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A importância do Judiciário em Portugal e o desmanche do Judiciário brasileiro

28/12/1997 às 00:00
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Face a liberação concedida pelo Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da Oitava Região, que abrange os Estados do Pará e Amapá no Brasil, encontro-me realizando o Curso de Mestrado em Direito Processual Civil, na tradicional Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em Portugal, desde o dia 3 de dezembro de 1997.

A fim de manter o salutar intercâmbio com os colegas do Brasil, bem como correlacionar os fatos brasileiros pela ótica européia, imbuído estou na crença de que pequenos textos como o presente, podem e devem iniciar os debates numa visão mais abrangente, esperando-se o acolhimento e críticas do que a seguir se expõe.

Diante do massacre crescente por parte da mídia e dos Poderes Executivo e Legislativo do Brasil contra o Judiciário, parece oportuno se dar uma breve visão sobre o sistema Português, em especial a estruturação política-administrativa do Poder Central deste país em face do Judiciário.

Na atualidade da União Européia, é senso comum que para o fortalecimento e manutenção do Estado de Direito é vital o apoio, o incentivo e o aprimoramento do Poder Judiciário, como desaguador final dos anseios da comunidade.

Diante de tal quadro, o Brasil encontra-se na via contrária dos ensinamentos da história, já que está orquestrada uma campanha difamatória e covarde contra as Instituições Judiciárias, visando dotar de superpoderes o Executivo e o Legislativo, colocando-se em risco a estabilidade das instituições sociais e políticas, pois ao se amordaçar o Judiciário, os "príncipes" poderão reinar absoluto, sem serem incomodados com as decisões judiciais, que no discurso corrente atravanca o desenvolvimento nacional e a política dos governantes.

Portugal tem dado demonstração eficaz de apoio e prestígio ao Poder Judiciário, já que em muitas comarcas os Tribunais funcionam em outros prédios públicos - como Conselhos, Câmaras Municipais - e o primeiro passo foi dotar as Cortes de infra-estrutura física adequada as atividades jurisdicionais, tanto é assim, que o Primeiro-Ministro Português António Guterres (1), acompanhado do Ministro da Justiça, do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e do Procurador Geral da República, além de representantes regionais da Ordem dos Advogados e da Câmara de Solicitadores dos Distritos, nos dias três e quatro de novembro do corrente ano, percorreram diversas localidades, como Forno de Algodres, Sintra, Cascais, Faro, Figueira da Foz, Setúbal, dentre outras, inaugurando magníficos espaços destinados ao Judiciário (Palácio da Justiça), bem como lançaram pedras fundamentais de novas construções, estando previsto um investimento para o setor nos próximos quatro anos de milhões de dólares, afora o significativo investimento na área de recursos humanos.

Entretanto, nos últimos cinco anos, conforme dados obtidos no Tribunal de Contas da União do Brasil, as verbas orçamentárias destinadas ao Poder Judiciário, tem sido sistematicamente retiradas, algemando os Tribunais de adquirirem novos prédios, sendo que o valor atribuído sequer cobre com satisfação a manutenção e reforma dos espaços já existentes.

A mídia portuguesa, também demonstra apoio ao Judiciário, tanto que, a Rede de Televisão SIC possui um programa de segunda a sexta-feira, às 13:40 horas (local), denominado "O Juiz Decide", onde são apresentados casos do dia-a-dia e um Juiz instrui e julga o caso no ar, e a apresentadora finaliza: "O Juiz decidiu está decidido".

Por seu turno, a imprensa brasileira, capitaneada pela Rede Globo de Televisão, através dos "juristas" Alexandre Garcia, Arnaldo Jabor, Renato Machado e pela Rede Record através do sempre envergonhado Bóris Casoy, atiram indistinta e aleatoriamente acusações graves e desfundamentadas contra a Magistratura, sem a qual ainda não há uma articulação de contra ofensiva por parte dos Juízes Brasileiros, que ainda estão somente vendo os fatos acontecerem, salvo honrosas exceções.

A retórica é no sentido de que o Judiciário Brasileiro é moroso, entretanto tal negativa é vislumbrada na maioria dos Países da Europa. Em terras lusitanas a espera de uma decisão criminal dura cerca de quatro anos na primeira instância e uma demanda cível em regra tramita por três anos, porém este não é o fator de descrédito do Judiciário, já que os articulistas admitem que em casos complexos é fundamental uma investigação acurada e séria, já que se trata de direitos indisponíveis (liberdade, vida, etc...).

Para citarmos alguns exemplos da tramitação processual Portuguesa, destacamos o seguinte:

  • No dia 05.11.97, foi realizada a segunda audiência do Tribunal de Figueira da Foz, referente ao julgamento de um guarda da Secção local da Polícia, que esta sendo acusado de ter alvejado mortalmente um jovem, em setembro/94;

  • Desde agosto/93 o cidadão João Lopes tenta receber 38.000.000$00 (R$ 250.000,00), sendo que o mesmo já compareceu a 14 audiências no Tribunal de Trancoso, que foram sucessivamente adiadas, pois não se consegue entregar a notificação ao réu.

Estes são alguns exemplos dos trâmites judiciais Portugueses, porém mesmo assim, há um profundo respeito por parte do Governo e da imprensa acerca do Poder Judiciário.

Ao se questionar a matéria de forma mais abrangente, chegamos a conclusão de que o Poder Judiciário Brasileiro, que possui um dos menores quantitativos Juiz/População, falta de infra-estrutura e de dotação orçamentária adequada, realiza verdadeiro milagre.

Sob o falso argumento de se tratar de forma igual os Magistrados e os servidores públicos, tenta-se aniquilar a garantia de aposentadoria integral, elastecer o tempo de contribuição previdenciária, a idade da aposentadoria, realizar controle externo do Judiciário, afora a criação de súmula vinculante, enquanto na Europa se trata de forma bem diferenciada os administradores, inclusive os Juízes, como garantia aos próprios administrados, sendo que o princípio da igualdade não é absoluto (2).

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Ora, a Magistratura é por concepção diferente dos demais ramos da atividade pública, pois é vedada a participação partidária dos Juízes, o exercício de qualquer outra atividade, salvo o magistério, a sindicalização, dentre outras restrições, portanto a regra é da dedicação exclusiva e permanente, na atualização, interpretação e atuação do mister jurisdicional.

Quanto a alegação de altos vencimentos, a mesma não condiz com a realidade, pois o salário inicial no Brasil é de cerca de $ 4.000, enquanto os Juízes Portugueses percebem muito além, podendo haver sindicalização (3), inclusive existe a Associação Sindical dos Juizes Portugueses, além de clara definição política dos mesmos.

O Governo Brasileiro, nada fez ou faz para garantir a independência e alicerçamento do aparelho Judicial, pois está engendrado numa política social errônea ao estipular como condição básica para o desenvolvimento social a menor presença do Estado na vida econômica, deixando que os agentes produtivos por si só, estipulem, convivam e solucionem as crises da liberalização globalizante da economia.

O retrato da modernidade brasileira não revela o mínimo de respeito ao ser humano, que se vê despojado do básico e por conseqüência um Judiciário fraco, não incomoda os poderosos.

Culturalmente, os Magistrados não opinam sobre os comandos do Executivo, porém ao contrário, é justamente neste momento histórico que devemos tentar colaborar com o surgimento de uma ampla conscientização política, influindo diretamente no aceleramento das mudanças sociais e aos futuros advogados, promotores, juízes, defensores, rogando-se pela participação efetiva dos Juízes em todas as esferas da vida nacional, a indiferença aos problemas sociais não se faça presente, sejamos, então a mola aceleradora das mudanças.

Como operadores do direito, os Magistrados devem de todas as formas lutar pelo aprimoramento democrático, pelo alicerce definitivo das instituições nacionais e por fim um engajamento eficaz nas lutas justas e legítimas da sociedade, é este o papel do cidadão, e é este por primazia o papel do Juiz, que deve ter seu olhar direcionado à rua, pois como monopolizador da função jurisdicional necessita ser dotado de espírito social, isto é, preocupado sociologicamente(4) com o resultado de suas decisões, não apenas com dados estatísticos.

O fim social deve ser o bem maior do direito, que não pode ser traduzido única e exclusivamente na lei, carregada de fatores dominadores da sociedade, há de existir um maior anseio libertador aos juízes, que em muitas das vezes, por vícios adquiridos ao longo da vida, e reforçados nos bancos universitários, esquecem do seu verdadeiro mister: de distribuidor de Justiça, não de leis.

Assim, diante desse caos a Magistratura fica deitada em berço esplêndido, deixando que o Executivo e o Legislativo assumam poderes descomunais, e nada fazemos, pois ainda estamos amordaçados por uma visão estreita e pseudo neutra, basta citarmos o governo das Medidas Provisórias (5), portanto já é hora de darmos um basta a esta cascata de absurdos, pois os críticos de hoje, não passam de oportunistas do poder.

As Cortes superiores do país, apresentam profundo ranço conservador, variando as decisões (6) conforme a maré dominante do poder vigente, sendo que a estagnação atual é fruto de nossa própria inércia, é por certo revelará que os Magistrados do Brasil são cidadãos de segunda categoria.

Será este o destino do Brasil?


NOTAS

1. Em entrevista concedida ao Diário de Coimbra no dia 05.11, o Primeiro-Ministro, declarou: "uma justiça lenta dificilmente poderá ser inteiramente justa", destacando o esforço que o Governo está fazendo para melhorar as condições dos Tribunais Portugueses. É preocupação permanente do atual Governo a melhoria da Justiça, que se traduz na seguinte afirmação: "Estamos a procurar fazer um esforço de melhoria nas condições de funcionamento da Justiça, que se traduz num volume de investimentos com um salto qualitativo em relação ao passado recente".

2. Acórdão n. 14/84, de 08.02.84, do Tribunal Constitucional Português, in Diário da República, 2a. série, n. 108, pág. 4189: "O princípio da igualdade não deve nem pode ser interpretado em termos absolutos, impedindo nomeadamente que a lei discipline diversamente quando diversas são as situações que o seu dispositivo visa regular".
Acórdão n. 126/84, de 12.12.84: "O princípio da igualdade não só autoriza como pode exigir desigualdades de tratamento, sempre que, por motivo de situações diversas, um tratamento igual conduzisse a resultados desiguais".

3. Pela Constituição Portuguesa, os cidadãos têm o direito, não têm o dever (jurídico) de defender os seus direitos, como garantia aos direitos fundamentais.

4. Observa ESSER: "O Direito não é só uma directriz para os casos de conflito, mas também - e em primeira linha - regulamentação das relações sociais sãs, e portanto ordenação da vida".

5. O Supremo Tribunal Federal Brasileiro têm sistematicamente admitido a reedição infindável de Medidas Provisórias sem adentrar nos requisitos do art. 62 da Carta Política de 1988, entretanto os Juízes de primeiro grau e alguns Tribunais Regionais têm afastado a vigência das mesmas, quando não apreciadas pelo Legislativo no prazo constitucional.

6. Acentua FIKENTSCHER, que: "E isto porque só pode ser ´justa´ a decisão a que subjaz a mesma medida para todos os casos a valorar juridicamente do mesmo modo".

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Sobre o autor
Carlos Zahlouth Júnior

juiz do Trabalho em Belém (TRT da 8ª Região), vice-presidente da Amatra VIII, professor de Direito na UFPA e na UNAMA, pós-graduado em Processo Civil pela Universidade de Coimbra (Portugal)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZAHLOUTH JÚNIOR, Carlos. A importância do Judiciário em Portugal e o desmanche do Judiciário brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 22, 28 dez. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/262. Acesso em: 18 abr. 2024.

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