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Recurso de apelação-crime pelo assistente de acusação

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No "caput" de seu art. 598, prevê o Código de Processo Penal que, "nos crimes de competência do Tribunal do Júri, ou do juiz singular, se da sentença não for interposta apelação pelo Ministério Público no prazo legal, o ofendido ou qualquer das pessoas enumeradas do art. 31 [cônjuge, ascendente, descendente ou irmão], ainda que não se tenha habilitado como assistente, poderá interpor apelação, que não terá, porém, efeito suspensivo".

A legitimidade recursal do assistente reveste-se de caráter supletivo, não lhe sendo lícito apelar se o Ministério Público tiver interposto apelação plena; entretanto, se o recurso Ministerial for parcial, o assistente de acusação pode apelar de tópico da sentença não impugnado pelo Promotor de Justiça.

Divergências doutrinárias e jurisprudenciais existem sobre o interesse recursal do assistente frente a uma decisão condenatória, objetivando o agravamento direto ou indireto da pena. Pelo pleito de agravamento direto, visa-se unicamente a exasperação da reprimenda, mantendo-se a classificação atribuída pela sentença aos fatos criminosos; no indireto, propõe-se uma nova classificação (p. e.: apelação da decisão que desclassificou o crime de tentativa de homicídio para lesões corporais)[1].

O centro dessa discrepância está na possibilidade ou não de interpretar-se restritivamente o "caput" do art. 598 do CPP.

Aos adeptos da interpretação restritiva, o assistente de acusação pode apelar somente na hipótese de a sentença, sob o prisma da satisfação do dano, ser-lhe prejudicial, pois a condenação garante o direito de a vítima ser indenizada (art. 91, I, do CP, e 63 do CPP). Nesse raciocínio, se o aumento indireto da pena interferir positivamente no ressarcimento do dano[2], admite-se o apelo do assistente para agravar a situação do réu (caso típico do apelo da decisão que desclassifica homicídio tentado para lesões corporais[3], se enfocado o ressarcimento do dano puramente moral sofrido por vítima que mentalmente recepcionou a atitude do agente como a de quem intencionava tirar-lhe a vida).

Aos infensos à interpretação restritiva do art. 598 do CPP, o assistente de acusação pode apelar também para agravar, direta e indiretamente, a pena da sentença condenatória, destacando-se nessa linha Julio Fabbrini Mirabete: "Nos termos do artigo 598, na ausência de recurso do Ministério Público, o assistente pode apelar, não só pleiteando a reforma da sentença absolutória, como também para agravar a pena da sentença condenatória, não havendo possibilidade de uma interpretação restritiva desse dispositivo" ("Código de Processo Penal Interpretado", 5ª ed., SP. Atlas, 1997, p. 765).

E essa tem sido a mais recente manifestação doutrinária e jurisprudencial, influenciada por modernas concepções ideológicas do processo penal e pelo real papel nele desempenhado pelo assistente de acusação, por vezes em desafio a cânones hermenêuticos[4].

No registro de Francisco de Assis do Rêgo Monteiro Rocha, nossa lei processual permite à vítima apresentar-se no processo penal como coadjuvante do Ministério Público na persecução criminal, "considerando-se que o crime, ao tempo em que atinge a pessoa da vítima, seus bens, causa, ainda, um dano social, e vem, enfim, refletir-se além da pessoa do ofendido, atingindo seus filhos, esposa, companheira etc." ("Curso de Direito Processual Penal", 1ª ed., Rio, Forense, 1999, p. 406).

Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes posicionam-se firmemente no sentido de que "o assistente também intervém no processo com a finalidade de cooperar com a justiça, figurando como assistente do MP ‘ad coadjuvantum’. Assim, com relação à condenação, o ofendido tem o mesmo interesse-utilidade da parte principal na justa aplicação da pena" ("Recursos no Processo Penal", 2ª ed., 2ª tir., SP, RT, 1998,m p. 88).

Para Marcelo Fortes Barbosa, "a assistência de acusação, em nosso Direito Processual Penal, não é um mero correlativo direto do direito à reparação do dano, eis que o ofendido intervém para reforçar a acusação pública, figurando em posição secundária o interesse mediato na reparação do dano causado pelo delito" ("Considerações sobre a natureza jurídica da assistência de acusação no processo penal brasileiro", in JTACrSP 15/36, apud Julio Fabbrini Mirabete, "Processo Penal", 8ª ed., SP, Atlas, 1998, p. 348 ).

Na linha da inadmissibilidade de interpretar-se restritivamente o art. 598 do CPP, o Supremo Tribunal Federal já entendeu que esse dispositivo "atribui legitimidade ao assistente da acusação para, supletivamente, na omissão do Ministério Público, interpor recurso de apelação para agravar a pena" (RT 621/415).

Também o Superior Tribunal de Justiça se pronunciou sobre a hodierna tendência referente à atuação do assistente de acusação no processo penal:

"O assistente também é interessado na averiguação da verdade substancial. O interesse não se restringe à aquisição de título executório para reparação de perdas e danos. O direito de recorrer, não o fazendo o Ministério Público, se dá quando a sentença absolveu o réu, ou postulado aumento da pena. A hipótese não se confunde com a justiça privada. A vítima, como o réu, tem direito a decisão justa. A pena, por seu turno, é a medida jurídica do dano social decorrente do crime" (STJ - RESP 135549/RJ - 6ª Turma, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJU de 26.10.98, p. 168; no mesmo sentido: RESP 31881/DF - 6ª Turma, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJU de 08.11.93, p. 23586 ).

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Porque tem seu foco no percurso da realidade, é de se concluir ser mais adequado ao nosso processo penal o entendimento dos que não admitem restrições ao artigo 598, "caput", do CPP, considerando o assistente de acusação um colaborador da Justiça.

O cotidiano revela que a clientela do processo penal brasileiro é composta majoritariamente — e em invulgar escala — por réus pobres, cujas condenações acabam por constituir títulos de frustrada execução, apesar do otimismo de Tourinho Filho de que os condenados sem recursos financeiros podem receber heranças ou acertar na loteria, e, então, "a vítima procuraria executar a sentença condenatória" (ob. cit., p. 106).

E, se a prática vem denotando a impossibilidade de as vítimas exercerem seu direito ao ressarcimento dos prejuízos sofridos, injusto seria impedir-lhes o direito à obtenção de decisões justas, o que também significa a busca do equilíbrio social e moral.


NOTAS

1.A classificação de agravamento direto e indireto da pena é abordada por Julio Fabbrini Mirabete in "Processo Penal", 8ª ed., SP, Atlas, 1998, p. 353.

2.Esse é o entendimento de Tourinho Filho. Diz ele que a apelação pelo assistente será possível somente se, da sentença, lhe advier algum prejuízo "no campo da satisfação do dano". Pontifica depois: "Desse modo, se o Juiz condenar o réu à pena mínima, a despeito de reincidente, e se o Promotor não interpuser apelação, nem pos isto poderá fá-lo o assistente. Por quê? Em virtude de ter havido sentença condenatória, o direito da vítima quanto à satisfação do dano está garantido, nos termos dos arts. 91, I, do CP, e 63 do CPP. Se, com o aumento da pena, o ressarcimento do dano fosse outro, aí, sim, lícito lhe seria recorrer para agravar a situação do réu" ("Prática de Processo Penal", 16ª ed., SP, Saraiva, 1994, p. 108).

3.Julgando recurso em sentido estrito de decisão que desclassificou a imputação do art. 121, "caput", c. c. o art. 14, II., do CP, para a do art. 132 do mesmo diploma, decidiu o TJSP: "O assistente de acusação não tem titularidade para recorrer da sentença que desclassifica a imputação, pois a mesma encerra mera adequação dos fatos à norma jurídica pertinente. O assistente de acusação é parte contingente e obrigatória na ação penal pública, em que visa a ressalvar seus interesses concernente à indenização do dano ex delicto" RT 611/340), j. em 04 de agosto de 1986, Rel. Des. Ângelo Gallucci.

Note-se que o julgado se deu anteriormente à admissão constitucional (Carta de 88) da indenização do dano moral, cujo valor variaria se de tentativa de homicídio se tratasse.

4.Essa tendência decorre, também, de estudos de Vitimologia, de há muito proclamada na Europa pela voz de Jorge Figueiredo Dias, que, em Strasbourg, na 16ª Conference de Recherches Criminologiques (1984), "chamou a tenção para a necessidade de os direitos das vítimas serem ampliados no âmbito do processo penal", consoante Odete Maria de Oliveira, in "Problemática da Vítima de Crimes — Reflexos no Sistema Jurídico Português", 1ª ed., Lisboa, Ed. Rei dos Livros, 1994, p. 40.

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Sobre o autor
José Maurício Pinto de Almeida

desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná, professor da Escola da Magistratura do Paraná

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, José Maurício Pinto. Recurso de apelação-crime pelo assistente de acusação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2642. Acesso em: 5 nov. 2024.

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