3 PAGAMENTO E DEVOLUÇÃO DO CHEQUE PÓS-DATADO
3.1 CHEQUE PÓS-DATADO E LEI DO CHEQUE
O cheque pós-datado vem sendo amplamente utilizado no Brasil como um financiamento direto do fornecedor ou vendedor ao consumidor ou comprador, utilizado como facilitador do crédito.
De acordo com a Lei do Cheque, nº 7.357/85, o cheque é uma ordem de pagamento à vista, considerando-se não escrita qualquer menção em contrário. Além disso, o cheque apresentado para pagamento antes do dia indicado como data de emissão é pagável no dia da apresentação. As normas jurídicas vigentes na Lei Uniforme de Genebra e a Lei do Cheque (Lei nº 7.357/85), em confronto com os usos e costumes, posicionam o cheque como ordem de pagamento à vista, desconsiderando uma eventual pós-data expressa no título. E assim, com base na Lei do Cheque, o Banco Central do Brasil (BACEN) não reconhece o instituto do cheque pós-datado.
Estas disposições contrariam o objetivo da emissão do cheque pós-datado, que e o de estabelecer que o mesmo seja apresentado ao banco para pagamento em data futura, que é diferente da data em que ocorreu efetivamente foi emitido. Sendo assim, o cheque pós-datado decorre de uma prática empresarial que não tem respaldo legal na Lei do Cheque.
Dentre os requisitos necessários para a emissão do cheque, figura a provisão de fundos, segundo o qual, o emitente deve ter fundos disponíveis em poder do banco e estar autorizado a sobre eles emitir cheque, em virtude de contrato expresso ou tácito. Assim sendo, no caso de apresentação deste cheque a pagamento antes da data prevista, o banco poderá pagá-lo, se tiver saldo na conta do emitente, ou devolvê-lo, uma ou duas vezes, podendo, inclusive, encaminhar o nome do emitente do cheque para o Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos, mesmo em data anterior à data convencionada no título.
3.2 CHEQUE PÓS-DATADO E DIREITO DAS OBRIGAÇÕES NO CÓDIGO CIVIL
Do ponto de vista jurídico, trata-se de um contrato verbal em que o comprador, ao adquirir um produto ou serviço, paga o preço com um ou mais cheques, sendo certo que o vendedor se compromete a somente resgatar os títulos nas datas avençadas entre ele e o comprador. O procedimento é verbal, porém legal, e na maioria das vezes, o recebedor emite um recibo ou nota fiscal, discriminando os cheques. Trata-se de acordo de vontades, em que as partes estipulam, livremente, o modo de aquisição e o pagamento daquilo que foi acordado.
Constitui cláusula contratual, o fato de o vendedor oferecer ao comprador a venda de produtos e serviços mediante a entrega de cheque pós-datado como forma de pagamento, o que não pode ser descumprido, sob pena de o fornecedor assumir a obrigação de indenizar o consumidor por danos materiais e morais. As garantias são recíprocas, pois, o emitente comprador promete que terá fundos no dia da apresentação do título; o vendedor promete que só apresentará o cheque na data acertada. Neste sentido, o cheque pós-datado assume natureza contratual.
Entretanto, a natureza cambiária do cheque não se desnatura, pois, quando levado ao banco, é pago imediatamente, preservando, assim, sua principal característica, qual seja, a ordem de pagamento à vista.
Porém, a parte que desrespeitar o pactuado quando se emitiu o cheque, poderá ser responsabilizada civilmente pelos prejuízos que porventura vier a causar. Em seu artigo 186, o Código Civil, estabelece a obrigação de reparar o dano àquele que, por ação, ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem. Wald (1992) afirma que o não cumprimento da obrigação, quando injustificado, importa lesão de direito, determinando o ressarcimento do dano causado pelo inadimplente. Ainda, Coelho (2003) ensina que está se desenvolvendo o entendimento de que o vendedor, ao aceitar pagamento com cheque pós-datado, assume obrigação de não fazer, que consiste em não apresentar o título ao banco antes da data acordada entre as partes.
Assim sendo, fornecedor ou vendedor sabedor de que o cheque não poderá ser apresentado antes da data combinada, quando o faz, descumpre a obrigação assumida, devendo, assim, ressarcir os danos ou prejuízos causados ao consumidor, já que tal pacto, quando firmado, toma sentido jurídico, constituindo um ônus cujo cumprimento não poderá deixar de ser realizado.
3.3 CHEQUE PÓS-DATADO E CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor a transação efetuada entre o fornecedor ou vendedor e o consumidor ou o comprador, firmada na forma de pagamento por meio do cheque pós-datado, passou a ser regulamentada pela figura da oferta fixada pela Lei Consumerista.
Tornou-se prática usual de empresas fazer propaganda ostensiva de que seus produtos e serviços podem ser adquiridos por intermédio do pagamento com cheques pós-datados. Pelo artigo 30 do código consumerista, a informação ou publicidade da forma de pagamento perpetrada integra o contrato a ser celebrado. Desta forma, fornecedor deverá cumprir a sua oferta, ou seja, não apresentar o cheque antes da data acertada, sendo lícito ao consumidor exigir a rescisão do contrato, com a restituição do já pago mais perdas e danos. O artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990) estabelece que: " Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado".
Neste sentido, o cheque pós-datado pode ser regulado pela a figura da oferta, pois, é ela parte integrante do contrato por força expressa do código consumerista, e como tanto o preço quanto a forma de pagamento são parte da oferta do vendedor, eles integram o negócio realizado. Assim, se o fornecedor ou o vendedor oferece ao consumidor ou ao comprador como forma de pagamento o cheque pós-datado, somente pode apresentar o cheque banco no dia determinado, o que torna a oferta uma cláusula contratual, que não pode ser desrespeitada, sem que seja ele responsabilizado por quebra de contrato.
O consumidor não tem poder sobre a propaganda, é ele apenas um destinatário da mensagem. Por isso, quem anuncia deve ser responsabilizado por aquilo que afirma na propaganda, pois, o consumidor é hiposuficiente, vulnerável no mercado de consumo, sendo necessária a proteção pela ação governamental, de acordo com o código consumerista (BRASIL, 1990). A publicidade não poderá induzir a erro o consumidor, sob pena de o fornecedor ser obrigado a reparar o prejuízo causado pela publicidade enganosa da mesma forma, freqüência e dimensão, esclarecendo a todos os consumidores sobre o abuso cometido.
3.4 CHEQUE PÓS-DATADO E SÚMULA 370 DO STJ
Desde 1993, existem julgados sobre o pagamento ou devolução de cheque pós-datado, destacando que a apresentação antecipada do cheque pós-datado gera o dever de indenizar; e no caso de devolução por insuficiência de fundos de cheque apresentado antes da data ajustada entre as partes constitui fato capaz de gerar prejuízos de ordem moral. (MACIEL, 2009).
Em relação ao tema, a Súmula 370 apresenta a seguinte redação: “Caracteriza dano moral a apresentação antecipada do cheque pré-datado”, conforme Superior Tribunal de Justiça (2009). No caso da Sumula 370 do STJ, a novidade está no fato de que a súmula não impõe condições para o direito à indenização. Desta forma, não importa se o cheque emitido tem fundos ou não. O depósito antecipado causa dano automaticamente e, portanto, a obrigação de indenizar.
Assim, sob o aspecto jurídico, o cheque pós-datado inexiste e também quaisquer proteções às relações firmadas, pois as normas jurídicas vigentes na Lei Uniforme de Genebra e Lei do Cheque (Lei nº 7.357/85), em confronto com os usos e costumes, posicionam o cheque como ordem de pagamento à vista, desconsiderando uma eventual pós-data expressa no título. Entretanto, uma ação de indenização por danos morais e materiais decorrente da apresentação ou devolução antecipada do cheque pós-datado, poderá ser embasada no que determinam o Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil ou a Súmula 370 do STJ, dependendo do caso.
4 CONCLUSÃO
O cheque pós-datado consiste em ocorrência usual nas relações mercantis existentes no Brasil. Tal pratica resulta de acordo extracambiário efetuado entre o emitente, o consumidor ou o comprador e de outro lado, o beneficiário, o fornecedor ou o vendedor, estabelecido em forma de ajuste baseado na confiança mútua entre os participantes. O acordo firmado carece de enquadramento legal, pois a pós-datação é considerada inexistente pelas normas vigentes. Consequentemente, não há também qualquer tipo de penalidade prevista para o caso de descumprimento deste contrato ou garantia ao emitente, uma vez que o referido cheque pode ser pago na data da sua apresentação ao banco, se tiver saldo na conta, ou devolvido por insuficiência de fundos, mesmo em data anterior à data convencionada no título.
A prática de emissão do cheque pós-datado contrapõe-se ao posicionamento das normas jurídicas em vigor, representadas pela Lei do Cheque e pela Lei Uniforme de Genebra que consideram o cheque como uma ordem de pagamento a vista. Entretanto, ao contrário do que determina esse dispositivo legal, o Código de Defesa do Consumidor considera o cheque pós-datado como sendo um contrato entre as partes; a Súmula 370 do Supremo Tribunal de Justiça caracteriza a apresentação antecipada do cheque pós-datado como dano moral; o Código Civil configura obrigação de não fazer, pela qual o vendedor, ao aceitar pagamento com cheque pós-datado, assume obrigação de não fazer, ou seja, não apresentar o título ao banco antes da data acordada entre as partes. De acordo com estes últimos normativos, a apresentação antecipada do cheque antes da data pactuada, configura uma quebra de contrato que, acarretando algum prejuízo para o emitente, poderá ser objeto de uma ação indenizatória.
Nesse caso, a ação de indenização por danos sofridos pela apresentação antecipada de cheque pós-datado pode ser embasada pelas regras dispostas no Código de Defesa do Consumidor no que dispõe sobre a oferta e a publicidade; no Código Civil, no que se refere ao direito das obrigações; nas súmulas e nas decisões jurisprudenciais. No caso de apresentação antecipada do cheque pós-datado, quem tem responsabilidade civil e obrigação de indenizar é beneficiário, o fornecedor ou o vendedor e os terceiros que agiram de má-fé. Assim sendo, ação de indenização poderá ser fundada no Código de Defesa do Consumidor, se envolver relação de consumo, contra o fornecedor de produtos e serviços e ou no Código Civil e nas decisões jurisprudenciais, contra o beneficiário vendedor e terceiros de má-fé, quando a emissão de cheque pós-datado estiver relacionada a transação de compra e venda não caracterizada como relação de consumo.
Entretanto, é sabido, que mesmo havendo a possibilidade de ingressar com ação de indenização pelos danos sofridos com a apresentação antecipada do cheque pós-datado antes da data aprazada no título, as decisões preferidas nem sempre são favoráveis ao lesado, pois em alguns casos, o Juiz ou Tribunal segue o que está na lei. Além disso, o valor da indenização varia de acordo com o caso concreto, segundo o grau do dano eventualmente sofrido, ficando a critério exclusivo do convencimento de cada Julgador.
Diante do exposto, recomenda-se que haja uma legislação específica capaz de regulamentar o cheque pós-datado como um instituto diferenciado do cheque comum, previsto na Lei do Cheque, de modo a adequar a realidade jurídica à realidade cultural e social de nosso país.
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ABSTRAT: The article analyzes the liability to pay or return of post-dated check submitted before the agreed date. The post-dated check is not supported by the Cheque Act, necessitating other rules to resolve conflicts.
Keywords: Law of the Check, post-dated check, compensation for damages.