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Processo Judicial Eletrônico (PJe): morosidade virtual

08/01/2014 às 16:20
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Demonstram-se a desumanização e o menoscabo aos direitos fundamentais, por conta do processo judicial eletrônico, sem que sejam corrigidas suas falhas.

Com minha presença na Comissão Permanente de Acessibilidade do Sistema Processo Judicial Eletrônico, gestei alguns pontos de reflexão sobre o procedimento digital[1], sempre com vistas à busca de sua eficiência e acessibilidade.

Contudo, por intermédio do noticiado por um advogado, amigo meu, fui surpreendido pelo fato de que, havendo a distribuição de Mandado de Segurança na Justiça Federal[2] – durante o recesso forense de final de ano –, em que pese se ter comprovação do sucesso do envio eletrônico da petição inicial e documentos, o writ sequer fora distribuído de imediato, isto é, nem o causídico e nem as partes conseguem visualizar os autos virtuais.

Então, destaquei uma “demora virtual”, porque: se o processo é digital, não deveria constar da plataforma do website desde a sua impetração? De igual modo, a distribuição, qualquer que fosse a época do ajuizamento, não deveria ocorrer pelo próprio sistema informatizado?

Ora, qualquer cidadão, minimamente alfabetizado, ao avistar-se com a Constituição Federal, especialmente  no que vem gizado pelo art. 93, inciso XV, este acrescido pela Emenda Constitucional 45/2004,  leria: “a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição”. O que é imediato para o Poder Judiciário?

É de se registrar, também, que em nosso país vige o sistema de separação dos poderes, bem expendido no art. 2º da Carta Política[3], onde, ao Poder Judiciário, cumpre julgar processos com celeridade[4].

Se nossos conterrâneos, mesmo leigos no trato com o Direito, avançassem no texto constitucional, chegariam ao art. 37, caput, que obtempera: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte”. Indagariam: O Poder Judiciário deve pautar-se pela legalidade e eficiência? O que isso significa?

No caso em apreço, imaginarão que, lançado no sistema à petição do Mandado de Segurança e seus documentos, haveria de se ter distribuição imediata – primeira frustração. Continuariam pensando: digitalizado tal procedimento, pelo próprio advogado – e vejam bem, pelo próprio advogado, e não por serventuário do Judiciário! –, veriam no website o expediente informatizado, porque observaram na Carta Política o vocábulo “eficiência” – segunda decepção.

A docente Denise Heuseler[5] , lembrando Lassalle, pontua: “’Uma constituição escrita não passa de uma folha de papel escrita’. Desta forma é desimportante, e carente de força normativa, só terá efetividade quando corresponder à realidade. Se não corresponder aos fatores reais do poder, não passa de mera folha de papel”.

Abate-me profunda tristeza, para dizer o mínimo, quando me deparo com o Poder Judiciário, cuja missão de seus integrantes é cumprir a Constituição e as leis[6], apartando-se dos princípios da legalidade, da publicidade e da eficiência, tornando a Carta Republicana mais que um papel em branco, uma vera folha virtual, evanescente.

Imagine o cidadão de boa-fé passando os olhos pelo art. 20, da Lei 12.016/2009, onde está gizado: “Os processos de mandado de segurança e os respectivos recursos terão prioridade sobre todos os atos judiciais, salvo habeas corpus”.

Se a petição do Mandado de Segurança, digitalizada e lançada no sistema, tampouco é distribuída imediatamente, a tal prioridade assinalada pela norma é um engodo! Os cânones da publicidade e da eficiência, esculpidos com tintas fortes na Lei das Leis, estão galvanizados pelo manto da realidade virtual! Só não é virtual o desembolso das custas processuais, porque até a sua comprovação é passível de digitalização!

De sobressalto em sobressalto, bem enunciado nas exclamativas lançadas no parágrafo antecedente, a única realidade concreta é que o processo se instaura, a bem da verdade, quando um servidor do Poder Judiciário assim o deseja, em que pese ser o consumidor de tal prestação, pessoa diversa, o jurisdicionado.

Portanto, o processo judicial eletrônico deveria – e deverá – servir de ponte, com mínimo de interpostas pessoas (atravessadores) entre o jurisdicionado e o julgador, ou seja, um canal de comunicação diretamente aberto entre os sujeitos do processo, evitando-se os burocratas do sistema, tão ao gosto das ordenações do reino luso, de onde supomos independentes, a contar de 1822.

Evoco, vez outra, a Lei 11.419/2006, que “dispõe sobre a informatização do processo judicial”, onde vaticina: “Art. 3º Consideram-se realizados os atos processuais por meio eletrônico no dia e hora do seu envio ao sistema do Poder Judiciário, do que deverá ser fornecido protocolo eletrônico”.

Naturalmente, o mero protocolo eletrônico, não seguido da distribuição incontinenti da ação, não serve para nada quanto à salvaguarda dos direitos materiais do impetrante, tão somente impedindo o prazo decadencial. Porque, se uma pessoa estiver moribunda, carecendo de internação hospitalar, indevidamente sonegada pela União, valendo-se do Mandado de Segurança em recesso forense, morrerá com o protocolo eletrônico na mão. Será assim o defunto eletrônico! Isso porque, hodiernamente, não se tem “canais de comunicação para atendimento para o usuário externo do sistema nas modalidades online, telefônica e presencial, garantindo pessoal técnico proporcional ao número de usuários do sistema na Região”, como bem evidenciado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

A família do falecido revoltar-se-ia ainda mais, quando deparasse com esta norma constitucional: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”.

Em suma, como está o processo judicial eletrônico, com todo respeito, fica evidente a seguinte metáfora: a Constituição é a rosa, o Poder Judiciário é o espinho[7]. Os atores do processo, mormente as partes, os feridos, “masoquizados” – já que sua submissão à essa burocratização é arcaica, morosa, desmedida, desumana e inconstitucional –, não têm, infelizmente, outra opção mais segura e sã para ter seus direitos assegurados.

Deve-se ponderar, contudo, que se houve a necessidade da impetração de Mandado de Segurança – salvo casos de perceptível equívoco por parte do autor, supostamente lesado – significa ter havido, anteriormente, uma falha no reconhecimento de um outro direito, líquido e certo, do jurisdicionado. Então o que se tem, é uma falha redundante, por tentar corrigir morosidade com mais morosidade, descaso com mais descaso! O que fere tratado internacional[8], tido na plaga brasileira como equivalente à norma nacional (Emenda Constitucional).

É oportuna a verve do pranteado Piero Calamandrei: "Conheci um químico que, quando no seu laboratório destilava venenos, acordava as noites em sobressalto, recordando com pavor que um miligrama daquela substância bastava para matar um  homem. Como poderá dormir tranquilamente o juiz que sabe possuir, num alambique secreto, aquele tóxico sutil que se chama injustiça e do qual uma ligeira fuga pode bastar, não só para tirar a vida mas, o que é mais horrível, para dar a uma vida inteira indelével sabor amargo, que doçura alguma jamais poderá consolar?[9]"

Finalizo com mais este lamentável episódio que assolou a advogada Deborah Prates, onde o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a meu sentir, rasgou a Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU), o qual pode ser visualizado no site Conjur (http://www.conjur.com.br/2014-jan-07/cnj-nega-peticao-papel-advogada-cega-nao-usar-pje?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook ).


Notas

[1] Disponível em: http://jus.com.br/artigos/26111/processo-judicial-eletronico-pje-acessavel-ou-acessivel. Acessado em:  06 de janeiro de 2014.

[2] Não é à toa que o Conselho Federal da OAB,  os Presidentes dos Conselhos Seccionais da OAB, a Associação dos Advogados Trabalhistas (ABRAT), a Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), o Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) e o Movimento de Defesa da Advocacia (MDA), vêm propugnando pela unificação das versões do Processo Judicial Eletrônico (PJe) instaladas nos diversos Tribunais do País, porque, como está, cada Sodalício tem sua plataforma de processo digital.

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[3] "Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário".

[4] Conferir estes permissivos constitucionais: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...) XXXV a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (...) LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” (ausente parênteses e reticências na fonte) (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

[5] Perspectiva Histórico-Evolutiva da Constituição, publicada no sítio “Universo Jurídico”, no endereço eletrônico seguinte:

http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/8732/perspectiva_historicoevolutiva_da_constituicao. Acessado em: 06 de janeiro de 2014.

[6] Lei Complementar nº. 35, de 14 março de 1979: “Art. 35 Dos Deveres do Magistrado: I - Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício”; e O Código de Ética da Magistratura Nacional, de lavra do Conselho Nacional de Justiça: “Art. 2º Ao magistrado impõe-se primar pelo respeito à Constituição da República e às leis do País, buscando o fortalecimento das instituições e a plena realização dos valores democráticos”.

[7] Aliás, não há pecado só no processo judicial eletrônico do Poder Judiciário, porque ele mesmo, em sua estrutura, está corroído. A guisa de exemplo, uma mãe e sua filha menor, em período natalino, encontra-se em Itajubá-MG. A infante, seduzida com os mimos avuengos, resolve ficar mais um tempo por lá, dado que está em gozo de férias. Sua genitora bate às portas do Fórum em busca de uma autorização para que a menor viaje desacompanhada. E, com surpresa, recebe a informação de que o Juiz Plantonista não reside na Comarca de mais de 90.000 habitantes, mas em outra, que dela dista cerca de 40 quilômetros (Cristina-MG), a qual é de pequena densidade demográfica. A Corregedoria Geral de Justiça das alterosas não sabe disso? É também digital essa ocorrência?

[8] Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969), promulgada, no Brasil, pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, com o seguinte teor:

“Artigo 25 - Proteção judicial

1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.

2. Os Estados-partes comprometem-se:

a) a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso;

b) a desenvolver as possibilidades de recurso judicial; e

c) a assegurar o cumprimento, pelas autoridades competentes, de toda decisão em que se tenha considerado procedente o recurso”.

Disponível em:

http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm. Acessado em: 06 de janeiro de 2014.

Deve-se atentar, também, para o art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, que reza o seguinte:

“Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)   (Atos aprovados na forma deste parágrafo)”.

[9] Extraído deste endereço eletrônico:

http://atualidadesdodireito.com.br/rodrigocastello/2012/05/17/mestre-calamandrei/. Acessado em: 06 de janeiro de 2014.

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Sobre o autor
Emerson Odilon Sandim

Procurador Federal aposentado e Doutor em psicanalise

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANDIM, Emerson Odilon. Processo Judicial Eletrônico (PJe): morosidade virtual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3843, 8 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26350. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Este artigo foi escrito com coautoria com meu filho Luís Sérgio Mesquita Sandim.

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