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Trabalho educativo:

efetividade de direitos sociais ou exploração de mão de obra de baixo custo

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04/12/2013 às 15:44
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Não se pode afirmar que a melhor alternativa para os jovens de baixa renda seja a iniciação profissional precoce, todavia, também não é adequado olvidar a real situação de abandono que se encontram diversos adolescentes.

Resumo: O Trabalho Educativo é um instituto encetado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente o qual possui pouca publicidade e aplicabilidade no cenário produtivo brasileiro. Esta forma de inserção de jovens no mercado de trabalho visa primordialmente o desenvolvimento pessoal e humano destes educandos, acoplado a sua profissionalização. Assim, frente aos inúmeros exemplos favoráveis e contrários ao trabalho educativo discute-se se este instituto poderia realmente alcançar os fins desejados como postos nos dispositivos legais. Controvertidas são as opiniões, todavia, não se negando as dificuldades na implementação de um programa que verdadeiramente consiga alcançar tal finalidade, demonstrar-se-á alguns exemplos do trabalho educativo que estão nos liames desejados pelas Convenções Internacionais, Estatuto da Criança e do Adolescente e pela Constituição Federal de 1988, o que pode representar uma efetivação de direitos sociais.

Palavras-Chave: Trabalho Educativo – Direitos Sociais – Estatuto da Criança e do Adolescente - Efetividade


1  INTRODUÇÃO

A Carta Magna de 1988 inovou ao trazer para o Brasil a doutrina internacional de proteção integral às crianças e aos adolescentes. Teoria a qual está alicerçada, jurídica e socialmente, na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989. (OLIVEIRA, 2009, p. 156)

Baseada na condição peculiar de pessoas em desenvolvimento as quais necessitam que lhes seja garantido proteção integral, esta doutrina defende os direitos próprios e essências dos menores.

Assim, elencam os artigos 7º, inciso XXXIII, art. 227 da CF/88, a Lei 8.690/90 e o Decreto Lei n. 6.481/2008 uma gama de proteção especialmente destinada às crianças e adolescentes.

Por outro lado, regula também o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.690) as possibilidades de inserção dos menores no mercado de trabalho.

Uma destas formas é a descrita pelo artigo 68 do referido diploma, o qual é intitulado “Trabalho Educativo”, representado pela associação entre a educação e o trabalho, na qual prevalece à primeira.

 Nestes termos, depreende-se que o trabalho educativo visa à concretização da proteção integral principalmente aos jovens de baixa renda os quais, talvez, não teriam outra forma mais adequada de se profissionalizar que não seja pela junção entre a educação social, moral e a profissionalização, via programas sociais.


 2  DIREITOS SOCIAIS AFETOS AOS ADOLESCENTES

A Constituição Federal determina, nos termos do artigo 227, que a responsabilidade por assegurar a criança e ao adolescente seus direitos é da Família, da Sociedade e do Estado.

Assim, lhes são garantidos os direitos á vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Da mesma forma, estabelece o texto do referido artigo à proteção contra qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência e crueldade.

Nestes termos, vale ainda lembrar que a Carta Magna, em seu art. 7, XXXIII veda a realização de trabalho noturno, insalubre ou perigoso, bem como o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu art.68, II, proíbe o trabalho penoso e pernicioso à saúde do adolescente.

Seguindo ainda tal orientação e nos termos da Convenção n.182, foi aprovado no Brasil o Decreto n. 6.481, de 12 de junho de 2008, o qual listou as Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP) indicando os prováveis riscos ocupacionais e possíveis danos à saúde em diversos ramos de atividade. (BRASIL, Decreto Lei 6.481, 2008)

 Com destaque ao adolescente trabalhador continua o texto Constitucional garantindo-lhes acesso à escola; aos direitos previdenciários e trabalhistas e a idade mínima de 16 anos para admissão ao trabalho, salvo como aprendiz a partir dos 14 anos.

Quanto ao instituto da idade mínima para o trabalho vale recordar que:

O texto constitucional na redação primitiva do inc. XXXIII do art. 7 permitia a aprendizagem abaixo dos 14 anos deixando para o legislador discipliná-la. O art. 62, do ECA pretendeu preencher a lacuna criando a figura da bolsa de aprendizagem entre 12 e 14 anos ficando a cargo de um Decreto regulamentar explicitar seu conteúdo. Muito se escreveu sobre a bolsa de aprendizagem que não correspondia à aprendizagem empresária a partir dos 14 anos; indagava-se sobre possibilidade da parte prática ser exercida em empresas. Não paira dúvida que o artigo 64 em sua redação original não foi recebido pelo texto constitucional atual. Ex abundantia é oportuno lembrar que o art. 6 da ratificada Convenção n. 138 proíbe aprendizagem com idade inferior a 14 anos em empresas – Lei de Aplicação das Normas Jurídicas (impropriamente denominada Lei de Introdução ao Código Civil) (OLIVEIRA, 2009, p.156). 

Ainda segundo Amauri Mascaro do Nascimento, a utilização da expressão “qualquer trabalho” previsto no texto Constitucional é de grande relevância e significado, pois:

Ao proibir qualquer trabalho para o menor de 14 anos de idade e admitir uma exceção, a de aprendiz, a Constituição veda não só relação de emprego como ainda outras relações de trabalho. Logo, também, o trabalho eventual temporário, a pequena empreitada, o trabalho avulso e, se for o caso, o trabalho autônomo – são proibidos para o menor de 14 anos de idade, bem como, não só as atividades urbanas, mas também as rurais. (NASCIMENTO, 2009, P. 223)

Assim, notável se faz a teoria da proteção integral, adotada pela Constituição Federal, baseando-se em direitos próprios e especiais das crianças e adolescentes que, na condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, precisam de proteção integral, especializada e diferenciada. (FERNANDES, 2001, p.102)

Nestes termos, dentro do sistema de proteção à criança e ao adolescente, além da proibição à certas formas de trabalho, temos também, o direito destes jovens ao ingresso no mercado de trabalho.

Segundo o já citado artigo 227 da Constituição Federal de 1988 a “profissionalização de adolescente” é também um direito que dever ser garantido com absoluta prioridade. Assim, o texto constitucional sinaliza tal importância, possibilitando que a partir dos 14 anos o adolescente possa iniciar sua profissionalização, via aprendizagem.(OLIVEIRA, 2009, p. 156)

Isto porque, com um mercado de trabalho cada vez mais competitivo a profissionalização do adolescente vai ao encontro das exigências de tal realidade, a qual revela um contingente de jovens que não conseguem uma oportunidade de emprego, muita vezes por falta de qualificação.

Portanto, a exclusão do mercado de trabalho revela-se como uma ofensa a cidadania e aos direitos e garantias fundamentais, haja vista que o art. 5, XIII, resguarda a todos o trabalho livre.

Nestes termos, elucida Pedro Demo que “por sermos cidadãos, temos direito ao trabalho”, nos seguintes:

A visão política do trabalho é uma exigência da cidadania. Por isto dizemos que é derivado dela. Por sermos cidadãos, temos o direito ao trabalho. Por ser direito, está definitivamente ligado à realização da dignidade e da decência social. Não quer dizer secundarização porque o cidadão que não trabalha é parasita, ou seja, não é cidadão. No entanto, é muito diferente enfocar o trabalho como componente da cidadania, ou como exclusiva realização profissional. A educação tem a ver essencialmente com a primeira visão. Engloba a segunda, como decorrência, e será sempre um dos frutos da dignidade profissional. É função, pois, do processo produtivo, mesmo quando chamado a profissionalizar, não relegar a cidadania a segundo plano. (DEMO, 1985, p. 67)

Direcionado por tal orientação o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.690/ 1990, em seu art. 68, disciplina o instituto do Trabalho Educativo, o qual tem os fins sociais abaixo elucidados.

O trabalho para ser educativo é aquele em que a dimensão produtiva será subordinada à dimensão formativa. Isto quer dizer que, neste tipo de trabalho o produto mais importante é o trabalhador consciente de seu papel de agente da sua história e da história da classe social e do povo-nação a que pertence. Neste sentido, o trabalhado para ser educativo tem, necessariamente, de ser um trabalho desalienado. Acreditamos que, pela vivencia concreta de formas desaliendas de trabalho o educando poderá ascender à condição de membro consciente da classe trabalhadora, empenhado na luta pela sua emancipação e comprometido com a sua superior destinação histórica. (COSTA, 1988, p.5)

Assim, o instituto do trabalho educativo disposto no ECA tem como uma de suas finalidades a efetivação de direitos fundamentais.

Escopo este que será analisado no tocante ao alcance da sua finalidade pelas singelas elucidações do presente estudo.


3  TRABALHO EDUCATIVO: DELIMITAÇÃO

O Trabalho Educativo definido pelo art. 68 da Lei 8.069/90 trata-se de um programa social que tem por base assegurar ao adolescente, que dele participa, condições para a realização de atividade regular remunerada aliada a uma formação educacional e moral.

Nestes termos, é educativo o trabalho em que há exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do educando, as quais prevaleçam sobre o aspecto produtivo; que possibilite condições de capacitação para o exercício de atividade remunerada;  que resulte produção e que ocorra a remuneração pelo trabalho. (OVILEIRA, 2009, p. 222)

Assim, define Oris de Oliveira (2009) que o trabalho educativo:

Não uma atividade laborativa qualquer, mas a que se insere em projeto pedagógico que vise ao desenvolvimento pessoal e social do educando. Portanto o ritmo, desenrolar das atividades deverá ser ditado, sob pena de inversão de meios e fins, por um programa preestabelecido. Não uma produção qualquer, mas aquela cujo produto possa ser vendido dentro das exigências de qualidade e competitividade. Uma produção, pois, que implique custo e benefícios, capaz de remunerar quem a executa.(OLIVEIRA, 2009, p. 222)

Portanto, frise-se que apesar da prevalência do aspecto de desenvolvimento pessoal e social do educando em relação ao âmbito produtivo, este, todavia, não deixa de ser importante, porque é na sua realização que o jovem irá praticar as lições e orientações auferidas, as quais irão lhe proporcionar preparação para a inserção no mercado de trabalho.

Observa-se, todavia, que as empresas que recebem o Menor para a execução deste tipo de “trabalho” não tem autonomia para dar-lhe qualquer atividade, ou exercer completamente seu poder diretivo sobre a força de trabalho do jovem. Outrossim, devem cumprir o programa de formação do mesmo elaborado pela entidade educacional, a qual pode ser uma empresa, uma instituição não governamental ou outra entidade. (BRASIL, Lei nº 8.069, 1990)

Nestes termos há alguns exemplos de trabalho educativo, tais como o contrato de aprendizagem; o estágio curricular ou profissionalizante; o inserido programa de pré-aprendizagem; o realizado em cooperativa-escola; o efetuado em escola-produção e o inserido em processo de reciclagem ou requalificação profissional. (OLIVEIRA, 2009, p.227)

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Com efeito, as modalidades apontadas se descaracterizam se os trabalhos nelas realizados não forem educativos, o que passa a representar apenas a exploração de mão de obra jovem sem qualquer finalidade social, educativa ou moral.


4  EXPLORAÇÃO DE MÃO DE OBRA JOVEM: APRENDIZ E ESTÁGIO

O trabalho educativo nos termos acima descritos é aquele que promove a junção entre escola e labor na medida certa, porém, prevalecendo o aspecto educativo a fim de que não apenas o crescimento profissional seja completo, mas também que promova no educando o desenvolvimento dos aspectos morais e sociais.

Neste sentido, o trabalho educativo não esta adstrito a uma única e exclusiva modalidade de labor, mas pode ser encontrada em algumas formas de contratação de adolescente já acima citadas, das quais iremos ora nos ater a aprendizagem e estágio.  Assim,

É uma interpretação restritiva e injustificável deduzir que o art. 68 do ECA tenha explícita ou implicitamente criado uma, apenas uma modalidade de trabalho educativo que se contraporia a outros modalidades de trabalho. Há, com efeito, outras modalidades de trabalho que se enquadram perfeitamente na “compreensão” ou definição dos mencionados parágrafos primeiro e segundo no art. 68 do ECA. Podem, por exemplo, ser apontadas duas modalidades de trabalho que, em conformidade com as normas legais que as regem, só atingem seus objetivos se foram programadas e executadas como trabalho educativo: a aprendizagem empresarial e o estágio profissionalizante. Ambas implicam que, em conformidade com a letra e espírito da lei que as regem, as exigências pedagógicas, sob pena de inversão de meios e fins, devem prevalecer sobre o aspecto produtivo. (OLIVEIRA, 2009, p. 223)

O Estatuto da Criança e do Adolescente define a aprendizagem em seu art. 62, colocando-a como um processo educacional, realizado sob a orientação de um coordenador responsável, em ambiente adequado a formação profissional inicial.

O aprendiz, nestes moldes, tem a possibilidade de adquirir conhecimentos a partir de uma mesclagem entre a teoria e a prática laborativa, de forma que o jovem possa ter um crescimento profissional e pessoal mais completo.

Neste sentido, a aprendizagem é definida por Oris de Oliveira (2009) nos seguintes modos:

A aprendizagem, visando ao exercício de atividades específicas ditadas pela divisão do trabalho na vida social – é processo educacional, alternado (ensino teórico e prático), metódico (operações ordenadas dentro de um programa em que se passa do menos para o mais complexo) efetuado sob orientação de um responsável (pessoa física ou jurídica) em ambiente adequado (condições objetivas: pessoal docente, equipamentos). A aprendizagem se insere na educação permanente, que engloba a formação profissional inicial (conjunto de formação organizadas pelo sistema escolar e universitário, de ensino geral e tecnológico visando a alunos e estudantes ainda não engajados na vida ativa) e formações posteriores que perduram por toda a vida.  A aprendizagem implica transmissão e aquisição de conhecimento com alternância, ou seja, teóricos e práticos. (OLIVEIRA, 2009, p. 246)

O Estágio, por sua vez, é definido em lei própria, qual seja, a Lei 11.788 de 25 de setembro de 2008. Este pode ser conceituado como um tempo de efetivo exercício de uma profissão a qual tem suas bases teóricas explanadas por uma instituição de ensino técnico ou superior diversa do local de exercício da prática. (BRASIL, 2008)

A Lei brasileira delimita precisamente os contornos e finalidades do contrato estágio nos seguintes termos:

Art. 1 Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa a preparação de trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular, em instituição de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, de educação especial e dos anos finais de ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.

§1º O estágio faz parte do projeto pedagógico do curso, além de integrar o itinerário formativo do educando.

§2º O estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional a contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho. (BRASIL, Lei. 11.788/ 2008, 2012)

Assim, o estágio deve, cumulativamente, preencher os requisitos descritos no art. 3º:

I – matrícula e frequência regular do educando em curso de educação superior de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e nos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos e atestados pela instituição de ensino;

II – celebração de termo de compromisso entre o educando, a parte concedente do estágio e a instituição de ensino;

III - compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas no termo de compromisso. (BRASIL, Lei 11.788/2008, 2012)

Importa enfatizar, para a compreensão da lei, que o estágio situa-se no campo da educação em diversos níveis, assim pode ser o estágio “uma fase ou complementação da aprendizagem escolar desenvolvendo-se no ambiente do trabalho”. Ele “constrói uma “ponte” que liga um todo constituído por estudo e trabalho, devendo, porém, o aspecto educativo prevalecer sobre o produtivo”. (OLIVEIRA, 2009, p. 254)

Nestes termos, percebe-se que tanto o estágio como a aprendizagem são modalidades de trabalho educativo, desde que desenvolvidos nos estritos limiares legislativos.

Todavia, assim como qualquer trabalho que se define por educativo a não observância das finalidades legais desconstitui o contrato de estágio e faz surgir, espontaneamente, uma relação de emprego com todos os encargos dela decorrentes, nos termos do §2º do art. 3º da Lei 11.788/2008. (BRASIL, 2008)

Igualmente, a aprendizagem e qualquer outra forma de trabalho educativo somente podem ser classificados como tal desde que atendam as finalidades educativas, de formação pessoal, moral e profissional dos adolescentes.  Caso contrário, estas formas de labor passar a revelar simples relação de prestação de serviço.


5  TRABALHO EDUCATIVO: EXPERIÊNCIAS REAIS

Na esteira do acima declinado fácil é a percepção de que não é qualquer forma de trabalho que pode ser considerada trabalho educativo, mesmo que tenham aplicação teórica profissionalizante.

Há milhares de pessoas, inclusive adolescentes, que trabalham e estudam sem que possa afirmar que esta concomitância transforme seu trabalho em educativo.

Nestes casos, o que ocorre, inúmeras vezes é um conflito entre a educação e o labor, de forma que o trabalho acaba por sufocar ou tornar precária não somente a educação escolar, mas toda a formação pessoal. (OLIVEIRA, 2009, p. 226)

Assim, ao completar os 16 anos o jovem pode realizar um trabalho comum, respeitadas as restrições já elucidadas. Porém, o ideal talvez seria que todo o labor prestado por estes adolescentes fosse educativo, o que representaria, uma qualificação para o ingresso no mercado de trabalho, de forma mais satisfatória e talvez melhor remunerada.

Entretanto, enquanto este ideal não é alcançado, é necessário reforçar que:

As linhas divisórias entre o trabalho comum e as diversas modalidades de educativo devem ser muito bem nítidas nas normas jurídicas que o regulam. É deturpação etiquetar velhas práticas como trabalhos educativos só porque, por exemplo, se exigem do adolescente trabalho e escolaridade, como se a exigência de ensino fundamental não fosse um direito e um dever de cidadania. Se, por um lado, é equívoco depreciar um trabalho comum o adolescente pode dignamente realizar, não é menos desastroso deturpar o trabalho educativo, via um nominalismo tão em moda, equiparando trabalho comum e educativo, fazendo um nivelamento inaceitável. (OLIVEIRA, 2009, p.229)

No Brasil, não é difícil visualizarmos exemplos de programas sociais governamentais e não governamentais que promovem a inserção do adolescente no mercado de trabalho pelas vias de um “treinamento” simples e sem muita qualificação.

Alguns destes programas até acompanham os jovens por algum período, os auxiliando em alguns percalços no início de sua vida profissional, mas logo os abandonam, sem lhes fornecer uma verdadeira qualificação para o futuro.

Como exemplo pode-se citar alguns programas que treinam os jovens para atividades repetitivas, tais como Office-boy, mensageiros, empurrador de carrinho ou ensacador em supermercados, vigia de estacionamento, etc.

Nesta esteira, cumpre citar o depoimento de um adolescente que participou do Projeto Guarda Mirim, desenvolvido por algumas prefeituras em quase todo o Estado de São Paulo:

Não teve utilidade e nem influencia no que faço hoje. Não que seja negativo ter pertencido a guarda mirim. Naquela época era necessário para ajudar em casa (...) Se tivesse um filho, não deixaria frequentar a guardinha. A formação que recebi não me ajudou em nada. Preferiria deixá-lo estudando e me esforçaria mais para que ele só estudasse.  (PEREIRA, 1994, p.25)

Em contrapartida exemplifica Bernardo Leôncio Moura Coelho (2003) algumas atividades que podem ser desenvolvidas em trabalhos educativos, tais como, “iniciação musical; formação de banda; teatro; artesanato; dança; integração com idosos; escolas de futebol etc.” (COELHO, 2003, p.4)

Ressalta ainda referido autor a possibilidade da entidade que promove o trabalho educativo efetuar a venda dos produtos artesanais ou, por exemplo, receber pagamento pela apresentação da dança em evento, e efetuar distribuição deste dinheiro entre os adolescentes, sem que seja desfigurado o trabalho educativo. (COELHO, 2003, p.4)

No mesmo sentido, cita o Juiz Antônio Gonçalves de Vasconcelos (1998) duas experiência mineiras de trabalho educativo que vem se desenvolvendo nos termos das expectativas legais:

Experiência concreta interessante vem do PROMAM (Patos de Minas\ MG) e COBEM (Patrocínio\MG), ambas entidades assistenciais destinadas ao amparo do adolescente carente. Há casos em que, segundo narram alguns dos responsáveis, o menor chega à entidade sem qualquer hábito social e até mesmo de higiene pessoal etc. E, nesse caso, o menor recebe orientação no sentido de cuidar da aparência e higiene pessoal, de relacionar-se com os outros, transmitir mensagens etc, praticando tais orientações através da execução de trabalho educativo (compatível com suas possibilidades e realidade), mediante acompanhamento da entidade assistencial e, sendo o caso, da empresa partícipe do programa. (VASCONSELOS, 1998, p.211)

Outrossim, segundo Oris de Oliveira um dos exemplos mais notáveis do trabalho educativo é o “Projeto Escola de Fábrica”, criado pela Lei n. 11.180/2005, a qual foi instituída com referencia explicita ao §1 do art. 68 do ECA, delimitando uma modalidade de trabalho educativo no âmbito de estabelecimentos produtivos urbanos e rurais, destinados ao auxílio de jovens entre 16 e 24 anos de idade. (OLIVEIRA, 2009, p.229)

A Lei 11.180/05, foi promulgada para dar amparo jurídico explícito a várias experiências bem-sucedidas já implantadas nas diversas cidades brasileiras, tais como o Projeto Pescar, Integrar, Formare e da União Nacional das Famílias Agrícolas de Braile.

Todos estes projetos visam o mesmo fim – formação profissional e educacional dos jovens - e se desenvolvem de maneira semelhante. Nestes termos, a título exemplificativo pode-se citar o FORMARE, que apresenta as seguintes características:

O Formare é um ambiente de aprendizagem profissional que desenvolve, por meio da ação voluntária, a potencialidade de jovens de populações de baixa renda para integrá-los à sociedade como cidadãos e profissionais.

O Formare possui quatro focos:

• Atenção ao educando, de forma a promover seu desenvolvimento como profissional e cidadão integrado ao meio em que vive;

•  Atenção ao educador, identificado junto ao corpo funcional da empresa mantenedora.

•Atenção ao espaço físico, que deve ser preparado de modo a possibilitar a integração do fazer e do pensar nas atividades previstas no planejamento curricular

•Atenção com a inserção dos alunos formados no mercado de trabalho, com acompanhamento e orientação no período inicial.

Objetivos:

•Desenvolver a potencialidade de jovens de famílias de baixa renda, possibilitando sua inserção no mercado de trabalho•Possibilitar que a empresa desenvolva um trabalho social de qualidade junto a sua comunidade.

•Gerar o interesse entre os funcionários da empresa em participar dos processos de cidadania.

•Evitar desperdício de recursos materiais e humanos com ações sociais que não geram resultados efetivos de longo prazo, sendo um dos principais objetivos da escola garantir a permanência de seus egressos no mercado de trabalho e, conseqüentemente, crescimento profissional e social.

Procedimentos:

O Formare está planejado e construído para ser desenvolvido dentro de uma empresa, entendendo-a como um grande ambiente de aprendizagem profissional.

A proposta Formare não se propõe como uma escola comum, mas como ambiente de aprendizagem onde as potencialidades da empresa são meios disponíveis para a transmissão de valores e conhecimento.Entendemos a cultura empresarial como um conjunto de padrões de comportamento, crenças e valores próprios de um ambiente econômico e profissional transmitidos coletivamente. Dessa forma, desvelamos todo seu potencial como local de aprendizagem. Neste cenário, ao assumirem o papel de educadores voluntários, os funcionários tornam-se facilitadores do processo de ensino e aprendizagem.

Formada por professores universitários com títulos de mestres e doutores, capacitadoras, tutoras, pedagogas e psicólogas, a equipe da Fundação fornece apoio pedagógico para o gerenciamento de todas as Escolas Formare e acompanha cada etapa do ano letivo por meio de ferramentas de gestão on-line. O apoio pedagógico é conduzido de forma presencial e virtual.

Cada Escola Formare recebe uma coleção de cadernos desenvolvidos especialmente para apoiar as disciplinas dos cursos. O material oferece conteúdos descritos e organizados aula a aula para apoiar e facilitar o trabalho dos educadores voluntários.

Grade curricular

Os cursos oferecidos pelo Projeto Formare têm um eixo de disciplinas comuns às empresas parceiras da rede, tais como fundamentação numérica, informática, comunicação e relacionamento e higiene, saúde e segurança. São disciplinas de conteúdo e interesse universal, cuja transmissão independe do perfil e das necessidades da empresa.  Há ainda aqueles assuntos direcionados às áreas de atuação das empresas, que compreendem temas técnicos e que são definidos após visita de diagnóstico e melhor entendimento de sua atuação, bem como atividades de integração, como teatro, idiomas e educação física. (PROJETO FORMARE, 2012)

Não menos interessante apresenta-se o Projeto Pescar que apesar da nomenclatura, não se relaciona com as atividades de apicultura:

A história do Projeto Pescar iniciou em 1976, quando o empresário Geraldo Linck (1927-1998) presenciou  um menino assaltando um idoso e, chocado ao ver a agilidade e o vigor do jovem contra a fragilidade da vitima, resolveu fazer algo para mudar aquela situação de violência. Inspirado pelo provérbio chinês “Se quiseres matar a fome de alguém dá-lhe um peixe. Mas, se quiseres que ele nunca mais passe fome, ensina-o a pescar”, Linck abriu as portas da sua empresa para que 15 jovens em vulnerabilidade social, aprendessem uma profissão. Ele montou uma sala e ensinou o curso de Mecânica Automotiva, para jovens selecionados nas comunidades do entorno da Linck S. A. Assim, estava criada a primeira Unidade Projeto Pescar, na época “Escola Técnica Linck”. Os resultados alcançados com as primeiras turmas chamaram a atenção de organizações socialmente responsáveis e, em 1988 foi implantado o Projeto Pescar em outras empresas. A semente da multiplicação de uma experiência local em escala nacional é lançada. Com a adesão de diversas empresas e instituições, em 1995 o Projeto Pescar passou a ser administrado pela Fundação Projeto Pescar e evolui para uma Rede, que já foi responsável pela formação de mais de 19.511 jovens. Com sede em Porto Alegre (RS), e cinco escritórios regionais (nos estados de SP, RJ, PR, SC, NO), a entidade disponibiliza cursos de Iniciação Profissional. A capacitação, com a aprendizagem básica para o exercício de uma profissão, tem foco no desenvolvimento pessoal e profissional de adolescentes, com idades entre 16 e 19 anos, e reverte o quadro da baixa qualificação da mão de obra para as vagas existentes e da dificuldade de ingresso desta importante parcela da população no mercado de trabalho. (PROJETO PESCAR, 2012)

Oliveira (2009) cita ainda as principais características destes tipos de projetos, que, segundo sua opinião conferem uma “interpretação autêntica” ao art. 68 e seus parágrafos, no tocante a possibilidade do trabalho educativo realizar-se não só no interior dos estabelecimentos não governamentais, ou seja, sem fins lucrativos, mas também em empresas:

1- promover formação profissional inicial e continuada a jovens de baixa renda;

2- ter como público alvo jovens de idade entre dezesseis e vinte e quatro anos, beneficiando, portanto, também, adolescentes entre 16 e 18 anos;

3- jovens com renda familiar “per capita” de até um salário mínimo e meio;

4- cursos ministrados em espaços educativos específicos, instalados no âmbito de estabelecimentos produtivos urbanos e rurais;

5- Os cursos serão orientados por projetos pedagógicos e planos de trabalho focados na articulação entre as necessidades educativas e produtivas da educação profissional, definidas a partir da identificação de necessidades locais e regionais de trabalho, de acordo com a legislação vigente para a educação profissional;

6- atividades teóricas e práticas em módulos que contemplem a formação inicial com apoio à educação básica;

7- As horas-aulas de atividade teóricas e práticas de módulos de formação profissional inicial poderão ser computadas no itinerário formativo pertinente, nos termos da legislação aplicável à educação profissional, de forma a incentivar e favorecer a obtenção de diploma de técnico de nível médio; (OLIVEIRA, 2009, p. 231)

 Nestes termos, verifica-se que a efetivação do trabalho educativo é possível a partir de instituições engajadas nos verdadeiros escopos descritos pelo art. 227 da Constituição Federal de 1988 e art. 68 do Estatuto da Criança e do Adolescente, como os acima citados.

Todavia, diante de todas as experiências citadas, duvidosa pode-se fazer a capacidade de efetivação do trabalho educativo como meio de promoção da cidadania, haja vista que a desvirtuação dos seus fins, apenas no sentido de percepção de renda, se mostra uma alternativa mais fácil as instituições que não visam a promoção social.

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Sobre a autora
Danielle de Jesus Dinali

Advogada. Especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DINALI, Danielle Jesus. Trabalho educativo:: efetividade de direitos sociais ou exploração de mão de obra de baixo custo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3808, 4 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26057. Acesso em: 21 nov. 2024.

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