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Estado Pós-Moderno: uma escritura política

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07/01/2014 às 15:22
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A crise do porvir

Portanto, o pior da crise está no porvir. Não sabemos ou não inventamos nada melhor do que esta maquinaria política para organizar nossas desavenças e desigualdades políticas. Entretanto, é nítida a crise de legitimidade, como se este maquinário não servisse mais aos desafios do presente-futuro.

Ocorreu o desmantelamento da significação da vida; o pensamento matemático invadiu todas as esferas da vida. Não é somente uma crise do sistema capitalista; é pois o fim de toda a concepção de modernidade que surgiu com o Renascimento. Estamos no auge do colapso de um movimento individualista que terminou na massificação; de um movimento naturalista que terminou na máquina; de um movimento humanista que terminou na desumanização[41]. Nosso colapso, enfim, está na incapacidade de não termos o que por no seu lugar – e as alternativas engendradas são utópicas (viver sem Estado) ou ilegítimas (reger-se por organismos multinacionais).

Mesmo um Estado Multinacional, formado por organismos multilaterais, precisará definir a soberania e quem estaria legitimado para a requisição e o exercício do poder. Ao invés de milhões, nos cinco continentes, obrigatoriamente, vamos consultar sete bilhões de pessoas em plebiscitos sobre a forma, o regime e o sistema de governo? O que fazer se esse Estado cair refém da autofagia (como o nazismo fez com a República de Weimar)?

E os dissidentes, serão eternos apátridas, por não terem outro Estado a quem pedir asilo? Contando-se com uma única base para o Poder Político, todo pluralismo social será reduzido a um pretenso monismo jurídico. Neste caso, a única diferença entre o Estado Moderno atual e o super-Estado é o fato de que se conhecerá somente um território: o território global. E a crise desse Estado Global não será menor do que a de agora. Se é certo que enfrentamos a crise do Estado Leviatã[42] (ou Estado Guarda-Noturno[43]), qual a vantagem de trocá-lo por outro ainda maior?

Nossa crise política é de significado e não de ressignificação, como sempre ocorrera no passado das tradições políticas. Portanto, é uma crise de futuro e não de passado. Não nos basta refazer o passado, modificar o Estado, é preciso inventar o futuro, reinventar o Poder Político. Enfim, estamos prontos para abandonar os conceitos da vida pública moderna:

  • Por Federação se entende o predomínio dos direitos público-subjetivos; publicidade; responsabilidade; legitimidade; salus publica (saneamento da estrutura do Estado). Mas, não é isso que queremos.
  • A República é uma barreira moral, a Federação é a defesa contra a prepotência e a Democracia é um conjunto de promessas que o Povo deve ansiar, bem como exigir sua concretização.

O passado, todo o passado, é mesmo uma roupa velha que não nos serve mais? Mas, sem vestimentas de outra grife, andaremos todos nus?


Notas

[1] CASSIRER, Ernst. O mito do Estado. São Paulo : Códex, 2003.

[2] No Brasil, o colonial não é apenas a ilustração de um móvel; é a própria falta de Ilustração que se forjou em meio ao colonialismo.

[3] Ironicamente, mesmo na ampla parcela de Brasil atrasado, o Estado de Direito meio-colonialista é moderno. Principalmente se lembrarmos que apenas o projeto do Iluminismo era agregador e que nosso modelo econômico soube articular a escravidão com o capitalismo (já monopolista).

[4] ALIGUIERI, Dante. A Divina Comédia – Inferno. São Paulo : Editora 34, 1998.

[5] São elementos de destaque deste período: Antropocentrismo, Humanismo, Racionalismo e o respeito à individualidade.

[6] Enfim, qual é a dimensão do Brasil que, sequer, conhece a modernidade? Não é à toa que só aportou por aqui em 1920. Aliás, tanto é assim que, a maioria do povo nem sabe que houve uma Semana de Arte Moderna.

[7] No caso do Brasil e de outros emergentes a relação é bastante reveladora: estamos no passado quando nos lembramos da extrema desigualdade social e econômica, no atraso do ensino público, na morte do sistema de saúde. No coronelismo político. Entramos pelo presente quando – a despeito de toda a barbárie social, da violência generalizada – vemos que o povo quer trabalhar e prosperar: não desiste nunca. No entanto, nosso futuro está comprometido, porque – como é próprio de nosso tempo – não temos projeto algum, de coisa nenhuma. O Brasil é um caso típico e clínico para quem analisa e avalia a Modernidade Tardia.

[8]BACON, Francis. Novum Organum& Nova Atlântida. São Paulo : Editora Nova Cultural, 2005.

[9] BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro : Campus, 2000.

[10]ARENDT, Hannah. A Condição Humana. São Paulo: Editora Forense Universitária, 2007.

[11] JELLINEK, Georg. Teoría General del Estado. México : Fondo de Cultura Económica, 2000.

[12] WEBER, MAX. O Estado Racional. IN : Textos selecionados (Os Pensadores). 3ª ed. São Paulo : Abril Cultural, 1985, p. 157-176.

[13]  A Razão de Estado assegura que o Estado tem absoluta razão de ser, assim como o ser é humano na medida em que se habilita pela ação/relação política.

[14]DELEUZE, Gilles & GUATARRI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. V. Rio de Janeiro: Editora 34, 2005.

[15] LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o governo civil e outros escritos. Petrópolis-RJ : Vozes, 1994.

[16] FALCÃO, Joaquim & SOUTO, Cláudio. Sociologia & Direito. 2ª ed. São Paulo : Pioneira, 2001.

[17] GURVITCH, Georges. La idea del derecho social. Granada-ES : Editorial Comares, 2005.

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[18] Há que se frisar que, no Neolítico, o homem inventou concomitantemente a política, a tecnologia e a arte.

[19]BALANDIER, Georges. Antropologia Política. São Paulo : Difusão Europeia do Livro & Editora da Universidade de São Paulo, 1969.

[20] MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

[21] MARTINEZ, Vinício Carrilho. Teorias do Estado: metamorfoses do Estado Moderno. São Paulo :Scortecci, 2013.

[22] MARX, Karl. Formações Econômicas Pré-capitalistas. 6ª ed. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1991.

[23]BACON, op. cit.

[24]PISIER, Evelyne (org.). As teorias do Estado Cientificista. IN : História das idéias políticas. Barueri-SP : Manole, 2004.

[25]DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 21ª ed. São Paulo : Saraiva, 2000.

[26] DI FELICE, M. & MUÑOZ, C. A revolução Invencível - Subcomandante Marcos e Exército Zapatista de Libertação Nacional - Cartas e Comunicados. São Paulo : Boitempo Editorial, 1998.

[27] MENEZES, Aderson. Teoria geral do Estado. 8ª ed. Rio de Janeiro : Forense, 1998.

[28] ROJAS, Andrés Serra. Diccionario de Ciencia Politica. II Vol. Fondo de Cultura Económica – Facultad de Derecho/UNAM : México, 2001.

[29] O cidadão que se sente lesado pelo ato corrupto deveria acionar judicialmente para não ter seus impostos jogados fora e cobrados novamente para tapar o rombo.

[30]CHEVALLIER, Jacques. O Estado Pós-Moderno. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009.

[31] LYOTARD, J-F. A condição pós-moderna. Lisboa : Gradiva, 1989.

[32]VIRILIO, P. Velocidade e Política. São Paulo : Estação Liberdade, 1996.

[33] MACLUHAN, Marshall. Macluhan por Maculan: conferências e entrevistas. Rio de Janeiro, Ediouro, 2005.

[34] LÉVY, P. O que é o virtual? São Paulo : Editora 34, 1996.

[35] DEBRAY, Régis. O Estado Sedutor: as revoluções midiológicas do poder. Petrópolis-RJ : Vozes, 1993.

[36] Parafraseando o pensamento jurídico, o que não está nas ondas das imagens catódicas não está no mundo.

[37] CANOTILHO, J.J. Gomes. “Brancosos” e interconstitucionalidade. Itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional. Coimbra: Editora Almedina, 2006.

[38] Como se vê na expressão francesa, o fractal é aqui empregado no sentido de uma profunda artificialidade.

[39] SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado: novos paradigmas em face da globalização. 4ª Ed. São Paulo : Atlas, 2011.

[40] GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo : Editora da Universidade Estadual Paulista, 1991.

[41] SÁBATO, Ernesto. Homens e engrenagens: reflexões sobre o dinheiro, a razão e a derrocada de nosso tempo. Campinas, São Paulo : Papirus, 1993.

[42]HOBBES, Thomas. Leviatã. Col. Os Pensadores. 3ª ed. São Paulo : Abril Cultural, 1983.

[43] O Estado Liberal, sempre preocupado com a segurança, abdicou dos demais direitos público-subjetivos.

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Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Estado Pós-Moderno: uma escritura política. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3842, 7 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26336. Acesso em: 19 abr. 2024.

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