Artigo Destaque dos editores

A greve do servidor público civil e os direitos humanos

Exibindo página 4 de 4
01/02/2002 às 01:00
Leia nesta página:

14. CONCLUSÃO

            Como síntese do exposto, apresentamos as conclusões mais importantes.

            A greve constitui um instrumento a serviço da cidadania, na medida em que seu objetivo maior consiste na reação pacífica e ordenada contra os atos que impliquem direta ou indiretamente desrespeito à dignidade da pessoa humana do cidadão trabalhador.

            O ordenamento jurídico brasileiro considera a greve um direito fundamental dos trabalhadores, nos termos do art. 9º da Constituição Federal.

            Por se tratar de direito humano fundamental, não pode haver distinção entre o trabalhador do setor privado e o do setor público, salvo quando o próprio ordenamento excepciona, tal como ocorre, no nosso sistema, com o servidor público militar (CF, art. 142, § 3º, IV).

            Nesse sentido é a posição da OIT, que somente admite restrições ao exercício do direito de greve nos serviços essenciais cuja interrupção possa pôr em perigo a vida, a segurança ou a saúde, no todo ou em parte, da população.

            Lei n. 7.783/89, por ser uma lei específica sobre a greve, pode ser aplicada, por analogia, ao servidor público civil, mormente, no que tange aos serviços públicos considerados essenciais e inadiáveis, tais corno os que coloquem em risco a vida, a segurança e a saúde da população, no todo ou em parte.

            Afinal, a operacionalização do Direito conduz à ilação de que é menos prejudicial à sociedade que o Estado-juiz reconheça a existência de um conflito e regularmente, à luz do sistema jurídico vigente, os seus efeitos, a deixar que os próprios servidores interessados exerçam de fato, a spontae sua, e com riscos para comunidade, em especial a camada da população mais carente dos serviços públicos, um direito fundamental que lhes é constitucionalmente assegurado.

            A greve importa suspensão coletiva do trabalho. Logo, em linha de princípio, não há, durante o movimento paredista, a obrigação da prestação do serviço pelo servidor nem a obrigação da contraprestação do pagamento da remuneração pela Administração.

            Para finalizar, invocamos as palavras de Georgenor de Sousa Franco Filho, para quem

            "... o Estado deve regular o exercício do direito de greve, não no sentido de restringi-lo, mas de garantir o bem-estar comum, e, por outro ângulo, retirar as causas geradoras de que movimentos dessa natureza são conseqüência, garantindo, como pregou Aristóteles na antiga Grécia, a existência de igualdade real entre os seres humanos, que todos tenham direito de acender a melhores condições de vida e de trabalho, que, ao cabo, venha, no futuro, até mesmo a ser dispensado esse recurso extremo".(22)


NOTAS

            1.Mozart Victor Russomano, Princípios gerais de direito sindical, 2ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 243.

            2.Direito do trabalho, 6ª ed., São Paulo, Atlas, 1998, p. 695.

            3.Ibidem, mesma página.

            4.A greve no contexto democrático, in Revista Síntese Trabalhista, n. 82, abril/96, Porto Alegre, pág. 12.

            5.O papel da greve na negociação coletiva, in RIBEIRO, Lélia Guimarães Carvalho; PAMPLONA FILHO, Rodolfo (coords.), Direito do trabalho: estudos em homenagem ao prof. Luiz de Pinho Pedreira da Silva, São Paulo, LTr, 1998, p. 427.

            6.A Convenção 87 ainda não foi ratificada pelo Brasil, mas a Convenção 98 foi aprovada pelo Decreto Legislativo n. 49, de 27.8.52, promulgada pelo Decreto n. 33.196, de 29.6.53, com vigência nacional a partir de 18.11.1953.

            7.A Convenção 151 lamentavelmente ainda não foi ratificada pelo Brasil.

            8.A expressão "empregados públicos" tem significação ampla, isto é, abrange a todas as pessoas que mantêm vínculo de trabalho com a administração pública, tal como se deflui do art. 1º da Convenção n. 151 da OIT.

            9.A expressão "condições de emprego" também comporta interpretação extensiva, alcançando, assim, todas as condições inerentes às relações de trabalho no âmbito da administração pública, que no sentido de relação de natureza empregatícia, quer no sentido de relação de natureza estatutária.

            10.A liberdade sindical / trad. Edilson Alkmim Cunha. Brasília, DF: Organização Internacional do Trabalho; São Paulo: LTr, 1994, p. 77.

            11.Georgenor de Sousa Franco Filho, Liberdade sindical e direito de greve no direito comparado: lineamentos, São Paulo, LTr, 1992, p. 94.

            12.Segundo José Afonso da Silva, normas de eficácia contida "são aquelas em que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do Poder Público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados" (Aplicabilidade das normas constitucionais, 3. ed., São Paulo, Malheiros, 1998, p. 116). Celso Antonio Bandeira de Mello, mesmo antes da EC 19/98, já sustentava a eficácia contida do art. 37, VII, da CF: "... Este é exercitável desde logo, antes mesmo de editada a sobredita norma complementar, que lhe estabelecerá os limites. Trata-se de norma de eficácia contida, segundo a terminologia adotada por JOSÉ AFONSO DA SILVA ("Aplicabilidade das Normas Constitucionais", Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 1982, páginas 73 e 92 e seguintes). Admita-se, apenas, que a greve não poderá deixar sem atendimento as "necessidades inadiáveis" da comunidade, a serem identificadas regendo um critério de "razoabilidade", pois a obrigação de supri-la está constitucionalmente prevista, até mesmo para os trabalhadores em geral, conforme § 1º do artigo 9º" (Regime Constitucional dos Servidores da Administração Direta e Indireta, Revista dos Tribunais, 1990, p. 77-8).

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

            13.Com o advento da Emenda Constitucional n. 19198, que deu nova redação ao inciso Vil do art. 37 da Constituição, não mais se exige lei complementar, mas, tão-somente, "lei específica".

            14.Cf. Arnaldo Süssekind, Direito Constitucional do Trabalho, Rio de Janeiro, Renovar, 1999, p. 434-435. Nesse sentido decidiu a 6ª Turma do STJ no ROMS 4531/SC (1994/0018896-0), Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 22.8.95.

            15.Direito Constitucional de Greve dos Servidores Públicos - Eficácia Limitada ou Plena? Emenda Constitucional n. 19, in ´Trabalho em Revista´, jan/99, Curitiba, Editora E)ecis6rio Trabalhista, p. 530.

            16.Esse entendimento, como apontado no item 7 supra, contraria a recomendação constante do verbete 386 do Comitê de Liberdade Sindical da OIT.

            17.Direitos Sociais na Constituição e Outros Estudos, São Paulo, LTr, p. 250.

            18.Regime jurídico dos servidores públicos civis – aspectos trabalhistas e previdenciários, São Paulo, LTr, 1993, p. 45-47.

            19.A negociação coletiva no setor público, in "Direito sindical brasileiro: estudos em homenagem ao prof. Arion Sayão Romita", São Paulo, LTr, 1998, p. 262.

            20.LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho, v. I, Curitiba: Juruá, 2000, p. 299.

            21.MATTO, Mauro Roberto Gomes de. Da inconstitucionalidade do decreto nº 1.480/95, que restringe o direito de greve do servidor público. In: Doutrina Jurídica Brasileira [CD-ROM] org. Sérgio Augustin. Caxias do Sul: Plenum, 2001. ISBN 85-88512-01.

            22.Recentemente, o presidente em exercício do Supremo Tribunal Federal, ministro Ilmar Galvão, deferiu ontem (04/10) Suspensão de Segurança (SS 2061) a favor da Advocacia Geral da União, relativa ao pagamento do salário de setembro dos professores das universidades federais em greve há mais de 30 dias. A AGU ajuizou dia 03 último a Suspensão de Segurança contra liminar concedida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES). Ainda no mesmo dia, o ministro encaminhou os autos à Procuradoria Geral da República. De acordo com o ministro, a falta dos professores das universidades ao trabalho "não pode ser abonada, com o pagamento dos respectivos vencimentos, sem que isso implique em grave – e provavelmente irreversível – lesão à ordem administrava das universidades".

            23.Liberdade sindical e direito de greve no direito comparado: lineamentos. São Paulo: LTr, 1992, p. 75.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Carlos Henrique Bezerra Leite

procurador Regional do Trabalho da 17ª Região (Espírito Santo), mestre e doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP, professor adjunto da graduação e pós-graduação em Direito da UFES, membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. A greve do servidor público civil e os direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2612. Acesso em: 19 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos