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A extradição

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03/01/2014 às 08:33
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v  – CONTROLE JURISDICIONAL DO ATO DE EXTRADIÇÃO

A  teor do artigo 83 do Estatuto do Estrangeiro nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a sua legalidade e procedência, não cabendo recurso dessa decisão.

Trago a lição de Bento de Faria[11] que considera que a extradição é ato complexo, como manifestação da soberania, uma vez que a faculdade de negá-la ou concedê-la pertence ao Chefe do Poder Executivo embora subordinado a prévia decisão da autoridade judiciária. Todavia que seja favorável à entrega, a deliberação do Tribunal, o Estado poderá recusá-la, tais sejam as razões de ordem pública, das quais será o único juiz. Porém, registro, que não é lícito aceder à solicitação contrariamente à manifestação da justiça, com a qual terá de conformar-se.

Não caberá no processo extraditório qualquer debate sobre o mérito da ação penal a cargo da Justiça do Estado requerente, não cabendo ao Supremo Tribunal Federal examinar o mérito da condenação ou ainda emitir juízo com relação aos vícios que tenham maculado o processo no Estado requerente.[12]

Há uma fase administrativa na extradição e uma fase judicial. Nesta última é competência do Supremo Tribunal Federal decidir se autoriza, ou não, a extradição de um estrangeiro ou de um brasileiro naturalizado. Naquela primeira etapa, compete ao Poder Executivo(Ministério da Justiça e Presidência da República) realizar ou não a entrega do extraditando ao país estrangeiro. Mas, a entrega somente será feita se por autorização do Supremo Tribunal Federal. Lembro, todavia, que na Extradição 1085, conhecido como o célebre caso Battisti,[13] entendeu-se que, por decisão do Executivo, de índole política, pode haver recusa de entrega, mesmo que o Supremo Tribunal Federal haja autorizado a extradição.

Ao final, uma vez deferido o pedido – e isto já significa aos olhos do país requerente, um ato de aceitação de sua garantia de reciprocidade – o governo local toma ciência da decisão e procede(se assim entender por bem) a entrega do extraditando ao país que o requereu. Entretanto, convém registrar, sendo o Presidente da República, do que se lê do artigo 84, inciso VII da Constituição Federal, o competente para manter relações com Estados estrangeiros, será sua -  e não do Poder Judiciário – a palavra final sobre a efetiva concessão da medida. Assim autorizada pelo Supremo Tribunal Federal a extradição, compete ao Presidente da República decidir em definitivo sobre a sua  conveniência, sendo perfeitamente possível que a autorização do Excelso Pretório não seja efetivada pelo Presidente da República sem que se possa falar em crime de responsabilidade. Para Carmen Tibúrcio e Luis Roberto Barroso[14], o Presidente da República somente será obrigado a efetivar a medida – quando existir tratado de extradição entre os dois países, uma vez que se estará diante de uma obrigação internacional assumida pelo Presidente da República Federativa do Brasil, que não pode ser desrespeitada pelo Governo.

Pois bem: concedida a extradição(artigo 86), será o fato comunicado através do Ministério das Relações Exteriores à Missão Diplomática do Estado requerente que, no prazo de sessenta dias da comunicação, deverá retirar o extraditando do território nacional(remunerado pela Lei 6.964, de 9 de dezembro de 1981). No caso específico do tratado de extradição entre o Brasil e a Itália, artigo XIV, o prazo para a entrega será de 20 dias e partir da data em que esta poderá ter lugar. Aliás, a decisão de concessão da extradição perderá a eficácia se, no prazo determinado, a parte requerente não proceder à retirada do extraditando.

Se o Estado requerente não retirar o extraditando do território nacional no prazo destacado de sessenta dias, será ele posto em liberdade, sem prejuízo de responder ao processo de expulsão, se o motivo da extradição o recomendar(artigo 87). Mais uma vez  lembra-se: a liberdade é a  regra e a prisão a exceção.

Indeferido o pedido de extradição, por óbvio, dever-se-á expedir um alvará de soltura do extraditando. Outra consequência é que negado pelo Supremo Tribunal Federal o pedido de extradição este não poderá ser renovado pelo mesmo fato imputado ao extraditando.[15]

Quanto a extradição do brasileiro naturalizado, trago a lição de Pontes de Miranda[16] quando diz que pode ser pedida a extradição de ex-estrangeiro, isto é do naturalizado brasileiro, por fato anterior à naturalização, se a naturalização não podia ser deferida, posto que o tivesse sido, mas é preciso que primeiro tenha eficácia a decisão constitutiva negativa de registro de nulidade; por outro lado, cancelada a naturalização de alguém, pode ser concedida a extradição, se o crime é anterior à naturalização e esta não podia ser diferida  ou, tratando-se de cancelamento propriamente dito, se posterior ao tempo em que foi brasileiro. Sendo assim não é permitida a extradição de brasileiro, ainda que naturalizado, se a naturalização for anterior ao crime. Isto porque a naturalização posterior ao crime não impede a extradição. Aliás, o artigo 5º, LI, da Constituição Federal determina que o brasileiro naturalizado não poderá ser extraditado por fatos ocorridos após a naturalização, norma esta reproduzida no artigo 77, I, da Lei 6.815/80. O próprio Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de impossibilitar o pleito de extradição após a solene entrega do certificado de naturalização pelo juiz, salvo comprovado envolvimento em crime de trafico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei.

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VI – CONCLUSÕES

Em sendo assim, tenho em resumo:

a) O Ministério da Justiça pode enviar aviso ministerial(representar) para o Supremo Tribunal Federal para a decretação da prisão cautelar para fins de extradição, sempre que receber um pedido de Estado estrangeiro, ouvido,previamente, o Procurador-Geral da República;

b) Tal pedido pode ingressar no Brasil, por via diplomática, ou por meio do Departamento de Estrangeiros do próprio órgão central, Ministério da Justiça e ainda pela Interpol, como se vê nos casos da chamada difusão vermelha no Brasil(wanted), que será mais um canal para que o pedido tramite;

c)  Se o registro sobre a existência do mandado de prisão constar do sistema informático da Interpol(representada no Brasil pela Polícia Federal, Departamento do Ministério da Justiça), tomando ciência da presença de  tal pessoa no território nacional, o Ministério da Justiça deve representar ao Supremo Tribunal Federal para a decretação da prisão cautelar do procurado.

E se vencido o prazo de noventa dias, um verdadeiro prazo de decadência, o Estado estrangeiro não apresentar, formalizar, um pedido de extradição, nos termos dos artigos 76 e seguintes do Estatuto do Estrangeiro, o procurado será posto em liberdade pelo Supremo Tribunal Federal. A lei é clara, do que se lê do artigo 82, § 3º, § 4º, devendo o extraditando ser posto em liberdade, e o novo pedido prisional pelo mesmo motivo somente poderá tramitar no bojo de processo extradicional formalmente instaurado.

Em qualquer hipótese a competência para autorizar a extradição continua sendo do Supremo Tribunal Federal, conforme do artigo 102, I, letra g, da Constituição Federal, como assim é para decretar a prisão cautelar em espécie.


Notas

[1] CAHALI, Yussef Sahid. Estatuto do Estrangeiro, São Paulo, Saraiva, 1983, pág. 297.

[2] RUSSOMANO, Gilda Maciel Corrêa Mayer. Aspectos da extradição no direito internacional público, Rio de Janeiro, José Konfino Editor, 1960, pág. 10.

[3] RTJ 43:168.

[4] O Instituto de Direito Internacional, através da Resolução de Oxford, de 1880, já fixara que uma medida grave não se deve aplicar senão a infrações de alguma importância. Por ser assim os tratados devem enumerá-los com precisão. 

[5] Extradição 253; Extradição 264; Extradição 292, dentre outras.

[6] Extradição 337, RT 544: 468, dentre outras decisões.

[7] HC 51.977, RTJ 70:333.

[8] ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de processo penal brasileiro anotado, 4ª edição, Rio de Janeiro, Barsoi, 1954, volume I, pág. 147.

[9] BRIGGS, Arthur. Extradição de nacionais e estrangeiros, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1919, pág. 105 e  106.

[10] HC 55.285, RTJ 82: 138.

[11] BENTO DE FARIA, Antônio. Direito extradicional, Rio de Janeiro, ed. J. Ribeiro dos Santos, 1930, pág.. 92 e 93.

[12] RTJ 73: 11.

[13] Aqui, mister se lembre que há certo consenso quanto ao princípio da não-extradição por delito político. Aliás, a concessão de asilo diplomático ou territorial não impede só por si a extradição, cuja procedência é de apreciação do STF e não do governo.

[14] TIBÚRCIO, Carmen & BARROSO, Luis Roberto. Algumas questões sobre a extradição no direito brasileiro, in Revista Forense, volume 354, ano 97, Rio de janeiro, mar/abri/2001, pág. 84.

[15] Extradição 126 – Uruguai.

[16] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1946, volume IV, pág. 427 a 428. 

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A extradição . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3838, 3 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26302. Acesso em: 25 abr. 2024.

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