2.4. Autonomia das Agências Reguladoras
As agências reguladoras são autarquias de regime especial, criadas para dar conveniência ao modelo de intervenção estatal. São entidades que contam com a especialidade, pois são entes técnicos, não políticos, com competência para dispor sobre determinados assuntos e proceder fiscalização no setor de atuação com autonomia.
As vantagens proporcionadas por esses entes são a não participação direta do Estado em determinadas situações, gerando para estas entidades uma responsabilidade na área em que atuam, como também, um nível de especialização na prestação dos serviços, e autonomia financeira, para assim, fornecer aos interessados celeridade na execução dos serviços.
Um risco da atividade prestada pelas agências é a captura dos entes pelos agentes regulados, que se configura quando o ente administrativo perde a autoridade, e deixa de produzir em favor da coletividade e passa a realizar ações em favor dos órgãos empresariais regulados, configurando um desvio de finalidade dos agentes reguladores, que pode ser evitado pela realização de um controle efetivo nessas pessoas administrativas.
Uma característica relevante das agências é a especialidade, pois cada ente atua na área em que sua lei criadora determinar, assim é difícil de se conceber uma uniformização entre os entes, já que se tratam de entidades singulares, embora tenham vários pontos em comum. A Lei Federal nº 9.986/00 tentou uniformizar essas entidades, dispondo sobre a gerência dos recursos humanos dos entes reguladores.
A Lei nº 9.986/00 estabelece a maneira que se dará a investidura nos cargos existentes nas agências reguladoras, devendo ser mediante concurso público, e as relações de trabalho regidas pela Consolidação das Leis Trabalhistas. A lei ainda estabelece que as agências serão dirigidas por um órgão colegiado, e os requisitos exigidos para o exercício do cargo de dirigente, devendo a nomeação ser feita pelo Presidente da República, após aprovação pelo Senado Federal. Também é prevista a criação de uma Ouvidoria.
Vale ressaltar, a criação da Lei 10.871 de 20 de maio de 2004, que revogou alguns artigos da referida lei e dispõe sobre a criação de carreiras e organização de cargos efetivos das autarquias especiais denominadas Agências Reguladoras, e dá outras providências, como também o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2135, onde o STF, através de medida cautelar, declarou a inconstitucionalidade da alteração do caput do art. 39, CF/88, pela Emenda 19/98, que permitia a adoção do regime celetista, permitindo a contratação de servidores na esfera federal pelo regime único e pelo celetista, desta forma, a partir da medida cautelar fica proibido a Administração Direta, autárquica e fundacional a contratação de servidores pelo regime celetista.
Apesar das diferenças existentes em cada entidade, existem traços característicos comuns que as compõem, a exemplo da autonomia administrativa, que se dá pelo mandato fixo dos dirigentes, concedido mediante aprovação do Senado Federal; a autonomia financeira, pela cobrança de taxas de fiscalização sobre os agentes fiscalizados, ou pelo recebimento de percentuais de participação em contratos; e a autonomia técnica, que ocorre pela existência de pessoal técnico especializado na área de atuação da agência, com a finalidade de acompanhar o desenvolvimento tecnológico da área.
2.4.1 Autonomia administrativa
A autonomia administrativa das agências reguladoras é reconhecida pela personalidade jurídica conferida a esses entes, personalidade esta, conferida pelas leis de criação, que lhes garante capacidade de contratar, contrair obrigações e adquirir direitos em nome próprio, de acordo com o ordenamento jurídico, dotando as agências de independência gerencial, como também, assegura a nomeação dos dirigentes pelo Poder Executivo, a detenção de mandato fixo, estabelecido nas leis instituidoras e a impossibilidade de exoneração ad nutum dos diretores, salvo pelo cometimento de falta grave apurada mediante processo.
A independência gerencial das entidades reguladoras ocorre pela separação desses entes da classe política, para se ter transparência nas relações, com o objetivo de prestar serviços eficientemente, atendendo aos anseios sociais. A agência deve ter independência suficiente para se opor aos interesses dos governantes, devendo agir como um instrumento de implementação de políticas governamentais, por ser uma entidade do Estado, e não de um determinado governo[11].
A estabilidade dos dirigentes das agências é outra manifestação da autonomia administrativa destes entes. A impossibilidade de exoneração ad nutum de seus dirigentes é uma forma de assegurar a independência das entidades, para garantir a segurança jurídica dos agentes regulados e a preservação dos atos regulatórios. O mandato fixo, seguindo o prazo estipulado na lei, gera para os dirigentes autonomia para o exercício da função, sem que as mudanças de governos possam interferir na condução das entidades, preservando a independência do ente, só podendo o diretor ser exonerado pelo cometimento de fato grave apurado mediante processo, assegurado o contraditório. Nos ensinos de Araujo[12],
Característica das agências reguladoras que as diferencia das demais autarquias seria o fato de seus dirigentes serem detentores de mandato. Isso significa que não são exoneráveis ad nutum pelo Chefe do executivo, o que configura certa independência “política” em relação ao governante, pois só poderiam deixar tais cargos voluntariamente, ou ao final do mandato, ou por destituição, nos termos da lei e de seus estatutos, como nas empresas públicas, sociedade de economia mista e fundações.
Outra forma de manifestação da autonomia das agências se dá pela previsão nas leis instituidoras dos entes reguladores de um “período de quarentena”, reconhecido como a impossibilidade dos dirigentes das entidades reguladoras de prestarem serviço, direta ou indiretamente, pelo prazo de um ano, a qualquer tipo de empresa que tenha se submetido a sua regulamentação ou fiscalização. Enquanto estiver impedido, o ex-dirigente tem assegurado o direito à remuneração equivalente a que recebia no exercício de suas funções.
Na esfera federal, foi criada a Lei nº 9.986/00 que teve por objetivo dispor sobre a administração dos recursos humanos nas agências reguladoras. O art. 1º da referida lei federal determina a adoção da Consolidação das Leis Trabalhistas e legislações correlatas para reger as relações de trabalho na entidade, sendo os cargos preenchidos na forma de emprego público. A Lei 10.871 de 2004, não revogou este artigo, mas propôs a criação de carreiras e organização de cargos efetivos das agências reguladoras. Como afirmado anteriormente, o STF revogou a alteração feita no caput do art. 39, pela EC 19/98, assim hoje está impossibilitada a Administração Direta, autárquica e fundacional de contratar servidores pela CLT.
A Lei nº 9.986/00 veio confirmar o que antes era aplicado, e fixar que: os diretores das agências devem ser nomeados pelo Presidente da República, mediante aprovação do Senado Federal e os requisitos para a ocupação do cargo; o período de quarentena, impondo ao ex-dirigente, após o cumprimento do mandato, a não prestação de serviço, por um período de quatro meses, no setor público ou nas empresas reguladas pela agência em que exercia sua atividade; e a estabilidade dos diretores, que só perderão o cargo mediante renúncia, condenação judicial transitada em julgado ou processo administrativo.
2.4.2 Autonomia financeira
A autonomia financeira é dada às agências através de dotações orçamentárias gerais e pela arrecadação de rendas, que pode ocorrer por meio das taxas de fiscalização e regulação, ou por participação em contratos e convênios. As leis instituidoras das agências possibilitam que os entes reguladores estabeleçam taxas de fiscalização durante o contrato de concessão com os agentes regulados ou de uma parcela das participações governamentais em alguns setores, e também determina como se dará a arrecadação dessas receitas. Afirma Menezello[13],
A autonomia financeira, evidenciada pela cobrança da taxa de fiscalização dos agentes fiscalizados, ou seja, as empresas concessionárias, permissionárias ou autorizadas e, no caso da ANP, pelo recebimento de parcela das participações governamentais.
Vale ressaltar que por terem forma autárquica de direito público, os bens das agências reguladoras são considerados bens públicos, e a responsabilidade jurídica pelos danos causados a terceiros por essas entidades se dá objetivamente, conforme previsão constitucional, nos termos do § 6º do art. 37[14] da CF/88. Desta forma, as agências serão responsáveis civilmente quando cometerem atos, ou a pretexto de exercê-los, de forma comissiva ou omissiva, que tragam prejuízo aos usuários, agentes regulados, ou a terceiro afetado pelo ato, em decorrência da prestação do serviço pela agência.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Assim, podemos verificar que a autonomia financeira das agências reguladoras garante que a criação dessas entidades não gerará ônus para o Estado, pois os recursos necessários para o seu desenvolvimento e manutenção podem ser cobrados de todos os usuários e pessoas beneficiadas pelos serviços prestados. Em outras palavras, de acordo com o princípio tributário retributivo contraprestacional, o Estado tem o direito de cobrar do cidadão o necessário para o exercício de seu poder de polícia, pelos benefícios trazidos a sociedade por sua fiscalização.
2.4.3 Autonomia técnica
A autonomia técnica decorre da especialização e singularidade de cada setor da economia regulado por uma determinada agência. Um requisito básico para a admissão em cargo de direção dos entes reguladores é o amplo e aprofundado conhecimento da área de atuação. Leila Cuéllar[15] diz,
A especificidade de cada agência está traçada na lei que a cria e decorre das previsões legais “especiais” que a adornam. Não se podem estabelecer os mesmos elementos encontrados em relação a uma entidade para a(s) outra(s), pois isto consistiria inclusive em agressão, desconsideração da própria noção de especialidade. Assim, haverá graus diferentes de especialidade para cada autarquia a que se confere natureza especial.
A especialização das agências reguladoras está ligada à criação dos entes e ao poder normativo que lhes é conferido, pois a capacidade técnica é requisito para a legitimação das entidades reguladoras, lhes conferindo um maior conhecimento do setor regulado.
A autonomia técnica deve ser buscada pelas agências para o aperfeiçoamento da prestação dos serviços e dos funcionários, para que a sua atuação não seja submetida ao maior conhecimento dos agentes regulados.
2.5 O Poder Regulador
No Estado Constitucional de Direito todo o ordenamento jurídico se origina na Constituição, que exerce a função normativa e de orientação valorativa para o desenvolvimento e a execução daquilo que nela é previsto, incluindo a atividade administrativa[16]. Assim, podemos afirmar que todos os poderes são decorrentes da Carta Magna, que traça o caminho para o seu exercício.
O poder regulador é atribuído pelo Estado a órgãos da Administração Direta e a entidades da Administração Indireta, integrantes da sua estrutura, para regular determinado setor. Nenhum deles está investido no poder de criar normas inovadoras na ordem jurídica, mas possuem capacidade para pormenorizar tecnicamente os ditames legais e constitucionais, estabelecendo comandos abstratos e genéricos[17].
Desta forma, podemos afirmar que regulação é uma atividade normativa onde o Estado, por meio de entes técnicos, intervém no mercado, determinando requisitos para a atuação dos agentes econômicos. Regular significa estabelecer regras, harmonizar o mercado, é a edição de normas capazes de influenciar o mercado, para evitar a sua deturpação e a atuação irregular de empresários mal intencionados.
Sabemos que o Estado nos últimos anos transitou de um modelo prestador de serviços para ser um regulador, podendo nas diversas situações interferir nos acontecimentos econômicos que ocorrerem, sendo estes de ordem nacional ou internacional. Autores como Raquel Melo de Carvalho[18] defendem que a tendência atual é que o Estado se torne ainda mais regulador, devido ao distanciamento que o legislador deve manter em relação aos casos concretos na edição das leis para evitar futuras injustiças, tendência esta denominada de administrativização do Direito Público.
A regulação é um meio legítimo que o Estado tem para diminuir diretamente as desigualdades existentes entre os particulares e os usuários, solucionar os conflitos e sanar a defasagem das leis em face dos acontecimentos sociais. Neste prisma, observamos que o Estado regulador exerce controle sobre as atividades privadas para evitar injustiças sociais. Mas a sua atuação necessita da participação da sociedade para que as normas possam ser legítimas, e para que o Estado possa responder aos seus anseios, levando justiça social.
Atualmente, as agências reguladoras são entidades competentes para regular os diversos setores da economia, produzindo normas técnicas para determinar o melhor desempenho dos agentes integrantes do setor em que atuam. Mas a competência regulatória do Estado não se restringe apenas às agências, como defende parte da doutrina, pois autarquias como o Banco Central e o CADE atuam na atividade normativa do país. Na realidade, os órgãos e entidades públicas sempre exerceram atividade regulatória.
O poder regulador é atribuído às agências reguladoras nas suas leis criadoras, pelo Legislativo, quando da criação dessas entidades. As agências, ao regular, devem praticar atos idôneos e protetores da sociedade, devendo sua atuação pautar-se em solucionar casos concretos, pois as situações abstratas devem ser solucionadas pelo Legislativo, por meio das leis.
As agências, ao exercerem o poder regulatório, atuam administrativamente dentro dos limites impostos pelas leis criadoras, não atingindo competências dos Poderes Executivo ou Legislativo. Essa atuação deve estar limitada também aos princípios e preceitos existentes na Constituição Federal. Portanto, os atos normativos emitidos pelas entidades reguladoras devem estar em conformidade com as leis. Como leciona Menezello[19],
Cada ato normativo ou individual emitido deve ser legal, legítimo, obrigatório, visar ao interesse público, ter motivação necessária e suficiente, ou seja, estar em absoluta concordância com todo o sistema jurídico, incluindo principalmente os princípios constitucionais e legais.
As normas regulatórias devem ser criadas em benefício da sociedade, e com a sua participação, devendo ser levadas em consideração a estrutura da agência, a evolução histórica da sociedade, as diferenças existentes no setor regulado, as crises e a economia. Atingem desde os particulares, cujas atividades estejam submetidas, entes federativos e entidades administrativas, bem como contratados pelo poder público e servidores públicos.
As agências reguladoras devem agir de forma democrática, sendo uma entidade onde as demandas e conflitos existentes entre agentes regulados e os consumidores sejam solucionados, tudo isso com a finalidade de melhor desenvolver os setores econômicos, sem a necessidade de participação de outros setores do Governo para dar celeridade às relações jurídicas.
Assim, verificamos que o poder regulatório deve ser exercido pelas entidades legitimadas em lei, e que este deve basear-se nos dispositivos constitucionais e legais. A regulação tem por objetivo a emissão de normas sobre concorrência, qualidade e universalidade dos serviços, sem a ocorrência de danos para a sociedade[20].
Mudamos de um Estado burocrático, monopolista e prestador direto de serviços, para um Estado participativo, regulador das atividades privadas, onde a execução de diversos serviços públicos foi transferida para a iniciativa privada. Deste modo, a participação da sociedade é de suma importância para o desenvolvimento do Estado, através do cumprimento das normas editadas, da fiscalização do cumprimento destas pelos prestadores de serviços, e no caso de descumprimento, realização de denúncias ao ente regulador competente para apuração do fato. O papel das agências reguladoras está em utilizar seu poder para resolver os casos existentes em seu âmbito de atuação, como um instrumento para a realização dos interesses da sociedade.
O poder regulador é delegado às agências para dar dinamismo, atualidade e eficiência à atuação estatal, atuando os entes reguladores diretamente no controle dos setores regulados, obrigando as normas jurídicas expedidas aos agentes regulados nos limites previstos em lei. Mas para Di Pietro[21],
Das características que vêm sendo atribuídas às agências reguladoras, a que mais suscita controvérsias é a função reguladora, exatamente a que justifica o nome da agência. Nos dois tipos de agências reguladoras, a função reguladora está sendo outorgada de forma muito semelhante à delegada às agências reguladoras do direito norte-americano; por outras palavras, a elas estão sendo dado o poder de ditar normas com a mesma força de lei e com base em parâmetros, conceitos indeterminados, standards nela contidos.
O exercício do poder regulador não pode implicar no surgimento de regras inovadoras de conduta e deve estar inserido na competência dada pela estrutura administrativa para edição de normas gerais e abstratas, observando os limites da lei que busca pormenorizar, atendendo a necessidade de normatização técnica, sem que sofra influência política. Não cabe discricionariedade à regulação, exceto quanto à escolha da solução técnico-científica cabível ao caso, devido a sua complexidade. No entanto, doutrinadores afirmam que esta decisão que envolva discricionariedade técnica pode sofrer influência política[22].