ao contrário, parabenizamo-lhes, pois, na maioria das vezes conseguem vencer em certames que, ao invés de avaliar os candidatos (e aqui se fala de avaliação de verdade, ou seja, daquela que além de aferir os conhecimentos jurídicos, procura reconhecer o perfil moral e psicológico compatíveis com a responsabilidade da magistratura), buscam a todo custo afastar a possibilidade de êxito da maioria.

Mesmo todos sabendo que "em direito nem sempre dois mais dois são quatro", quão difícil é escapar dos capciosos questionamentos e do subjetivismo (Teoria segundo a qual os julgamentos estéticos exprimem apenas gostos individuais - Aurélio) exacerbado dos examinadores.

Antes de ser um desabafo, é este um grito de alerta. Urge a necessidade de implementarmos os meios de acesso à judicatura e, neste mister, entendemos serem as Escolas Superiores da Magistratura, espalhadas Brasil afora, fator de essencial importância nessa mudança. A esses órgãos deve caber a responsabilidade pela preparação e seleção dos pretensos juízes, não sendo, pois, o modelo das atuais Escolas Superiores, salvo raríssimas exceções, o mais apropriado para tal função.

Acompanhamos, portanto, entendimento placitado por insígnes juristas segundo o qual, dentre as diversas possibilidades de acesso à Magistratura, a que parece mais propícia é adaptar-se o modelo vigente no sentido de que o ingresso na carreira, com as conseqüentes ampliações dos poderes judicantes, apenas ocorresse com a aprovação do candidato pela respectiva Escola da Magistratura, decorrido período em que, aprovado em concurso público de provas e títulos, seria apenas o aluno designado como Pretor, podendo receber funções judicantes menores como assistir os Juízes nas audiências, realizar as conciliatórias, colaborar com os despachos, e assumir funções maiores nos Juizados Especiais, adquirindo, assim, com o convívio, a experiência necessária, ao mesmo tempo em que confirma a necessária vocação para a Magistratura.

Aprovado, contudo, tal qual os escolhidos para os Tribunais, dos quais supõe-se haver a necessária experiência forense, o vitaliciamento seria efetivado com a posse, sem se aguardar novos decursos de tempo em que apenas perdura a sujeição do agora Magistrado à vontade do Tribunal a que vinculado, desvirtuando às vezes indevidamente tal conceito para o de subordinação daquele a este, na perda inequívoca, assim, da esperada independência do Juiz.

Com tal modelo, o candidato apenas se sujeitaria às suas capacidades e à sua conduta, num exame escorreito de suas qualidades por uma verdadeira Escola da Magistratura, e não mais em meras sessões reservadas dos Tribunais. Assim, o concurso público seria não mais para a Magistratura, mas para o ingresso na Escola da Magistratura, e a aprovação por esta habilitaria ao ingresso na Magistratura plena, inclusive com o vitaliciamento a partir da posse, como ocorre nos Tribunais, em que os critérios de experiência são apurados com base em critérios objetivos de idade e/ou tempo de carreira ou atividade profissional.

Àqueles que, como nós, realmente, têm a magistratura como meta, como ideal de vida, como vocação e que ainda não conseguiram lograr êxito nos controvertidos concursos públicos, vale lembrar edificante lição de Rui Barbosa: "se a sociedade não pode igualar os que a natureza criou desiguais, cada um, nos limites da sua energia moral, pode reagir sobre as desigualdades nativas, pela educação, atividade e perseverança." Todas as deficiências, que a atividade sã pode superar, são vencidas ou reduzidas pelo esforço ordenado de cada dia.

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Parafraseando a célebre resposta dada por um moleiro prussiano à Frederico II, o Grande: "Ainda há quem queira ser juiz em Berlim."

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Sobre o autor
Marcelo Silva Moreira

assessor jurídico do Tribunal de Justiça do Maranhão, professor universitário, pós-graduando em Direito Civil e Processual Civil pela FGV

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Marcelo Silva. Seleção à magistratura. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/260. Acesso em: 26 abr. 2024.

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