Introdução
Verifica-se no cotidiano dos centros urbanos uma prática abusiva, atrevida, irritante,desempenhada pelos famigerados “flanelinhas”, que causa perplexidade na sociedade.
Essa prática consiste em exigência (ou solicitação), direcionadas aos motoristas, de vantagem injustificada pelos supostos serviços de vigilância, ou auxílio (e.g. manobragem do veículo) prestados pelo guardadores de carro. Enfim, é exigida ou solicitada uma contraprestação por um serviço que as pessoas na maioria das vezes não deseja. Usam o pretexto de estarem protegendo seu veículo nos dizeres “posso dar uma olhada”, para receber vantagens patrimoniais sem muito esforço, valendo-se da vulnerabilidade da vítima.
O motorista estaciona seu veículo em local público, área comum da população, dentro dos padrões da lei de trânsito e mesmo assim se vê obrigado a realizar um pagamento injustificável, para pessoas que atuam sem qualquer tipo de autorização da Administração Pública. Há ainda casos piores em que é cobrada, concomitantemente, a tarifa zona Azul e a tarifa dos guardadores.
A reprovabilidade da conduta reside no fato de que está ínsita na exigência ou solicitação (cobrança) feita pelo guardador dos carros uma coação ao motorista. Esse fato é notório, insuscetível de sofismas destinados à perquirir alguma legalidade nessa ação. Não houvesse a coação seria fácil deixar de realizar o pagamento, mas a realidade é distinta.
Os “flanelinhas” ditam as regras: preço, forma e o momento do pagamento. Uma vez desrespeitadas suas regras o motorista está correndo sérios riscos a experimentar as suas “sanções” que consistem geralmente em danos praticados contra os automóveis, Arranhõesna lataria do carro, pneus furados, furto do veículo ou de seus acessórios. Há casos em que a violência é dirigida contra a pessoa, no entanto prevalece os ataques sorrateiros.
Embora seja patente o clamor público por uma resposta estatal, essa conduta à luz da legislação penal é atípica, vale dizer, não há previsão legal que a defina como crime, de sorte que essa prática não pode ser objeto da punição estatal (ius puniendi). Consequentemente os policiais, os delegados de polícia, o Ministério Público, os juízes estão de mãos atadas frente à essa realidade, na qual figura como maior vítima a sociedade civil que fica aguardando que o letárgico Poder Legislativo federal tome alguma atitude.
Várias foram as tentativas de provocar o judiciário com a finalidade de buscar a punição desse comportamento, no entanto a jurisprudência majoritária tem considerado a conduta atípica por ausência de adequação do fato à norma, notadamente no que tange às seguintes infrações:
- Artigo 47 da lei de contravenções penais (exercício ilegal de profissão)[1] e artigos 146 (constrangimento ilegal), 158(extorsão)[2], 171 do Código Penal (estelionato)[3], 328 (usurpação de função pública) todos do Código Penal.
Via de regra, na avassaladora maioria dos casos a ação penal culmina na absolvição seja por ausência de subsunção material (e.g. no caso da contravenção penal do artigo 47, por adequação social) ou pela ausência de subsunção formal (e.g. no caso da extorsão entende-se que a cobrança não configura grave ameaça, sendo portanto atípica[4]).
Nada justifica essa atividade, nem mesmo o desemprego, senão os mesmos motivos serviriam de base para arrazoar o tráfico de entorpecentes, a conduta habitual voltada ao crime e a existência do matador de aluguel. Uma coisa é mendigar outra coisa é coagir direta ou indiretamente para se beneficiar da vulnerabilidade de outrem.
Aspectos jurídico
O comportamento em tela somente poderá ser considerado criminoso após a criação de um tipo penal que o defina como tal, em respeito ao princípio da reserva legal (artigo 5º inciso XXXIX da Constituição Federal e artigo 1º do Código Penal).
Destarte, em se tratando de matéria penal, somente por meio da aprovação de um projeto de lei federal será possível a definição normativa da conduta como criminosa. Nos termos do artigo 22, inciso I da Constituição Federal, compete privativamente a União legislar sobre matéria penal, ou seja, a lei deverá ser aprovada pelo Poder Legislativo (Congresso Nacional) observado o procedimento estabelecido na Constituição Federal.
No tocante à necessidade e adequação (proporcionalidade) da criação deste tipo penal, ao meu ver não resta dúvida. O Direito Penal (conceito material) visa à proteção dos bens jurídicos de maior relevo, ou nas palavras de Luiz Regis Prazo:
Direito Penal é o setor ou parcela do ordenamento jurídico público que estabelece as ações ou omissões delitivas, cominando-lhe determinadas consequências jurídicas - penas ou medidas de segurança (conceito formal). Enquanto sistema normativo, integra-se por normas jurídicas )mandatos e proibições) que criam o injusto penal e suas respectivas consequências.
De outro lado, refere-se, também, a comportamentos considerados altamente reprováveis ou danosos ao organismo social, que afetam gravemente bens jurídicos indispensáveis à sua próproa conservação e progresso (conceito material). (PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal brasileiro, volume 1; parte geral – 6ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006)
A conduta (exigir ou solicitar) causa lesão ou perigo concreto de lesão a bens jurídicos relevantes como a liberdade, individual, o patrimônio, a integridade física e psíquica. Trata-se de um comportamento carregado de considerável desvalor social (ofensividade). A criação desse tipo penal é necessária pelo que se extrai do sentimento da sociedade de inconformidade e desamparo frente à essa realidade (substrato social e valoração positiva do bem jurídico a ser tutelado).
Nota-se que os praticantes dessa ação implementam sua vontade particular manifestamente ilícita contra o direito alheio, rompendo com o laço social em contramão da vontade geral, urgindo o clamor público por uma resposta estatal adequada com vistas à manutenção de um corpo social equilibrado e solidário, objetivos consentâneos àqueles estabelecidos na Constituição. A própria lei fundamental um mandamento de criminalização aos atos que atentem contra as liberdades fundamentais em seu art. 5º, XLI (a lei castigará qualquer discriminação contra direitos e liberdades fundamentais).
Criminalizar a conduta dos “flanelinhas” permitirá que o Estado faça uso de sua soberania, utilizando o seu direito de punir (ius puniendi)para dar a resposta esperada, sem se olvidar da finalidade que a pena possui em nosso ordenamento, conforme entendimento de Nucci (2011), qual seja de retribuição, prevenção (geral e especial), a qual abarca a ressocialização (reeducação).
A administração pública não tem meios viáveis de solução dessa situação, urgindo a necessidade de que essa conduta passe a figurar como criminosa no ordenamento jurídico pátrio. Importante salientar que não se trata de direito penal do autor, mas sim direito penal do fato. Até porque o primeiro não coaduna com o Estado Democrático de Direito.
Quando os demais ramos do direito não são suficiente para disciplinar uma relação jurídica com efetividade deve o direito penal, que possui essa característica subsidiária e fragmetária, ser utilizado na defesa dos direitos individuais (bens jurídicos). Ressalte-se que, em um Estado Garantista, o princípio da intervenção mínima deve lastrear a aplicação das normas penais, nas palavras de Guilherme Nucci esse princípio sinifica:
O direito penal é considerado a ultima ratio, isto é a última cartada do legislativo, quando se entende que outra solução não pode haver senão a criação de lei penal incriminadora, impondo sanção penal ao infrator. (NUCCI, Guilherme de Souza; Manual de Direito Penal: parte peral – parte especial 7.ed. rev., e ampl. – São Paulo; Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 86-87)
Nesse sentido, Rogério Greco citando Claus Roxin faz importante constatação sobre o aspecto subsidiário do direito penal:
‘A proteção de bens jurídicos não se realiza só mediante o Direito Penal, senão que nessa missão cooperam todo o instrumental do ordenamento jurídico. O Direito Penal é, inclusive, a última dentre todas as medidas protetoras que devem ser consideradas, quer dizer que somente pode intervir quando falhem outros meios de solução social do problema – como a ação civil, os regulamentos de polícia, as sanções não penais etc. Por isso , se denomina a pena como a ultima ratio da politica social e se define sua missão como proteção subsidiária de bens jurídicos’ (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal- 11.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009, pg. 50)
Em meio ao constante distúrbio social e a considerável lesividade que causa a ação dos “flanelinhas”, grita a sociedade por uma resposta estatal, devendo o direito penal, a ultima ratio servir de instrumento para o combate a essa violação com o fim de proteger a liberdade pessoal e o equilíbrio das relações intersubjetivas.
Projetos de Lei que versam sobre a matéria
Atualmente, tramita na câmara dos deputados os seguintes projetos de lei que versam sobre a criação de um tipo penal para disciplinar a conduta dos guardadores de carros ou “flanelinhas”. São esses[5]:
PL 2701/2011:autor Deputado FabioTrad – PMDB/MS
PL 4090/2012: autorDeputadoSeverinoNinho – PSB/ES
PL 5464/2013: autorDeputadoLaercio Oliveira – PR/SE
PL 5626/2013:autorDeputado Sergio Brito – PSD/BA
Críticas aos projetos
Na fundamentação do projeto de lei 2701/2011 o deputado Fabio Trad se vale da Teoria da Janelas Quebradas (BrokenWindowTheory), que de certa forma contrapõe o princípio da intervenção mínima, para justificar a criação de um tipo penal para tutelar essa atividade:
“Segundo a Broken Windows Theory (Teoria das Janelas Quebradas), de autoria de George L. Kelling e Catherine Coles, uma estratégia de êxito para prevenir os delitos, segundo os autores do estudo, é resolver os problemas quando eles são pequenos. Com a tipificação da conduta delituosa e reintegração das vias e logradouros ao poder público, estaremos possibilitando que a sensação de paz e tranquilidade retorne ao cotidiano dos pessoas.”[6]
Segundo esse projeto de lei o Código Penal será acrescido do artigo 160-A com a seguinte redação:
Art.158-A – Constranger alguém, mediante ameaça, a permitir a guarda, vigilância ou proteção de veiculo por quem não tem autorização legal ou regulamentar para o exercício destas funções.
Pena – detenção, de 1 a 4 anos, e multa.
§1º Incorre nas mesmas penas aquele que solicitar ou exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, dinheiro ou qualquer vantagem, sem autorização legal ou regulamentar, a pretexto de explorar a permissão de estacionamento de veículo alheio ou em via pública, bem como aquele que, sem o consentimento do condutor,constrange-o a permitir serviços de limpeza ou reparos no veiculo em via pública.
Acrescenta artigo ao Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal.
§2º As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, se resultar dano aos veículos em virtude do não consentimento do condutor.
Verifica-se que tal projeto visa punir não só os guardadores de carros, mas também a conduta de limpeza de vidro no trânsito, feita por pessoalmente extremamente humildes, normalmente moradores de rua e usuários de drogas. A parte grifada do parágrafo primeiro mostra-se manifestamente inconstitucional. Trata-se de uma afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana. A Constituição no artigo 6º estabelece entre outros direitos sociais, a serem fornecidos pelo Estado, a educação, a saúde, a moradia, a alimentação, o trabalho, a assistência aos desamparados.
O Estado que falha em desempenhar seu papel Constitucional não pode punir aquele que em estado de miserabilidade trabalha por algumas moedas, sem explorar a vulnerabilidade da outra pessoa. A conduta carece de ofensividade (não há lesão ou perigo concreto de lesão a bem jurídico relevante).
Por outro lado a ação perpetrada pelos guardadores de carros é manifestamente diversa daquele desempenhada pelos limpadores de vidro. Senão vejamos:
Limpadores de vidro:
I - não realizam coação, apenas jogam o produto no vidro.
II- se satisfazem com alguma moedas.
III- A implementação de políticas públicas voltadas ao combate as drogas, ao fornecimentos de educação e moradia de qualidade mostra-se como uma solução consentânea aos direitos individuais fundamentais, sendo despicienda se socorrer ao direito penal, diante de seu aspecto subsidiário.
IV- eventuais danos causados ao veículo seriam feitos na sua frente do motorista, pois a pessoa permanece no veículo, vale dizer, os crime de dano, eventualmente praticados pelo limpadores de vidro ensejarão que a vítima prontamente acione a polícia para realizar sua prisão em flagrante.
Já os “flanelinhas”:
I- estabelecem preços pré-fixados. Próximo a estádio de futebol, bares, centro comerciais, cobram valores que variam entre R$ 2,00 a R$ 50,00.
II- Cobram valores elevados, ou seja, lucram sobre sua atividade ilegal, fazendo dessa atividade seu trabalho diário, uma vez que o Poder público permanece inerte. Há lugares em São Paulo em que a indolência é tanta que são cobrados dos motoristas valores mensais para estacionarem na rua. E.g. nas imediações da Universidade Mackenzie em Higienópolis.
III- A coação existe. Ainda que indiretamente. A pessoa fica sem alternativa e realiza e na maioria das vezes cede a pressão e realiza o pagamento.
IV – Na hipótese de não realizar o pagamento o cidadão sabe que provavelmente seu veículo será objeto de ataques sorrateiros. Quando não sofre ataques pessoais.
V- Ataque sorrateiros significa que a vítima não consegue flagrá-lo praticando o ato, sendo extremamente árdua a tarefa de provar a autoria do dano.
Já o projeto de autoria do deputado (PL 4090/2012) possui a seguinte redação:
“Art.160-A. Solicitar ou exigir, para si ou para terceiro, a qualquer título, dinheiro ou qualquer vantagem, sem autorização legal ou regulamentar, a pretexto de explorar a permissão de estacionamento de veículo alheio em via pública:
Pena – detenção, de 1 a 3 anos, e multa.”
O tipo penal em tela pune unicamente a ação dos “flanelinhas”, contendo uma redação bem mais simples do que a do projeto anterior. No entanto, um ponto de obscuridade desse projeto está no artigo 1º que diz:
Art. 1.o. Esta Lei acrescenta o artigo 160-A ao Decreto-lei n.o 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, a fim de tipificar a conduta de solicitar ou exigir, de forma habitual, dinheiro ou qualquer vantagem, para explorar a permissão de estacionamento de veículo alheio emvia pública.
A expressão “de forma habitual” tende a demonstrar que se trata de um crime habitual, ou seja, para se consumar requer uma prática reiterada e contínua.
Rogérico Greco sobre os crimes habituais:
São delitos em que, para se chegar à consumação é preciso que o agente pratique de forma reiterada e habitual, a conduta descrita no tipo. Ou o agente comete a série de condutas necessárias e consuma a infração penal, ou o fato por ele levado a efeito é atípico”.: (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal- 11.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009, pg. 258).
Se a ideia for criar criminalizar a conduta por meio de um delito habitual fatalmente prejudicará a aplicação desse artigo e não alcançará o fim almejado que é combater essa conduta. A tarefa de provar a habitualidade é extremamente árdua.
No tocante ao projeto elaborado pelo Deputado Larcio de Oliveira (PL 5464/2013) parece ser o projeto com maior acerto e menos imprecisões. A redação proposta é a seguinte:
Art. 2o O Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal – passa a vigorar acrescido do seguinte dispositivo:
“Constrangimento Ilegal Art. 146 ...................................... ....................................................
§ 4o As penas cominadas neste artigo aplicam-se à prática de exigir, com intuito de obter vantagem, contribuição financeira indevida relativa a estacionamento de veículos em locais e vias públicas.
....................................................” (NR).
Segundo esse projeto, equipara-se a conduta dos “flanelinhas” ao constrangimento ilegal. Trata-se de um projeto simples e preciso apto a atingir a finalidade nela embutida. Vale expor parte da sua justificativa para elaborar esse texto:
“Por fim, entendemos por bem tipificar a prática de exigir contribuição financeira indevida relativa a estacionamento de veículos em locais e vias públicas como crime de constrangimento ilegal, adequando-a à sistemática penal brasileira e levando em consideração notícia veiculada no endereço eletrônico do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Lá verificamos relato de que a Comissão de Juristas que elabora anteprojeto de Novo Código Penal concluiu que esta seria a melhor forma de enquadramento penal da ação.”[7]
Por fim o projeto de lei PL 5626/2013 visa acrescentar o artigo 160-A com a seguinte redação:
Extorsão visando a vigilância de veículos estacionados em vias e locais públicos
Art. 160-A. Exigir ou solicitar dinheiro, ou qualquer outra vantagem econômica, sem autorização legal ou regulamentar, em contrapartida
à vigilância de veículos estacionados em vias e locais públicos:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e
multa.”
Note-se que, a inserção desse tipo penal no título dos crimes patrimoniais, implica em dizer que o bem jurídico tutelado precipuamente é o patrimônio. É possível vislumbrar que as futuras ações penais movidas com fulcro nesse artigo provavelmente serão julgadas improcedentes. Sabe-se que crimes cometidos mediante violência e grave a ameaça não admitem a aplicação do princípio da insignificância, no entanto o tipo penal em tela não prevê violência ou grave ameaça, dando margem à consideração de que a conduta é atípica, notadamente quando os valores cobrados são sempre baixos.
Valor baixo significa que o dano patrimonial resvala no insignificante penal, não havendo subsunção material da conduta. Em última análise, a aparente ausência de lesividade da conduta, lastreada por uma interpretação equivocada, permitiria que tal dispositivo fosse inócuo.
Ressalte-se que embora o crime de extorsão e roubo estejam no título dos crimes patrimoniais tal ação delitiva lesa variados bens jurídicos conforme assinala Cezar Roberto Bittencourt:
Os bens jurídicos protegidos na criminalização da extorsão, que também é um crime complexo, a exemplo do crime de roubo, são a liberdade individual, o patrimônio (posse e propriedade) e a integridade física e psíquica do ser humano” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal; parte especial: v.3 – São Paulo; Saraiva, 2003. P. 118).
Por essas razões, para evitar esse tipo de interpretação deve-se inserir um tipo penal dessa natureza no título I (Dos Crimes contra a Pessoa), no capítulo VI (Dos crimes contra a liberdade individual) seção I ( Dos crimes contra a liberdade pessoal). E de fato, mais do que o patrimônio a conduta infringe o direito de liberdade do próximo, vale dizer, o bem jurídico precipuamente tutelado em tela é a liberdade. O tipo penal poderia até ser inserido em uma legislação de defesa do consumidor porque a conduta também representa manifestamente uma afronta aos princípios da relação de consumo (e.g. boa-fé objetiva e vedação aos abusos das relações de consumo)
Conclusão
A conduta dos guardadores de carro não pode ser considerada adequada socialmente, vale dizer, não só é plausível que o legislador criminalize tal conduta como também é legítima a criação de um tipo penal para disciplinar tal comportamento. A criação de um tipo penal nesse sentido mostra-se consentânea à proteção de bens jurídicos constitucionalmente assegurados (liberdade, segurança, patrimônio, defesa do consumidor), aos anseios da sociedade civil e aos princípios que iluminam a aplicação das normas penais. Tal imposição é, ao meu ver, aceitável sob o crivo dos princípios limitadores do direito penal, delineados por Alice Biachini, Antônio Garcia-Pablos de Molina e Luiz Flávio Gomes (Direito Penal: Introdução e princípios fundamentais, 2009)
- Princípio da intervenção mínima, abarcando a subsidiariedade e a fragmentariedade;
- Princípio da lesividade (ou ofensividade);
- Princípio da exclusiva proteção dos bens jurídicos;
- Princípio da necessidade.
Dentre os projetos de lei que versam sobre à matéria, apresenta-se tecnicamente como a melhor solução aquele de autoria do Deputado Laercio Oliveira – PR/SE, ou seja o Projeto de Lei PL 5464/2013, que no entanto deve aguardar a morosidade do Congresso Nacional para quiçá ser votado e aprovado e posteriormente sancionado.
Se fosse aprovado o novo tipo penal, indubitavelmente serviria como importante instrumento à polícia, aos delegados de polícia, ao Ministério Público, ao Judiciário no combate a essa atividade nociva à coletividade.
Notas
[1]Vide STJ - HCNº 190.186 - RS (2010/0208251-7) e STF -HC n.º 115.046/MG
[2] excepcionalmente encontra-se alguns casos de condenação. http://www.conjur.com.br/2008-out-01/juiz_rondonia_condena_flanelinha_extorsao
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u430594.shtml
[3]Vide STJ – HC N° 18.314/RJ (2001/0103984-1)
[4]No entendimento de Guilherme de Souza Nucci : “(...)grave ameaça representa uma intimidação, contendo a promessa de promover contra a pessoa um mal futuro e sério” (NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal comentado, 2009. p. 681)
[5]http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=527236
[6]http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=2A0B7DC6B78D7CEFFD91544C24D9579E.node1?codteor=938500&filename=PL+2701/2011
[7]http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1081869&filename=PL+5464/2013