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Considerações sobre a prova nos negócios jurídicos na sistemática jurídica brasileira

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15/01/2014 às 16:22
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Notas

[1] O negócio jurídico logo que aperfeiçoado pode precisar de meio de prova, visando à certeza e à segurança jurídica. O Código Civil de 2002, entre seus arts. 212 ao 232 que trouxe um capítulo específico sobre os meios de prova, e que busca facilitar a matéria já regulamentada pelo direito processual.

[2] A noção de forma pode obter significado mais amplo, referindo-se ao veículo pelo qual a declaração de vontade exterioriza-se, tornando-se objetivamente reconhecível; em outro sentido, mais específico, identifica-se com o próprio instrumento, que expressa a declaração de vontade. Quando se refere à forma como requisito do negócio jurídico, deve se atentar para o sentido dado por Caio Mário da Silva Pereira que a define como meio técnico, que o direito institui para a declaração de vontade. Ressalvando-se que o mesmo doutrinador também reconhece o outro sentido dado à forma pelo direito brasileiro ligada ao próprio meio de exteriorização da vontade. (In: PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. vol. I, 6.ed., Rio de Janeiro: Editora Forense,  1996, p. 376).

[3] Alessandro Giuliani, o jusfilósofo italiano chegou a dizer que toda a ciência jurídica se reduz a uma ciência das provas e que o próprio direito não existe independentemente de sua prova. (In: GIULIANI, Alessandro. Il concetto di prova. Milano: Giuffrè (reedição inalterada), 1971, p.233). Lessona em seu Tratado delle prove in materia civile considerava a definição de prova um conceito comum, eminentemente prático: dar ao juiz a certeza do ser e do modo de ser dos fatos controvertidos.

[4] O processo estuda apenas os meios e o modo como o conhecimento dos fatos é produzido como premissa necessária da sentença judicial, estabelecendo ainda, juntamente com o direito material e em benefício deste, algumas regras mais ou menos interventivas na sua investigação ou na sua avaliação. Se essas regras jurídicas tiverem sido observadas, nenhuma importância terá o resultado, que poderá tanto estar próximo quanto distante da realidade da vida.

[5] Para Carnelutti, a prova é a fixação formal do fato controvertido, condicionada por percepções obtidas e deduções extraídas de acordo com o ordenamento jurídico. Jaime Guasp manifesta-se sua preferência por uma concepção processual da prova, proclamando: "sem juiz ou sem processo, não há prova". Moacyr Amaral Santos na definição de prova que concilia os elementos objetivo (os meios) e subjetivo (a certeza ou convicção) acrescenta que os meios e a convicção dependem do modo e da forma como se apresentam e são apreciados. Cabe às partes e ao juiz trazer os fatos ao processo, segundo a forma determinada na lei. Por isso, o que existe, realmente, é a demonstração, a exibição, a investigação dos fatos, respeitadas as regras processuais. Em síntese, prova é a soma dos fatos produtores da convicção, apurados no processo.

[6] Bentham nos informa que a prova é um instrumento que o processo tomou emprestado da realidade da vida, porque delas todos fazem uso cotidiano como meio de caracterizar a existência de fatos relevantes, o seu grau de exigência deve acompanhar as imposições dessa mesma realidade.

[7] Não se justifica a dita diferença entre o processo civil e o processo penal em termos probatórios. Em verdade, a prova resulta da importação de uma concepção do processo civil típica dos litígios entre particulares, diferenciada do processo das causas do Estado, em geral confiada a uma outra jurisdição. As peculiaridades procedimentais dos sistemas normativos podem diferenciar em aspectos acessórios os sistemas probatórios civil e penal de determinado ordenamento jurídico, assim como podem distinguir os regimes da prova em litígios de jurisdições civis diversas.

[8] Alguns processualistas criticam o referido tratamento legal e acreditam que o tema é mais tocante ao direito instrumental do que ao direito material. Desta forma, Alexandre Freitas Câmara expõe que: “O Código Civil é criticável por diversas razões entre as quais não distinguir entre a prova e a forma dos atos jurídicos, sendo certo que o C.C. de 1916 fazia tal distinção”.

[9] Um resquício das antigas formas de formalismo contratual é a divisão entre negócios formais e solenes. Portanto, não há sólidas razões, para hoje distingui-los. Todo contrato possui uma forma, e o contrato formal seria aquele no qual algum requisito é imposto para a exteriorização da vontade. Diz-se solene onde predomina as formas rituais, onde gestos e simbolismos específicos gozavam de um valor intrínseco cuja importância em grande parte perdeu-se no tempo. Na liberdade de forma exige-se que a conduta seja clara e inequívoca, sem que seja exigida a literalidade da declaração exteriorizar-se de um modo específico. A forma, em si, não se confunde com a manifestação de vontade, sendo o objetivo da declaração um conteúdo e o da forma, um meio. A forma é o mínimo indispensável de qualquer negócio jurídico. Nada mais é que uma possibilidade objetiva de reconhecer a conduta dentro do ambiente social em que se produziu, na medida em que revela - mesmo sem que o seu autor tenha disso consciência ter-se tomado determinada posição em relação aos interesses em jogo.

[10] Deve se cuidado com a dicotomia havida entre as funções constitutiva e a probatória da forma, nas figuras da forma ad solemnitatem e ad probationem, observando em separado os negócios para cuja realização a lei prescreve determinada formalidade como substância dele próprio, sem a qual não pode produzir efeitos, daqueles para os quais uma formalidade é necessária para a prova somente. Para Beviláqua, porém, descabe a distinção entre a forma ad solemnitatem e ad probationem, visto que o resultado final da inobservância tanto de uma modalidade quanto de outra será idêntico: a não produção de efeitos jurídicos. Opinou no mesmo sentido Sant Tiago Dantas.

[11] Afora isso, esclareceu Alexandre Freitas Câmara que muitas disposições do Código Civil de 2002 sobre prova são incompatíveis como o atual modelo processual brasileiro. A utilidade de um direito mede-se pela possibilidade de que se dispõe para se realizar prova de um fato. De nada adianta possui um direito se não se tem os meios para prova-lo. Na verdade, o que se prova não é o direito e, sim, o fato relacionado com o direito. Cumpre também assinalar que o Direito não se contenta com “a verdade processual”.

[12] San Tiago Dantas já questionava se o formalismo que ainda perdurava na sua época seria um resíduo histórico que a evolução extinguirá, ou, pelo contrário, devemos entender que há razão para estas solenidades e que estas devem ser consideradas no nosso direito de hoje?

[13] Existe também o problema do silêncio tido como manifestação de vontade. Merece menção a tendência da doutrina mais recente em qualificar tal situação como uma hipótese de declaração presumida de vontade, e não como uma subespécie de declaração tácita, e muito menos da expressa. A justificar, revela-se que a declaração presumida somente pode se originar de um ato negativo, uma declaração omissiva que é o silêncio, enquanto que a declaração tácita depende de uma declaração ativa.

[14] São quatro funções que a forma basicamente exerce: a função constitutiva, pela qual se atribui efeito ao negócio pela observância da forma a ele prescrita (forma dat esse rei). Nesse caso, a forma é elemento essencial que impossibilita que o negócio seja convalidado posteriormente, identificamos também a forma chamada de ad solemnitatem. Outra função é a integrativa, onde a forma prescrita em lei é um requisito ao lado de demais requisitos, o na realidade é uma variação da função anterior. A função da publicidade, atribuída pela observância de certo requisito formal, garante a eficácia do negócio jurídico perante terceiros, que não podem alegar ignorância sobre sua realização pela presunção de publicidade decorrente. Por derradeiro, há ainda a função probatória, peculiar da formalidade ad probationem que irá influir no valor probatório do negócio realizado mediante uma determinada forma, seja pela menção aos meios formais admitidos (aspecto positivo da função), seja pela exclusão dos meios formais que não serão admitidos como prova (aspectos negativos).

[15] São os direitos dos quais a pessoa humana não poderá renunciar, tal como o direito à vida, à liberdade, à saúde, à educação, e à dignidade humana. Mesmo um órgão como rim ou pulmão não poderá ser vendido, embora em tese lhe pertença. Na verdade, os direitos indisponíveis protege a pessoa até dela mesma. Nas causas que versam sobre direitos disponíveis, o respeito ao princípio dispositivo é regra salutar que protege a imparcialidade do juiz, todavia não é regra absoluta, pois o juiz deve abandoná-lo e tomar a iniciativa de produzir provas sempre que for necessário assegurar in concreto a paridade de armas, assim como evitar que as partes se distanciem da verdade objetiva.

[16] A crítica processualista aponta como errôneo dispositivo pois que estabelece um rol de institutos jurídicos de naturezas diversas, pois os testemunhas e documentos são fonte de prova enquanto que confissões e perícias são meios de provas e presunções são meras conclusões.

[17] É verdade que a função contemporânea da forma deve partir dos predicados do negócio rigidamente formal já conhecido do próprio jurista que estabeleceu o desapego a tal rigidez como princípio, e a razão deste negócio coexistir. Emílio Betti enumerou as clássicas vantagens que o negócio formal apresenta sobre os demais principalmente no sentido de garantir a seriedade do negócio (que é o ponto apontado pelos irmãos Mazeaud e Chabas); de definir com clareza e precisão os termos do negócio; de marcar o tempo da sua formação; e facilitar a conservação de todos estes elementos para fins probatórios.

[18] O formalismo contemporâneo tem como motivação não mais a literalidade dos atos e a simples segurança jurídica que orientavam o formalismo primitivo, mas sim valores cuja proteção pode ser atingida através da interposição do requisito formal para negócios que o demandem. O princípio da transparência do contrato pode ser óbice a uma demasiada ampliação da liberdade de forma, ao se verificar que determinados contratos podem se socorrer do requisito formal para garantir que a transparência e o dever de informação resultem respeitados.

[19] A prova quanto sua natureza é meio objetivo pelo qual a verdade chega ao nosso espírito, a relação concreta entre a verdade e o espírito humano nas suas determinações especiais de credibilidade, de probabilidade e de certeza, ressalta Malatesta que cientificamente a evidência não é prova, pois, no rigor lógico, quando se cogita de prova, cogita-se de fato diverso do fato provado. (In: FRAMARINO DEI MALATESTA, Nicola. A Lógica das Provas em Matéria Criminal. 2.ed. São Paulo: Saraiva, p.84 a 89).

[20] Moacyr Amaral Santos aponta três acepções para a palavra prova: atividade, meio e resultado. Em sua manifestação formal que são os chamados meios de prova; o seu conteúdo essencial, que são as razões ou motivos extraídos desses meios sobre a existência ou inexistência dos fatos; o seu resultado subjetivo, o convencimento do julgador.

[21] Betham em seu Tratado, no qual define a prova como um fato presumivelmente verdadeiro do qual se extrai a conclusão da existência de outro e mostra que o homem em sua vida doméstica, o caçador, o cientista e até os animais presumem certos fatos verdadeiros, daí concluindo sobre existência de outros. Afirmava que as provas são meios de definição dos fatos, existem fora do processo e, independentemente da sua existência, instruem comportamentos e decisões adotadas em todos os momentos da vida pelos seres humanos.

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[22] A convicção do julgador aparece como elemento funcional do conceito de prova em vários autores, como Mittermayer, Chiovenda, Guasp, Echandia, Moacyr Amaral Santos e Moniz de Aragão. No prova judiciária, o juiz é o destinatário das provas.  Todas as provas se destinam a produzir efeitos na inteligência do juiz, formando, através do raciocínio nela desenvolvido, o juízo positivo ou negativo da existência dos fatos aos quais a decisão aplicará o correspondente direito. É preciso assentar é a necessidade garantística da apuração dos fatos, a necessidade de buscar a verdade dos fatos como pressuposto da tutela jurisdicional efetiva dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico. De nada adiante, a lei atribuir ao cidadão inúmeros direitos, se não lhe confere a possibilidade concreta de demonstrar ser titular desses direitos, ou seja, se lhe impõe uma investigação fática, impedindo o cidadão de obter a tutela dos direitos pela impossibilidade de demonstrar a ocorrência dos fatos dos quais eles se originam. Ferrajoli qualifica a garantia jurisdicional como o direito a um julgamento conforme a verdade jurídica e fática. (In: FERRAJOLI, Luigi. Diritto e ragione - teoria del garantismo penale. 5.ed. Roma-Bari: Laterza, 1998, p.27).

[23] A noção da prova como argumento nasce no direito grego, influenciado pela retórica aristotélica. No Direito Romano, segundo a investigação de Pugliese, a partir do século I de nossa era, começa a ser abandonado o sistema de provas irracionais e adotado o raciocínio lógico de base intuitiva e axiológica, consagrado na definição de Cícero de argumentum como ratio quae dubiae faciat fidem, razão que dissipa a dúvida. O argumento era um momento de persuasão, revelador da razão prática, opinativa, em oposição ao raciocínio científico, tipicamente demonstrativo. A razão prática era fundamentalmente intuitiva, baseada no senso comum e nas noções imanentes de justo e injusto. A razão prática gerava um juízo de probabilidade de base valorativa, que podia ser desmentido por prova em contrário.

[24] Em geral as pessoas têm o compromisso de colaborar com a justiça esclarecendo a verdade. Daí decorre sua obrigação de comparecer à audiência. Mas, no entanto, esse dever não é absoluto e há situações em que a testemunha pode deixar de depor e isso não se configurará descumprimento de nenhum dever. A escusa (é a solicitação para não depor) e será acolhido conforme os termos do art. 406 do CPC.  Na produção da prova testemunhal é importante citar o segundo parágrafo do art. 414 do CPC que impõe a mesma será qualificada, declarando o nome por inteiro, profissão, residência e estado civil, bem como se tem relações de parentesco com a parte, ou interesse no objeto do processo. Essa providência é curial para se identificar possíveis hipóteses de impedimento ou suspeição.

[25] Cabe frisar a diferença havida de impedimento e suspeição, pois no primeiro há presunção absoluta, ou seja, juris et jure de parcialidade do juiz, enquanto na suspeição vige apenas uma presunção relativa, ou seja, juris tantum. Tanto do juiz quanto da testemunha se exige a imparcialidade. O impedimento e suspeição do juiz têm hipóteses elencadas nos arts. 134 e 135 do CPC e segundo Pontes de Miranda trata-se de enumeração taxativa. No entanto, Calmon de Passos, entendia que o rol de impedimentos não é exaustivo, porque engloba toda situação em que haja uma incompatibilidade lógica entre a função de julgar e o papel do juiz no processo, mesmo que não prevista expressamente naqueles dispositivos.

Aliás, o impedimento é arguível a qualquer tempo, não precluindo (constitui até fundamento para rescisória vide art. 485, II do CPC), pois é matéria de ordem pública.

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Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Gisele. Considerações sobre a prova nos negócios jurídicos na sistemática jurídica brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3850, 15 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26406. Acesso em: 26 abr. 2024.

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