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Conselho tutelar:

do processo de participação popular à efetivação dos direitos de crianças e adolescentes

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16/12/2013 às 16:39
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A inovação representada pelos Conselhos Tutelares como órgãos autônomos, permanentes e não jurisdicionais não foi ainda sentida no Brasil com mais repercussão pelas dificuldades que se interpõem à concretização de suas atribuições.

Resumo: Este artigo tem por objetivo retomar a trajetória democrática e de construção dos Conselhos Tutelares no Brasil no Estatuto da Criança e do Adolescente como um dos mecanismos de participação da sociedade civil nos rumos da política de proteção à criança e ao adolescente, discutindo suas atribuições, contradições e condições de implementação.

Palavras-chave: Conselho Tutelar; Participação, Democracia, Criança, Adolescente.


APONTAMENTOS INICIAIS.

Com a retomada da democracia no Brasil na década de 1980, cria-se um ambiente favorável ao fortalecimento dos movimentos populares, que se intensificaram pelas pressões internacionais, para que os governos assumissem compromissos concretos e objetivos de transformação da realidade de crianças e adolescentes brasileiros.

A promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 05 de outubro de 1988, foi decorrência desse ambiente, e por isso, trouxe um conjunto de instrumentos de proteção aos direitos de crianças e adolescentes, consolidando a proposta de construção de um Estado democrático e de Direito, fundado na soberania, cidadania e dignidade humana, reconhecendo como princípio fundamental, em seu artigo 1º, parágrafo único, que: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, ou seja, proporcionou uma abertura política para participação direta e, portanto, facilitou os caminhos para o reconhecimento dos conselhos populares na gestão pública.

As formas de conselhos e participação popular remontam de longa data. Em âmbito internacional, registram-se algumas experiências relevantes, tais como a Comuna de Paris; Os Sovietes Russos; Os Conselhos de fábricas; Bed-Stuy Corporation;e a Ação Direta Frontier. (GOHN, 2001, p.66)

A institucionalização dos conselhos como um pressuposto basilar da democracia foi fundamental no reordenamento jurídico, político e institucional, que reacendeu a teoria da democracia. Nesse sentido, é preciso lembrar que

[...] não é possível elaborar uma teoria da democracia adequada ao nosso tempo sem um profundo diálogo com a herança de Jean-Jacques. Se seus conceitos de interesse comum e vontade geral foram construídos de modo problemático, ou mesmo equivocado, resta o fato de que ele viu corretamente que a tarefa de construí-los é dever incontornável de todo pensamento democrático que pretenda superar dialeticamente as propostas do liberalismo. (COUTINHO, 1996)

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, valida e congrega o povo como coparticipante ativo do poder. Deste modo, a democracia deixa de ser apenas representativa, para tornar-se também participativa, pois

[...] essa Constituição adotou como princípio geral a cidadania e previu instrumentos concretos para exercício via democracia participativa. Leis orgânicas específicas, pós-1988, passaram a regular o direito constitucional à participação por meio de conselhos deliberativos de composição paritária, entre representantes do poder executivo e de instituições da sociedade civil. Desde então, um número crescente de estruturas colegiadas passou a ser exigência constitucional em diversos níveis das administrações (federal, estadual, e municipal). (GOHN, 2001,P.84)

A sociedade civil, incorporada nesse processo de participação, não tem como intento a conquista e controle do poder, mas a sua participação na esfera pública à geração de influência e participação ativa na construção do processo político (VIEIRA, 1998, p.45).

Portanto, “participar significa influir direitamente nas decisões, [...] Se estamos em uma nova fase no país, é possível e é preciso que o movimento comunitário avance e influa direitamente” (SANTOS, 2002, p.58) principalmente no âmbito local.

Sob esta perspectiva, surgiram as propostas para a criação de Conselhos Tutelares, com objetivo de garantir a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes, contidos na Carta Magna, cujas disposições gerais seriam estabelecidas posteriormente no Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990.

A construção dos Conselhos Tutelares no Brasil deu-se através de um processo radicalmente democrático, buscando, portanto um órgão que estivesse de acordo com a Teoria da Proteção Integral. Neste sentido o projeto de Lei que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente foi analisado nas duas casas do Congresso Nacional recebendo 35 emendas, inclusive sobre a própria criação dos Conselhos Tutelares. De acordo com a Deputada Rita Camata “foi um encontro inédito de vontades políticas”, pois ambas as casas do Congresso Nacional tiveram participação profunda, apresentando emendas ao Projeto de Lei, restando então um projeto desejado por todos. (BRASIL, Diário do Congresso Nacional, 1990, p.8.)

No Projeto de Lei do Estatuto da Criança e do Adolescente, o Conselho Tutelar é concebido de modo diferente daquele que posteriormente seria constituído, por isso permaneceram algumas questões incompatíveis, pois “a experiência dos conselhos ainda é um cenário em construção. Polêmicas, divergências e conflitos em torno da atribuição de responsabilidades, da distribuição dos poderes e representatividade têm permeado a atuação destes órgãos”. (SOUZA, 1998, p.45).

O Projeto original descrevia um Conselho Tutelar como órgão administrativo, tendo como finalidade o atendimento dos direitos de crianças e adolescentes. Este órgão tinha uma proximidade com o Poder Judiciário na sua organização, inclusive havia a previsão de um Conselho Tutelar em cada Comarca judiciária, foro regional, ou distrital. Deste modo, nas

[...] discussões do anteprojeto de lei que deu origem ao ECA, a tônica era marcada pela avaliação da necessidade de um órgão popular distribuidor de justiça social, célere e com mínimo de formalidade, que pudesse solucionar no próprio município casos individuais caracterizados pelo descumprimento aos direitos fundamentais das crianças e adolescentes. Verdadeira instância administrativa, preferencialmente composta por profissionais versados nas questões relativas à infância e juventude, o Conselho Tutelar atuaria nos casos onde a valoração jurídica seria secundária ante a premência do pronto atendimento, capaz de rapidamente concretizar a proteção especial, resumida em medidas de proteção destinadas a crianças e adolescentes. (SILVA, 1994, p. 215)

Nessa versão do Projeto de Lei, o Conselho Tutelar seria composto por cinco membros, com finalidade de atendimento direto; por isso, nos critérios de escolha, eram requisitados pelo menos três membros que deveriam ser escolhidos prioritariamente com graduação em serviço social, direito, educação, saúde e psicologia; um membro indicado pelas entidades de defesas dos direitos da criança e do adolescente, e um membro indicado por entidade de atendimento.

Além disso, o projeto de lei determinava que, na falta de pessoal qualificado, a escolha poderia incidir em educadores da rede pública ou particular de ensino, que tivessem no mínimo dois anos de experiência. Quando a nomeação recaísse em funcionário público, o Presidente do Conselho Municipal faria a requisição do profissional, sendo obrigatório o atendimento da solicitação.

No tocante aos requisitos, além dos estabelecidos na lei atual, que serão analisados posteriormente, acrescentava-se a exigência de dois anos de exercício profissional. Na versão final da lei, esta exigência ficou como responsabilidade da lei municipal de criação dos Conselhos Tutelares, que pode formular requisitos complementares ao estabelecido na lei federal.

O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente também teria a competência para determinar o funcionamento, dias, horários e locais dos Conselhos Tutelares, iniciando uma tradição sobre conflitos de competência que permanece até os dias atuais. O Projeto ainda permitia que o Conselho Tutelar funcionasse dentro de estabelecimentos educacionais, e com plantão obrigatório apenas nas comarcas, foro regional ou distrital que tivessem mais de 200 mil habitantes.

O projeto de lei original não previa critérios sobre remuneração dos Conselheiros Tutelares, e apenas determinava que o Conselho Estadual de Defesa (sic) dos Direitos da Criança e do Adolescente poderia fixar pagamento ou gratificação, e, quando recaísse em funcionário público, este deveria optar pelos vencimentos e vantagens.

Havia situações estranhas na proposta original, tais como a responsabilidade dos Conselhos Estaduais de repassarem aos Conselhos Municipais as verbas relativas ao pagamento ou à gratificação dos membros do Conselho Tutelar, e em nada estabelecia se estes Conselhos Estaduais seriam mantidos com verbas do Estado ou repasses da União.

Com relação ao funcionamento interno do Conselho Tutelar – que atualmente é estabelecido pelos próprios Conselhos em seus regimentos –, o projeto de lei apontava alguns indicativos, como o processo de escolha do presidente do Conselho, que deveria ser anual e na primeira sessão; que as sessões deveriam ter no mínimo três membros, e ainda poderiam ser destituídos do cargo aqueles que se ausentassem por três vezes seguidas ou cinco consecutivas nas sessões.

No que se refere às atribuições, o projeto de lei apresenta poucas alterações em relação à versão final aprovada do Estatuto da Criança e do Adolescente. No entanto, há discussões que reconhecem nesse projeto a finalidade precípua do Conselho Tutelar de realizar atendimento direto. Isso seria óbvio, uma vez que sua principal atribuição estava descrita como “atender”, apresentada no projeto como: “Art. 136, I – atender crianças e adolescente em situação de risco, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII”. No entanto, na legislação que foi aprovada, o foco do Conselho Tutelar foi redirecionado para a perspectiva da promoção e da defesa dos direitos da criança e de adolescente. Contudo, o legislador manteve a expressão “atender,” originariamente proposta no projeto de lei, provocando ambigüidade e interpretações oportunistas na sua implementação.

Nos casos de ato infracional processado no âmbito do Poder Judiciário, que houvesse a aplicação de medida de proteção, havia a proposta para que o Conselho Tutelar pudesse substituir a medida original por outra considerada mais adequada, mas esta proposta não foi mantida na versão final da lei.

Todo esse processo produziu um Conselho Tutelar dúbio, tendo características na essência mais de “esquerda” e atribuições mais de “direita”1, ou seja, o anteprojeto apresentava um “conselho mais conservador, controlador de condutas”. (ANDRADE, 1997, p. 50-51)

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Desse modo o Conselho Tutelar deveria agir quando todas as instâncias (famílias, Estado e sociedade) fossem omissas nos seus deveres. Esta omissão se daria depois de esgotados todos os recursos necessários para efetivação do direito violado, e, por conseguinte, sua negativa (KAMINSKI, s/d)

Essa posição do Conselho Tutelar provoca a efetiva mudança social, promove a instalação do novo, e trabalha a CONSCIÊNCIA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ENQUANTO CIDADÃOS. O Conselho Tutelar não é eminentemente técnico, para enfrentar questões técnicas, e sim essencialmente político, para enfrentar questões políticas. É um mobilizador, um articulador, um verdadeiro conselheiro, que define as coisas em Conselho e com fundamento na sua representação e no seu saber popular e comunitário. (KAMINSKI, s/d)

De qualquer modo, a versão final do projeto de lei conseguiu consolidar alguns avanços na formatação da proposta deste novo órgão de proteção aos direitos da criança e do adolescente. Isso pode ser especialmente observado com a aprovação final do Projeto de Lei em 29 de junho de 1990, que foi sancionado pelo Presidente da República em 13 de julho de 1990, resultando na aprovação da Lei 8.069, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente, conforme publicação no Diário Oficial da União em 16 de julho de 1990.

Finalmente aprovada a Lei, definiu-se a criação do Conselho Tutelar mediante a previsão expressa no Estatuto da Criança e do Adolescente no artigo 131, nos seguintes termos: “O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta lei.”

A intenção do legislador ao conceber a atuação do Conselho Tutelar não expressa somente um otimismo exagerado ao prever soluções a partir de uma nova instituição em substituição a instituições velhas e fracassadas em seus propósitos. Trata-se de apostar definitivamente na capacidade do povo para resolver os seus próprios problemas. (COSTA, 2002, p. 77)

Portanto, o Conselho Tutelar passa a ser um órgão municipal, criado por lei municipal, regido por regras de direito administrativo, sendo considerado órgão público, em razão de seu interesse e caráter de relevância para a sociedade.

Para compreender o Conselho Tutelar, é fundamental analisar seus conceitos e características, principalmente aquelas fundamentadas na Teoria da Proteção Integral da Organização das Nações Unidas, que traduzem a essência do Direito da Criança e do Adolescente no Brasil, pois

Os Conselhos Tutelares se constituem num dos grandes desafios do Estatuto da Criança e do Adolescente. [...] trata-se, portanto, de um órgão municipal: autônomo, isto é, desvinculado de outros órgãos da administração pública; permanente, uma vez que sua existência não pode sofrer interrupção e sequer depender de definições de interesses político-partidários; não jurisdicional, o que significa que não tem competência para aplicar sanção punitiva e trata-se, enfim, de um órgão colegiado, uma entidade de deliberação coletiva. (VERONESE, 1999, p. 116-117)

Sobre este novo órgão, Pereira explica que “O Conselho Tutelar é um instrumento de plena participação democrática que objetiva a atuação e o comprometimento dos cidadãos, através da decisão de seus representantes nos destinos das crianças e adolescentes em nosso país”. (2008, p. 551)

Assim, verifica-se que as ações sociais sobre as famílias empobrecidas que passaram historicamente pela sociedade através das organizações religiosas, depois pelo Estado através da institucionalização, e retorna à sociedade, agora não mais pelas intervenções, mas por um sistema de garantias de direitos, através da participação popular, pelos Conselhos de Direitos e Tutelares.

[...] identifica-se uma forte tendência de que essas organizações, no desenvolvimento de suas práticas, consolidem um espaço de manutenção de uma lógica que se tenta romper, uma lógica tradicional e menorista com relação à criança e ao adolescente.

Por essa razão, parece-nos decisivo para afetiva implantação do ECA que os agentes sociais que intervêm nessa realidade possam reordenar suas práticas. Nesse universo, há necessidade de que as estruturas que surgem com essa lei, como é o caso dos Conselhos Tutelares, demarquem sua caminhada de ação dentro de práticas sintonizadas com os avanços legais conquistados. (BRAGALIA, 2002, p.08)

No entanto, há quem não compreenda a Teoria da Proteção Integral e a assistência social como um direito de todos, desvinculadas da cultura caritativa. Assim, o Juiz Paulo César Pereira da Silva, em seu pronunciamento no XV Congresso da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e Juventude em 1993, declarou:

O art. 136 da Lei no 8.069/90 (ECA) foi revogado pela Lei nº 8.662/93. Ao Assistente Social compete, privativamente, a aplicação das medidas de proteção específica previstas no art. 101, I a VII do ECA no atendimento assistencial do carente, podendo o juiz aplicá-las na forma prevista em lei. O Congresso Nacional, a Presidência da República e o Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil deverão ser solicitados para, através de suas comissões próprias, instituírem os Conselhos Regionais dos Assistentes Sociais. O Ministério Público Federal e Estaduais, no sentido de fiscalizar a Lei 8.662, de 07.06.1993, evitando-se gastos imensos e desnecessários com instalações de Conselhos Tutelares nos 4.506 municípios brasileiros extinguindo-se os que estiverem em funcionamento, já que se encontra revogado o art. 136 do ECA, na parte em que destina função assistencial aos carentes, privativa dos assistentes sociais, bem assim visando a disciplinar, de forma a compatibilizar o comando das duas leis às disposições revogadas dos arts. 136, 137 e 105 do ECA, para melhor adequação do Estatuto à realidade social. (CAVALLIERI, 1995, p. 70)

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Segundo o Juiz, a Lei 8.662/93 revogaria o Conselho Tutelar, pois, em seu artigo 4º, que trata da competência do Assistente Social, dispõe: “III – encaminhar providências e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à população”; e, “V – orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos;”, sendo estas as mesmas funções não jurisdicionais estabelecidas aos conselheiros.

Assim, tais competências são indicativos genéricos, pois o legislador, ao criar o Conselho Tutelar, procurou garantir a promoção e a defesa dos direitos de crianças e adolescentes independentemente de sua condição social, órgão que seria autônomo, sem as amarras do Poder Público, e que estaria mais próximo da sociedade e inclusive por ela representada.

Portanto, o entendimento do magistrado não encontra apoio nos elementos mais básicos de compreensão da teoria do Direito da Criança e do Adolescente, que está assentado em sólida base constitucional. Além disso, a Lei n. 8.742, de 07 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da assistência social, estabelece em seu art. 5º, II, que, dentre suas diretrizes, está a importância da “participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis”. Assim, os Conselhos Tutelares poderão ter entre seus membros assistentes sociais, mas não poderão ser órgãos formados obrigatoriamente por estes. Ademais, as competências exclusivas dos assistentes sociais não poderão ser exercidas no Conselho Tutelar, pois este não é órgão de atendimento.

O Estatuto da Criança e do Adolescente previu três características essenciais do Conselho Tutelar: órgão permanente, autônomo e não-jurisdicional, e estas duas primeiras tornam-se indispensáveis para que esse órgão valide-se como agente de políticas públicas na defesa dos direitos humanos.

A previsão do princípio da permanência do Conselho Tutelar garante sua estabilidade jurídica, política e institucional, uma vez que esse órgão não pode simplesmente estar à mercê dos interesses de governo, em criá-lo ou destituí-lo a qualquer tempo, ou ainda em razão de interesses momentâneos. Deste modo, a característica de “estabilidade” do Conselho Tutelar tem sua razão e fundamento no seu próprio caráter de funcionamento duradouro e integral. Uma vez criado, o Conselho Tutelar não desaparece; apenas renova seus membros. (LIBERATI, CYRINO, 2003, p. 104)

Ser permanente significa que o Conselho Tutelar deve desenvolver uma ação contínua e ininterrupta. As reuniões de seus membros podem ser esporádicas, obedecendo a um calendário estabelecido. A sua atuação, porém, não deve cessar em momento algum, nem sob qualquer pretexto. Os problemas que envolvem os direitos das crianças e dos adolescentes não têm dia nem hora para se manifestar e suas soluções não podem esperar. Por isso a atuação do Conselho tem de ser viva e o seu funcionamento constante. (VOGEL, 1991, p. 16)

Quanto à autonomia do Conselho Tutelar, esta deve ser entendida como um princípio de não-subordinação aos demais órgãos do Poder Executivo, tendo suas competências específicas descritas no Estatuto da Criança e do Adolescente.

A autonomia do Conselho Tutelar, em geral, é vista como sinônimo tão-somente de autonomia funcional, ou seja, em matéria de sua competência, quando delibera ou quando toma decisões, quando age ou quando aplica medidas, não está sujeito a qualquer interferência externa, a qualquer tipo de controle político ou hierárquico. As decisões de natureza administrativa são irrecorríveis, somente podendo ser questionadas e revistas em ação. (KONSEN, 2008)

Neste sentido, cabe destacar que o Conselho tem autonomia nas suas decisões, com plena liberdade de agir nos seus atos, mediante deliberação colegiada, não devendo o Poder Executivo local intervir nas suas decisões.

Além disso, ao Conselho Tutelar não compete exercer função ou qualquer atribuição inerente ao Poder Judiciário, não lhe cabendo apreciar e julgar os conflitos de interesses, mas tão-somente exercer e executar as atribuições previstas no artigo 136 do Estatuto. No entanto,

Ao tratar da não-jurisdicionalidade, cabe destacar que, com a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente, há uma mudança significativa nas atividades do Poder Judiciário com relação à infância e à adolescência, que até então centrava em julgar os “menores em situação irregular”, passa a verificar os descumprimentos das situações previstas no artigo 227 da Constituição Federal, sendo assim, a criação do Conselho Tutelar inovou nas suas atribuições. Deste modo o Poder Judiciário só será acionado quando houver conflitos ou pretensão de direito resistida, caso que cabe ao juiz julgar. (MORAES, 1992, p. 253)

Assim, é importante destacar que o Conselho Tutelar não assume as atribuições do antigo “Comissariado de Menores”, pois tal função está dissociada da Teoria da Proteção Integral; ao Conselho Tutelar foram apresentadas novas atribuições, que transcendem o menorismo e a doutrina da situação irregular.

Portanto, diante da adoção da Teoria da Proteção Integral à criança e ao adolescente, a concretização dos direitos fundamentais, com absoluta prioridade, torna-se um dever, visto que “as crianças e os adolescentes devem ser protegidos em razão de serem pessoas em condição peculiar de desenvolvimento” (PEREIRA, 2008, p. 18). Assim, cabe ao Conselho Tutelar, órgão que passa a compor o sistema de garantias de direitos, assumir o papel de agente de proteção integral.

Ao definir a composição do Conselho Tutelar, o Estatuto da Criança e do Adolescente privilegiou o princípio da descentralização, ao garantir no artigo 132 que Em cada Município e em cada Região Administrativa do Distrito Federal haverá, no mínimo, 1 (um) Conselho Tutelar como órgão integrante da administração pública local, composto de 5 (cinco) membros, escolhidos pela população local para mandato de 4 (quatro) anos, permitida 1 (uma) recondução, mediante novo processo de escolha, tal dispositivo foi alterado pela 12.692/2012.

Desde que o Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu o limite de no mínimo um Conselho Tutelar em cada município, verifica-se a dificuldade em concretizar essa diretriz indispensável. O processo de implantação dos Conselhos foi extremamente lento no Brasil, e em alguns Estados foi necessário que o Ministério Público estabelecesse essa obrigação por meio de Termos de Ajuste de Conduta firmados com os municípios.

Os dados mais recentes sobre a situação dos Conselhos Tutelares no Brasil apontam que até 2006 havia 4.880 Conselhos Tutelares em todo o País. Segundo o estudo de âmbito nacional, coordenado por Fischer, intitulado “Os Bons Conselhos: conhecendo a realidade” (FISHER, 2007), aponta que o maior crescimento no processo de implantação dos Conselhos Tutelares foi no início de mandatos de prefeitos, ou seja, 1997, 2001 e em 2004. A pesquisa identificou 684 municípios sem Conselho Tutelar, e dos que foram criados, cerca de 4% (195) são Conselhos Tutelares criados, mas inativos.

Na realidade, não houve adesão imediata dos municípios para a criação dos Conselhos Tutelares, conforme estabelecido em Lei desde 1990. Em alguns casos isso aconteceu pelo receio dos poderes que esse órgão exercesse suas funções legais, o que poderia ser uma “ameaça” ao Executivo municipal; em muitos municípios estes conselhos só foram criados por intervenção do Ministério Público através de ações civis públicas.

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Sobre o autor
Ismael Francisco de Souza

Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina; graduado em Direito pela Universidade do Extremo Sul Catarinense; professor de Direito da Criança e do Adolescente,e de Sociologia do Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense; pesquisador do Laboratório de Direito Sanitário e saúde coletiva, e Núcleo de Estudos em Estado, Política e Direito (UNESC).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Ismael Francisco. Conselho tutelar:: do processo de participação popular à efetivação dos direitos de crianças e adolescentes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3820, 16 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26154. Acesso em: 2 nov. 2024.

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