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Por uma reforma político-eleitoral popular e democrática

26/01/2014 às 11:28
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Uma reforma político-eleitoral popular e democrática é uma necessidade de enorme importância para o aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito no Brasil.

I. DA INTRODUÇÃO

O Brasil foi literalmente sacudido por milhões de pessoas nas ruas no mês de junho de 2013. Em atos, passeatas e manifestações foram reclamados os usufrutos minimamente eficientes de diversos direitos sociais, notadamente aqueles relacionados com a educação, a saúde e o transporte urbano (1).

Chamou a atenção de todos as inúmeras e recorrentes referências negativas ao mundo da política. A distância entre os cidadãos e seus representantes eleitos foi destacada fortemente. Em alguns casos, esse divórcio foi retratado com cores de forte dramaticidade.

Assim, a necessidade de uma reforma do modelo político-eleitoral vigente adquiriu contornos de urgência e importância não experimentados até então. Nessa linha, multiplicam-se os debates, discussões e iniciativas da sociedade civil em torno dessa temática relevantíssima (2). Diante de inúmeras propostas e modelos de reforma em discussão, a pergunta se impõe: qual a reforma político-eleitoral necessária?


II. DA REFORMA POLÍTICO-ELEITORAL NECESSÁRIA

Alguns importantes personagens da cena política brasileira sustentam que a reforma política é “a reforma das reformas” ou “a mãe de todas as reformas”. As afirmações são substancialmente procedentes numa certa perspectiva de análise.

Com efeito, a Constituição de 1988 ao desenhar o Estado Democrático de Direito definiu, como em praticamente todas as partes do mundo, um governo (nas chefias dos Executivos e nos Legislativos) composto por representantes eleitos pelo povo (corpo eleitoral detentor da soberania política, nos termos do art. 1o, parágrafo único, da Carta Magna).

O representante eleito exerce, por prazo certo de tempo, um mandato. Esse instituto (o mandato) significa, na essência, tanto no plano do direito civil como dos negócios públicos, um encargo por meio do qual uma pessoa recebe poderes de outra para, em nome dessa última, praticar atos ou decidir em torno de interesses.

Nesse sentido, é preciso muito cuidado com representantes políticos (notadamente parlamentares) numa sociedade profundamente heterogênea como a brasileira. Esse ambiente ou cenário denominado “sociedade brasileira” é o palco, desde as origens históricas no ano de 1500, de profundos e excludentes conflitos de interesses econômicos e sociais entre grupos, setores, segmentos e classes sociais. Esses conflitos, manifestados de várias formas, envolvem, entre outros aspectos, disputas pela apropriação da riqueza produzida (o conflito básico em toda sociedade razoavelmente organizada), pela ocupação institucional e simbólica do espaço social, pela produção e acesso aos bens culturais e pela construção e vivência de valores.

Portanto, não passa de ilusão, equívoco ou má-fé a defesa e a representação dos “interesses da sociedade”. Essa categoria (a sociedade) é o palco ou cenário da luta ou disputa de interesses. Rigorosamente, não existem “interesses da sociedade” profundamente desigual e conflituosa. Existem interesses de setores dentro dessa sociedade. Na ação política é preciso, por conseguinte, explicitar e adotar posições ou lados na disputa objetivamente posta. A defesa da “sociedade”, do “bem comum”, do “povo” não é a defesa de nada ou de ninguém. Pode ser, sob certo ótica, a própria defesa ou a (cômoda) defesa de interesses circunstanciais.

Infelizmente, ouve-se, com frequência, um discurso evasivo e (equivocado) no sentido da construção da representação da “sociedade”, do “conjunto da sociedade” ou do “bem comum”. Não parece viável, por exemplo, a representação concomitante (dos interesses) das elites econômicas e das classes trabalhadoras (exploradas pelas primeiras das mais variadas formas).

É sempre importante destacar que a representação política (“os políticos”) são intermediários ou veículos de interesses e posições enraizadas no tecido social. Cada político (ou conjunto de políticos) é descartável, na medida que podem ser substituído por outra pessoa ou ator social (ou conjunto deles). Assim, é preciso identificar a estrutura ou modelo econômico-social subjacente, para além do mundo mais visível da política (3). Não é de se estranhar que a grande imprensa, vinculada e partícipe da lógica dominante das estruturas de poder, incentive a colocação da classe política como responsável pelas mazelas sociais e alvo do descontentamento generalizado de largos setores da sociedade brasileira.

Acredito, por conseguinte, que a vertente fundamental da reforma político-eleitoral consiste em criar as condições ou mecanismos para facilitar e dar visibilidade a representação dos interesses sociais das classes trabalhadores, dos setores médios, dos explorados e dos marginalizados de todos os tipos. Até mesmo a explicitação e clara identificação da representação das elites econômicas e sociais é bastante salutar para as lutas travadas no cenário político institucionalizado.

Por outro lado, parece que mudanças ou transformações sociais relevantes, rumo a uma sociedade pautada pela justiça social, reclamam níveis crescentes de consciência e mobilização políticas. As estruturas institucionais político-eleitorais serão instrumentos mais ou menos adequados (no sentido de facilitar ou não) aos avanços perseguidos pelos setores populares, médios e marginalizados existentes na quadra atual da sociedade brasileira.


III. DAS PROPOSTAS

São dezenas as medidas propostas no âmbito da reforma político-eleitoral. Podemos arrolar, sem esgotar o rol, as seguintes proposições: a) financiamento de campanhas; b) sistemas eleitorais para composição dos parlamentos; c) voto obrigatório; d) reeleição; e) suplentes de senadores; f) candidaturas avulsas; g) cláusula de barreira; h) liberdade de manifestação político-eleitoral, notadamente na internet; i) prestação de contas; j) propaganda eleitoral; k) pesquisas eleitorais; l) fidelidade partidária; m) organização de “clubes” de eleitores; n) partidos de aluguel; o) distribuição de tempo nos programas de rádio e televisão; p) distorção, em relação à população das unidades da Federação, nas representações na Câmara dos Deputados; q) coincidência de mandatos; r) racionalização dos casos de desincompatibilização; s) bicameralismo no âmbito da União; t) utilização de “cabos eleitorais” e u) utilização da urna eletrônica (4).

Importa, no entanto, resgatar as ponderações acerca da essência da reforma político-eleitoral necessária (item II imediatamente anterior) e separar o acessório do principal. É preciso, nesse sentido, apontar quais as medidas que implicariam em efetiva e profunda mudança no ambiente político-eleitoral na perspectiva de alinhar representantes eleitos e defesa dos interesses dos representados, notadamente em relação aos setores, segmentos, camadas ou classes sociais populares, médios e marginalizados que integram a sociedade. Não custa registrar que as elites econômico-sociais possuem séculos de expertise na escolha de seus legítimos representantes e, nessa medida, podem ficar fora do campo de preocupações e reflexões.

Nesse rumo, os seguintes aspectos da reforma política são os cruciais ou decisivos: a) financiamento das campanhas eleitorais; b) sistema eleitoral para escolhas dos parlamentares; c) distribuição e forma de utilização do tempo de propaganda de televisão e rádio; d) revogação de mandatos; e) organização de “clubes” de eleitores e f) radical redução do número de cargos comissionados na Administração Pública.

Financiamento das campanhas eleitorais. Trata-se de um dos aspectos capitais das mudanças a serem implementadas no processo político-eleitoral. O atual modelo de financiamento privado das campanhas eleitorais, notadamente por (grandes) empresas, induz corrupção em larga escala e “escolhe” claramente representantes dos interesses mais mesquinhos e elitistas presentes na sociedade brasileira. Nesse sentido, os dados dos financiamentos de campanhas eleitorais nos últimos anos são estarrecedores (5).

A rigor, independentemente de alteração legislativa, já é viável a interdição dessa nefasta prática de financiamento eleitoral por empresas. Com efeito, tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) n. 4.650, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que “questiona dispositivos da Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/95) e da Lei das Eleições (Lei 9.504/97) e busca ver banidos da legislação eleitoral dispositivos que permitem doações por pessoas jurídicas às campanhas políticas”.

É preciso, portanto, caminhar para uma radical definição normativa de proibição do financiamento político-eleitoral por empresas e sua aceitação somente por pessoas físicas ou naturais com limites ou tetos baixíssimos de contribuição.

Sistema eleitoral para escolhas dos parlamentares. O sistema proporcional para escolha de representantes no parlamento é aquele que se apresenta como mais democrático e com melhores condições de conduzir à arena parlamentar, com mais clareza, os interesses dos vários segmentos sociais, notadamente os populares, médios e marginalizados, por força do chamado “voto de opinião” (mais consciente, politizado e disperso).

A alternativa do sistema distrital (puro ou misto) tende a reduzir a força dos votos mais “ideológicos” e reduzir a qualidade do debate político rumo a questões predominantemente locais e voltadas para satisfação de necessidades mais imediatas, dificultando a compreensão e relações dessas mesmas questões com o modelo econômico-social implantado e mais abrangente (6).

Distribuição e forma de utilização do tempo de propaganda de televisão e rádio. O tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão não pode privilegiar e reproduzir as maiorias parlamentares já formadas. Impõe-se uma distribuição igualitária dos espaços de propaganda eleitoral sem o concurso de produções visualmente mirabolantes e com privilégio de discussão de propostas e programas de ação político-governamental.

Revogação de mandatos. A adoção de um sistema de revogação de mandatos tende a aproximar a representação política dos eleitores e viabilizar, em novos termos, a identidade entre as duas partes do processo eleitoral.

Clubes de eleitores. Impõe-se construir e influenciar candidaturas, notadamente para postos legislativos, em bases completamente novas. Nesse sentido, podem ser constituídos grupos de eleitores que indiquem ou recomendem o voto em certos candidatos comprometidos formalmente com determinadas plataformas de atuação e com um padrão de comportamento ético claramente definido e publicizado. Ademais, por essa via, resta facilitado o acompanhamento e o controle sobre o exercício do mandato eleitoral.

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Radical redução do número de cargos comissionados na Administração Pública. É preciso articular a aprovação de projetos de leis definidores de uma radical profissionalização da Administração Pública com a redução extrema dos espaços ocupados por agentes não-detentores de cargos efetivos. É importante incorporar, nessas iniciativas, instrumentos voltados para: a) reduzir influências corporativas indevidas; b) definição de critérios objetivos para ocupação dos postos de direção por servidores de carreira; c) limitação de tempo para o exercício dessas funções de direção por ocupantes de cargos efetivos e d) definição de “quarentenas”, sem o exercício de cargos comissionados, depois da ocupação desses espaços por servidores concursados (7).

Essa não é uma medida diretamente político-eleitoral. Todos os indicadores apontam, entretanto, para o triste fato de que a forma mais comum de cooptação (escusa) dos representantes eleitos consiste no “loteamento” dos cargos de livre nomeação na Administração Pública. Por essa tortuosa via, literalmente são “vendidos” apoios parlamentares a projetos, programas e propostas de governo, independentemente de seus conteúdos.

Deve ser destaca a existência de um forte e crescente movimento da sociedade civil para a concretização de uma reforma político-eleitoral consequente. Merece destaque a proposta apresentada pelo movimento “eleições limpas”, sucessor político do movimento “ficha limpa”, congregando o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a União Nacional dos Estudantes (UNE), o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), entre outros relevantes atores sociais (8).


IV. DAS CONCLUSÕES

Uma reforma político-eleitoral popular e democrática é uma necessidade de enorme importância para o aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito no Brasil, notadamente para viabilizar o saneamento dos costumes políticos e para a legitimação das representações eleitas.

Destaque-se que os mecanismos político-eleitorais em discussão serão apenas os instrumentos ou veículos, mais ou menos democráticos, para o trânsito dos interesses populares, médios e marginalizados presentes na sociedade brasileira. O fundamental está além das estruturas normativas e institucionais. Esse essencial consiste na consciência política em patamares superiores e a mobilização efetiva decorrente.


NOTAS:

(1) O Editorial do jornal “Le Monde Diplomatique Brasil”, de julho de 2013, subscrito por Silvio Caccia Bava, registra: “As históricas mobilizações do mês de junho mudaram o cenário da política brasileira. Elas introduziram na cena pública, depois de décadas de ausência, o cidadão indignado. Até agora mais de 2 milhões de pessoas foram às ruas em 438 municípios protestar contra a condição insuportável da vida nas cidades”.

VAINER, Carlos. MEGA-EVENTOS, MEGA-NEGÓCIOS, MEGA-PROTESTOS. Uma Contribuição ao Debate sobre as Grandes Manifestações e as Perspectivas Políticas. Disponível em: <http://laurocampos.org.br/2013/06/mega-eventos-mega-negocios-mega-protestos>. Acesso em: 8 jul. 2013.

(2) Fui convidado, uma vez verbalmente e duas vezes por mensagens de correio eletrônico (24 de setembro e 18 de outubro), para debater sobre o atualíssimo e importantíssimo tema da reforma política na I Semana Acadêmica de Direito, evento promovido pelo Centro Acadêmico de Direito da Universidade Católica de Brasília.

Em todos os convites formulados foi registrado que o tema seria desenvolvido em conjunto com o Deputado Federal José Reguffe. A programação do evento, divulgada no facebook do CADir/UCB, consignava:

Segunda-feira (28/10) – Noturno:

REFORMA POLÍTICA

* José Antônio Machado Reguffe (Deputado Federal/DF)

* Aldemario Araújo Castro (Professor Mestre do curso de Direito da Universidade Católica de Brasília/Procurador da Fazenda Nacional)

Assim, preparei minha participação para um debate sobre a reforma política. Compareci, no dia 28 de outubro do corrente, ao auditório do bloco K do campus principal da Universidade Católica de Brasília. Fui chamado, juntamente com o Deputado Reguffe, a compor a mesa por volta das 20 horas e 10 minutos.

No início de sua fala, o Deputado Reguffe registrou que tinha um compromisso às 21 horas e faria uma palestra com abertura para toda e qualquer pergunta na sequência. A exposição do ilustre parlamentar terminou por volta das 21 horas. Diante do compromisso anunciado no início dos trabalhos, seguiram-se algumas perguntas e respostas do parlamentar. Essa segunda parte do evento foi concluída por volta das 21 horas e 40 minutos.

Registrei publicamente que julgava prejudicada a minha participação. Afinal, não teria muito sentido fazer uma exposição de trinta a quarenta minutos a partir das 21 horas e 40 minutos. Qualquer debate estaria inviabilizado pelo avanço do horário e pela ausência do Deputado Reguffe ante a necessidade de honrar o outro compromisso registrado pelo próprio. Anunciei, também, que as minhas ponderações sobre o tema seriam divulgadas por escrito.

Impõe-se consignar que o Deputado Reguffe pediu publicamente desculpas pelo desconforto verificado (desculpas aceitas publicamente) e afirmou que foi convidado para fazer uma palestra, sem nenhum tipo de referência a ocorrência de um debate sobre o assunto.

O Deputado Reguffe, na condição de palestrante, discorreu diretamente e em respostas a perguntas por cerca de 1 hora e 30 minutos sobre o quadro político nacional e sobre a sua proposta de reforma política (apresentada durante a campanha eleitoral e protocolada perante a Câmara dos Deputados ainda no ano de 2011).

As medidas indicadas pelo parlamentar federal são as seguintes: a) vedação de reeleição para cargos no Poder Executivo e possibilidade de somente uma reeleição para mandatos legislativos; b) adoção do voto facultativo; c) implantação do voto distrital (puro, pelo que entendi); d) implementação de sistemas de revogação de mandatos por iniciativa dos eleitores; e) financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais; f) admissão de candidaturas avulsas (sem filiação partidária) com apoio prévio mínimo de um certo número de eleitores e g) necessidade de renúncia ao mandato para o parlamentar ocupar postos no Poder Executivo.

(3) Eis as principais características do modelo implementado (algumas delas profundamente articuladas): câmbio flutuante; metas de superávit primário; metas de inflação; intenso endividamento do Estado; juros altíssimos; desnacionalização do parque produtivo; financiamento externo baseado na exportação de minerais e produtos agrícolas; atração de recursos financeiros oriundos da especulação internacional; sistema tributário profundamente injusto; profunda concentração e elitização da grande imprensa; elevada distorção e deterioração da estrutura político-partidária; considerável descaso com a necessidade de uma profunda e abrangente revolução educacional; baixíssima atenção para com os mecanismos de planejamento e gestão eficiente das ações do Poder Público, notadamente em setores estratégicos; significativo desprezo pelo meio ambiente e o cultivo de uma “cultura” baseada em valores extremamente deletérios, tais como o consumismo, a ditadura da aparência e das mais mais variadas formas de futilidade e superficialidade e um certo incentivo à violência física e simbólica.

(4) Trata-se de um tema extremamente sensível para a democracia representativa. “O Fórum do Voto-E declara-se uma entidade suprapartidária, abrigando pessoas dos mais diversos partidos e correntes ideológicas. Propugna por um sistema eleitoral transparente e confiável do cadastramento à apuração, sem a identificação dos votos dos eleitores e com a possibilidade de plena auditoria dos resultados. Afirma ser essa uma das bases da democracia”. Disponível em: <http://www.brunazo.eng.br/voto-e/indice.htm#indice>. Acesso em: 10 nov. 2013.

(5) “Quatro gigantes da construção civil que também administram rodovias foram as empresas que mais doaram dinheiro nas seis últimas eleições realizadas no país, entre 2002 e 2012. São elas, em ordem decrescente: Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, OAS e Queiroz Galvão. Segundo levantamento da Folha de S. Paulo, as quatro empreiteiras doaram, nesse período, R$ 615,5 milhões, em valores já corrigidos pela inflação. Pela legislação eleitoral, empresas que exploram concessão pública não podem contribuir com candidatos ou partidos políticos. Não há nenhum impedimento legal, no entanto, para que elas financiem as eleições por meio de outros braços de seus grupos”. Revista Congresso em Foco. Ano 2. Número 6. Junho/Julho de 2013. Pág. 34.

“Empresas que devem quase R$ 1,5 bilhão ao governo doaram a campanhas. As principais campanhas políticas de 2010 no Brasil foram bancadas por empresas que devem dinheiro ao governo federal. De cada R$ 100 injetados naquela campanha presidencial, quase R$ 30 vieram de empresas inscritas na Dívida Ativa da União, lista de devedores que, segundo o governo, não pagaram impostos ou deixaram de recolher a contribuição para a Previdência Social. No total, as doadoras devem quase R$ 1,5 bilhão”. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/08/1321657-empresas-que-devem-quase-r-15-bilhao-ao-governo-doaram-a-campanhas.shtml>. Acesso em: 3 out. 2013.

(6) “Esse sistema, em linha de comparação, é melhor, pois permite o preenchimento das vagas segundo a votação em propostas partidárias e não na simples votação candidato a candidato. Ela, em tese, leva ao fortalecimento das legendas, algo fundamental para a democracia. Se hoje muitos partidos não representam efetivamente um projeto para o país, o sistema proporcional pelo menos ajuda a que isso ocorra. (...)

Os principais argumentos apresentados a favor do voto distrital são dois. Primeiro: como as eleições se dão num universo menor (em vez do estado ou do município como um todo, elas aconteceriam em cada distrito), diminuiria o custo das campanhas.

Depois, o sistema permitiria maior proximidade do eleitor com os eleitos, que seriam de seu bairro ou de sua região, permitindo um acompanhamento maior do trabalho desenvolvido.

Penso, no entanto, que as desvantagens do voto distrital em relação ao voto proporcional superam, em muito, as vantagens.

Uma dessas desvantagens é o esmagamento dos partidos minoritários. Uma legenda que tenha, por exemplo, o apoio de 20% do eleitorado pode ficar sem representação parlamentar se não for majoritária em algum distrito.

Mas há algo pior. Os eleitos seriam transformados inevitavelmente em despachantes de interesses locais, deixando em segundo plano as políticas globais. Se estas já são muito ausentes do debate no legislativo, onde prevalecem interesses paroquiais, com a adoção do voto distrital isso se elevaria à máxima potência.

A eleição e a manutenção dos mandatos dependeriam quase exclusivamente dos favores que o eleito conseguisse atrair para a sua circunscrição.

A grande política e os chamados candidatos de opinião desapareceriam, amesquinhando ainda mais o debate no parlamento.

Seria o pior dos mundos.” (Voto proporcional ou voto distrital. Wadih Damous. Disponível em: <http://www.diariodopoder.com.br/artigos/voto-proporcional-ou-voto-distrital>. Acesso em 10 nov. 2013).

(7) Percebe-se claramente na Administração Pública, em todos os níveis, a utilização de cargos comissionados, ocupados tanto por estranhos ao serviço público como por servidores de carreira, como instrumentos ou ferramentas de realização de inúmeros interesses privados e escusos. Cria-se, em larga escala, uma “cadeia de comando” disposta, em troca da remuneração do cargo comissionado, a viabilizar todo tipo de capricho ou interesse divorciado do interesse público.

“Prefeituras do País criam 64 mil cargos para nomeação política em quatro anos. Prefeitos incharam a máquina com aumento de 14% das vagas sem concurso nas 5.566 cidades brasileiras; uso dos postos como moeda de troca é recorrente. Nos quatro anos de mandato entre 2008 e 2012, os 5.566 prefeitos do País criaram, em conjunto, 64 mil cargos comissionados – aqueles para os quais não é necessário fazer concurso público, e que costumam ser loteados por indicação política. Com a massiva abertura de vagas, o total de funcionários públicos municipais em postos de livre nomeação subiu de 444 mil para 508 mil. Juntos, eles lotariam os oito maiores estádios da Copa de 2014. (…) Uso político. Cargos de livre nomeação, em tese, servem para que administradores públicos possam se cercar de pessoas com quem têm afinidades políticas e projetos em comum. Na prática, no entanto, é corrente o uso dessas vagas como moeda de troca. Além de abrigar seus próprios eleitores ou correligionários, os chefes do Executivo distribuem as vagas sem concurso para partidos aliados em troca de apoio no Legislativo ou em campanhas eleitorais”. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,prefeituras-do-pais-criam-64-mil-cargos-para-nomeacao-politica-em-quatro-anos,1053212,0.htm>. Acesso em: 10 ago. 2013.

(8) O projeto de lei apresentado pelo movimento “eleições limpas” merece elogios quando sustenta: a) a necessidade de financiamento público das campanhas eleitorais, afastando as doações por empresas; b) profunda reformulação do sistema de eleições proporcionais (para os parlamentos, com exceção do Senado Federal) com votação em dois turnos (“… o eleitor vota, primeiro, no partido e, depois, candidato” - conforme documento de divulgação da campanha) e c) radical ampliação do debate político-eleitoral, notadamente nos ambientes eletrônicos (como a internet e suas redes sociais).

Subsiste, entretanto, um grave equívoco na proposta do movimento “eleições limpas”. Com efeito, mantém-se, nas eleições proporcionais, a possibilidade de coligações partidárias. Consta na proposta apresentada pelo movimento a seguinte redação para o art. 5o-A da Lei n. 9.504, de 1997:

“Nas eleições proporcionais, será obedecido o sistema de votação em dois turnos, os quais se realizarão nas oportunidades definidas no art. 1o desta Lei.

§1o No primeiro turno de votação, os eleitores votarão em favor de siglas representativas dos partidos ou coligações partidárias” (destaques inexistente no original).

É possível afirmar, sem medo de errar, que as coligações partidárias nas eleições para os parlamentos representam um dos principais fatores de deterioração do ambiente político-eleitoral no Brasil. Com efeito, a formação de amplas coligações partidárias nos pleitos proporcionais, entre outras consequências: a) enfraquece e descaracteriza as siglas partidárias; b) permite negociações escusas relacionadas com o tempo disponível para a propaganda no rádio e televisão; c) viabiliza a eleição de candidato de partido distinto daquele sufragado pelo eleitor e d) cria condições favoráveis para a manutenção e proliferação de “partidos de aluguel”.

Ademais, a proibição das coligações em eleições proporcionais é solução muito superior a fixação da chamada “cláusula de barreira” para afastar a praga dos “partidos de aluguel”. Essa via permite cortar o “oxigênio” das legendas criadas para viabilizar “negócios político-eleitorais” sem o efeito colateral de dificultar ou inviabilizar os chamados “partidos de opinião” ou “partidos ideológicos”. Esses partidos, representativos de minorias políticas (em certo momento ou até certo momento, porque podem ser a maioria de amanhã), efetivam ou concretizam o pluralismo político definido como fundamento do Estado Democrático de Direito no Brasil (art. 1o, inciso V, da Constituição). O próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu nesse sentido:

“ADI 1351/DF. Relator: Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 07/12/2006. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Ementa: PARTIDO POLÍTICO - FUNCIONAMENTO PARLAMENTAR - PROPAGANDA PARTIDÁRIA GRATUITA - FUNDO PARTIDÁRIO. Surge conflitante com a Constituição Federal lei que, em face da gradação de votos obtidos por partido político, afasta o funcionamento parlamentar e reduz, substancialmente, o tempo de propaganda partidária gratuita e a participação no rateio do Fundo Partidário. NORMATIZAÇÃO - INCONSTITUCIONALIDADE - VÁCUO. Ante a declaração de inconstitucionalidade de leis, incumbe atentar para a inconveniência do vácuo normativo, projetando-se, no tempo, a vigência de preceito transitório, isso visando a aguardar nova atuação das Casas do Congresso Nacional”.

Portanto, a proposta conhecida como “eleições limpas”, digna de elogios e apoios, pela consistência e capacidade de galvanizar a sociedade brasileira, precisa ser depurada, interna ou externamente, desse ponto (a manutenção da possibilidade de coligações nas eleições proporcionais – para os parlamentos). Assim, poderá alcançar o desejável fim que persegue representado na racionalização e efetiva democratização dos processos eleitorais no Brasil.

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Sobre o autor
Aldemario Araujo Castro

Advogado Procurador da Fazenda Nacional. Professor da Universidade Católica de Brasília - UCB. Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília – UCB. Ex-Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB (pela OAB/DF) Ex-Corregedor-Geral da Advocacia da União (AGU)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Aldemario Araujo. Por uma reforma político-eleitoral popular e democrática. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3861, 26 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26507. Acesso em: 18 abr. 2024.

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