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O cadastro positivo de crédito e o inflexível protecionismo ao consumidor

10/02/2014 às 12:52
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Ao fim das contas, o projeto reduz o risco da concessão do crédito propriamente dito, mas faz ampliar o provisionamento financeiro para as demandas judiciais relativas à ocorrência de supostos danos morais.

Em 1º de Agosto de 2013, deu-se início ao funcionamento do Cadastro Positivo de Crédito, um banco de dados relativos ao histórico de crédito e adimplemento de pessoas naturais e jurídicas, criado pela Medida Provisória nº. 518/2010, posteriormente convertida na Lei nº. 12.414/2011, sendo que o Decreto n°. 7.829/2012 e a Resolução nº. 4.172/2012 completam a disciplina do assunto. Contudo, a experiência e as jurisprudências relativas aos cadastros de inadimplentes tornam questionáveis os benefícios sobre o novo banco de dados.

A exposição de motivos da Medida Provisória nº. 518/2010, já convertida em Lei, indicava o novo cadastro como basilar à criação de “arcabouço legal que incentive a troca lícita de informações pertinentes ao crédito e as transações comerciais, reduzindo o problema da assimetria de informações e proporcionando novos meios para redução das taxas de juros e para ampliação das relações comerciais, com a adequada proteção da privacidade das pessoas” – ou seja, com a anotação positiva sobre as datas de assunção das obrigações de pagamento, do valor total da operação e as importâncias pagas, bem como as remanescentes, das parcelas contraídas, o mercado de crédito e varejo poderia “diferenciar de forma mais eficiente os bons e os maus pagadores, com a consequente redução do risco de crédito por operação, que permitirá a redução dos custos vinculados à expansão do crédito de uma forma geral”.

A este passo, as instituições financeiras estariam aptas a criar novos requisitos objetivos para a concessão de crédito, os quais, se sabe, por ampla jurisprudência, serem lícitos à concessão de crédito, posto que

Considerando a existência de restrição no SERASA adicionado ao comprometimento da renda da autora, a negativa de concessão de crédito não configura ofensa à honra a justificar o pagamento de indenização por danos morais. No sistema capitalista os bancos são inteiramente livres para analisar o risco da concessão de empréstimos, ainda que divulguem publicidade que anuncie facilidades quanto aos requisitos para o deferimento de financiamentos[1]

Contudo, a experiência com órgãos de restrição creditícia – cujo cadastro deveria, igualmente, fornecer arcabouço legal capaz de diferenciar bons e maus pagadores, reduzindo as análises de risco de crédito – expõe situações em que, nada obstante constar análises negativas, os novos fornecedores que se neguem à concessão de crédito acabam por suportar o ônus de comprovar que na data da negativa creditícia havia o registro criado por terceiro e que não expuseram o consumidor à situação vexatória, tal como determinado no Acórdão proferido aos autos nº. 0011957-63.2012.805.0001[2]:

Assim, para não caracterizar violação ao disposto no inciso IX, do art. 39, do CDC, caberia ao Recorrido evidenciar a razão que apresentou para a negativa da contratação almejada pelo Recorrente, tarefa que não se desincumbiu (...) Com isso, não comprovado o motivo alegado no período informado para a negativa da contratação, a conduta do Recorrido se mostra ilícita, sendo apta a ensejar danos de natureza moral.

Dessa forma, reduz-se o risco da concessão do crédito propriamente dito, por razões amplamente expostas na jurisprudência[3], mas amplia-se o provisionamento financeiro para as demandas judiciais relativas à ocorrência de supostos danos morais. Ao final da equação, com a utilização dos cadastros negativos de crédito, as instituições financeiras permanecem com a mesma análise de risco às operações colocadas ao mercado – ganha-se na rejeição do crédito aos maus pagadores, perde-se em demandas judiciais infundadas.

A este passo, merece especial destaque ao art. 16 da Lei 12.414/2011, cuja redação polemiza sobre o inflexível protecionismo ao consumidor, impondo responsabilidade objetiva e solidária também àqueles quem acessem as informações do banco de dados, denominados “consulentes”. Já há Projeto de Lei[4] para a alteração do texto legal, para atribuir apenas ao banco de dados e à fonte das informações a responsabilidade objetiva e solidária por eventuais danos materiais e morais.

Ao final, o inflexível protecionismo ao consumidor, com origem em equivocadas interpretações do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) e levianamente repetidas em legislação posterior – como o caso da Lei 12.414/2011 – acarreta na perda da mens legislatoris, exprimida exposição de motivos da Medida Provisória nº. 518/2010.

Mais uma vez, “cobre-se um santo para descobrir outro”: As instituições financeiras permanecem com a mesma análise de risco às operações colocadas ao mercado – ganha-se na captação de crédito aos bons pagadores, perde-se em demandas judiciais infundadas. A polêmica permanece, o Projeto de Lei nº. 331/2011 aguarda designação de relator junto à Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle, e em 2014 haverá mais discussão, já que recente Resolução do Banco Central[5] prorroga para 01/06/2014 a aplicação do cadastro positivo às administradoras de consórcio.


Notas

[1] TJ-DF - APL: 88887620068070001 DF 0008888-76.2006.807.0001, Relator: ROMEU GONZAGA NEIVA, Data de Julgamento: 03/03/2011, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: 21/03/2011, DJ-e Pág. 166

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[2] EMENTA: RECURSO INOMINADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. CONSUMIDOR QUE TEVE NEGADA A CONTRATAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO, SOB ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE RESTRIÇÕES CREDITÓRIAS, QUE NÃO RESTARAM PROVADAS PELA OPERADORA NO PERÍODO ANTERIOR À EMISSÃO DA CARTA NEGATIVA. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE A PRETENSÃO DO CONSUMIDOR. REFORMA DO JULGADO. CONDUTA DA OPERADORA QUE TROUXE VIOLAÇÃO AO CDC. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA – INTELIGÊNCIA DO ART. 14 DO CDC. ATO ILÍCITO, NEXO CAUSAL E DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO RAZOAVELMENTE FIXADO EM R$ 1.500,00 (UM MIL E QUINHENTOS REAIS). PROVIMENTO DO RECURSO. SENTENÇA REFORMADA. (Recurso Inominado 0011957-63.2012.805.0001, Relatora: Sandra Inês Moraes Rusciolelli Azevedo. Data do Julgamento:16/07/2012, 5ª Turma Recursal do Estado da Bahia)

[3] “(...) É liberdade do comerciante decidir quanto a concessão ou não de crédito ao consumidor, já que caso este venha a se tornar inadimplente, aquele é quem suportará diretamente prejuízos. Não havendo a exposição do proponente a situação vexatória quando da negativa do crédito, não há falar em lesão moral indenizável” (TJ-RS - AC: 70042788737 RS , Relator: Gelson Rolim Stocker, Data de Julgamento: 14/12/2011, Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 16/12/2011)

[4] PLS - PROJETO DE LEI DO SENADO, Nº 331 de 2011. Autor: Sen. Armando Monteiro. Ementa: Altera a redação do art. 16 da Lei nº 12.414/11, que disciplina a formação e consulta a banco de dados com informações de adimplemento, de pessoas naturais ou de pessoas jurídicas, para formação de histórico de crédito, para estabelecer que o banco de dados e a fonte são responsáveis objetiva e solidariamente pelos danos materiais e morais que causarem ao cadastrado. Disponível em http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=100731

[5] Resolução CMN nº 4.257/2013: Incluiu à Resolução 4.172, de 20/12/2012 o art. 7º, parágrafo único. http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/normativo.asp?tipo=Res&ano=2012&numero=4172

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Fernanda Andrade. O cadastro positivo de crédito e o inflexível protecionismo ao consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3876, 10 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26666. Acesso em: 2 nov. 2024.

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