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Critérios objetivos de avaliação e os limites da discricionariedade das bancas de concursos públicos na correção das questões subjetivas

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21/02/2014 às 11:45
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Há uma tendência de revisão dos paradigmas jurisprudenciais do tema em debate, divorciadas do pensamento tradicional e anacrônico de outrora.

Resumo: O objetivo principal do presente ensaio é aanálise dos limites dadiscricionariedade das bancas de concursos públicos na elaboração e correção das questões subjetivas. À evidência, o trabalho reconhece que assiste ao examinador uma margem de discricionariedade em eleger os assuntos que serão abordados, bem como os critérios de avaliação e de correção das questões subjetivas. Contudo, esta mesma discricionariedade não pode ser ampla e irrestrita, devendo o Poder Judiciário impor freios à Administração Pública, quando os limites e critérios objetivos de correção das provas subjetivas violarem os princípios jurídicos, a fim de restabelecer a legalidade. A revisão dos paradigmas jurisprudenciais realizada no presente trabalho aponta uma evolução no tratamento da matéria, conformando uma nova tendência divorciada de antigos dogmas que defendiam a impossibilidade de intervenção judicial em detrimento dos direitos dos candidatos de concursos públicos.

Palavras-chave: concurso público; poder discricionário; questões subjetivas; princípio jurídicos; critérios objetivos avaliação.

Sumário: 1. Dos critérios objetivos de avaliação: possibilidade de controle judicial nas questões subjetivas.2. Da discricionariedade da Administração Pública limitada pelos princípios jurídicos. Conclusão. Referências


1. DOS CRITÉRIOS OBJETIVOS DE AVALIAÇÃO: POSSIBILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL NAS QUESTÕES SUBJETIVAS.

A intervenção jurisdicional em sede de concurso público repousa hoje sobredogmas estritamente definidos e rígidos, limitando-se ao controle de legalidade, uma vez que a análise da conveniência e oportunidade do examinador está reservada exclusivamente ao mesmo, sob pena de violação da separação de poderes.

O questionamento judicial de provas de concurso público ganhou bases sólidas no que diz respeito à impossibilidade do Poder Judiciário se imiscuir no mérito dos atos das bancas examinadoras, em respeito à discricionariedade que lhes assiste.

Neste ínterim, deve-se frisar que há limites a esta discricionariedade, tal como oconteúdo programático do concurso e o gabarito ou espelhos das questões. Os dois elementos delimitam a discricionariedade da banca examinadora, pois ela não poderá ir além daquele tampouco adotar resposta sem correspondência ou respaldo legal, doutrinário ou jurisprudencial.

As discussões judiciais acerca das questões objetivas sempre foram pautadas nestes critérios, pois tais tipos de quesitospermitem aferir com maior precisão se o examinador cometeilegalidades, seja desobedecendoa um ou outro.

De outro lado, no tocante aos quesitos subjetivos, a discussão é bem mais complexa, de modo que é preciso consignar que a proposta do presente estudo não é defender a sindicabilidade do Judiciário no mérito administrativo destes quesitos, tampouco revolver discussões pacificadas.

O que se busca com o presente trabalho é jogar uma nova perspectiva sobre o problema, iluminando possível solução justa e equilibrada, em consonância com os princípios gerais do direito e à luz da jurisprudência em franca evolução.

De fato, ao apresentar oconteúdo programático do concurso e osgabaritos ou espelhos das questões subjetivas, o examinador prestigia os princípios da publicidade, contraditório e ampla defesa, ao tempo em que se vincula diante doscitados limites à discricionariedade da banca.

Obviamente, repita-se, em que pese prevalecer em favor da Administração Pública um poder discricionário na elaboração e correção das provas, não se pode admitir que os critérios das respostas sejam eleitos em franca discordância ao enunciado da questão ou do conteúdo programático se furtando de avaliar objetivamente o conhecimento dos candidatos.

Daí porque mesmo em provas subjetivas, quando houver divulgação dos gabaritos ou espelhos de correção[1], defende-se que os mesmos são critérios objetivos para avaliação dos candidatos, não podendo a Administração Pública desobedecer aos mesmos.

Assim sendo, tanto o conteúdo programático do concurso quanto osgabaritos ou espelhos das questões subjetivas são limites formais que possibilitam conformar objetivamente as provas de concurso público com as leis e os princípios jurídicos.

Aliás a doutrina, considerando os abusos de toda ordem cometidos por bancas examinadoras, começa a defender a possibilidade de intervenção judicial, segundos os moldes apresentados, tal como orienta José dos Santos Carvalho Filho:

Diante de alguns abusos cometidos em correções de provas, cresce pouco a pouco a doutrina que admite a sindicabilidade judicial em certas hipóteses especiais, que retratam ofensa aos princípios da legalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade. A nova doutrina se funda na moderna jurisprudência alemã que assegura ao candidato, em provas relativas ao exercício da profissão, o direito à proteção jurídica e a uma “margem de resposta”, de modo que uma resposta tecnicamente sustentável não seja considerada falsa. Em outra ótica, cresce o entendimento de que, mesmo em questões discursivas, deve a banca examinadora fixar previamente os aspectos básicos de sua solução (gabarito geral), em ordem a atenuar a densidade de subjetivismo e oferecer ao candidato maior possibilidade de controle de correção.[2]

Portanto, como dito, espelhos ou gabaritos das questões subjetivas passam a ser encarados comocritérios objetivos de avaliação, pois tal qual afirma o autor, contribuem para diminuir subjetivismo do examinador no momento da correção da resposta do candidato, ao tempo em que viabiliza um maior controle da nota atribuída.

À guisa de exemplo, cite-se o julgado abaixo que adotou exatamente o raciocínio exposto acerca do controle das questões subjetivas quando eleito critérios objetivos de avaliação pela banca examinadora. Destaque-se:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. NÃO CONSIDERAÇÃO DA TOTALIDADE DE QUESTÃO RESPONDIDA PELO CANDIDATO. ATENDIMENTO PARCIAL AO ESPELHO DE PROVA. HIPÓTESE EXCEPCIONAL DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. ATRIBUIÇÃO DE NOTA. PONTUAÇÃO QUE CABE À INSTITUIÇÃO RESPONSÁVEL PELA ORGANIZAÇÃO DO CONCURSO PÚBLICO. APELAÇÕES PARCIALMENTE PROVIDAS.

1. Na hipótese em apreciação, veja-se que a Magistrada sentenciante, afora ter reconhecido que o candidato, ora apelado, atendeu em parte às exigências da banca examinadora referentes ao espelho da questão em discussão, atribuiu a nota que entendeu por corresponder ao percentual do acerto, terminando por aplicar a pontuação 1,00 ao quesito em destaque no caderno processual.

2. Quanto a primeira discussão, não resta qualquer dúvida. Veja-se que os elementos constantes dos autos revelam que o candidato, de fato, atendeu parcialmente ao que foi solicitado pela banca examinadora, indicando, na resolução do caso hipotético apresentado, a defesa aos interesses individuais indisponíveis por parte do Ministério Público, aspecto abarcado no espelho da avaliação da prova discursiva, colacionado às fls. 190 (item 2.4).

3. Então, por tal contexto, o que se conclui é que ao apelado deveria ter sido conferida pontuação diferente da nota zero atribuída pela banca examinadora. E, neste ponto, anote-se que a própria administração, quando do julgamento do recurso administrativo interposto pelo candidato, reconheceu a não completude da reposta apresentada, ao invés de seu total esvaziamento.

4. De outro lado, não cabe ao Judiciário, em tendo reconhecido o direito do apelado de ver a questão considerada, atribuir a pontuação devida, dentro dos limites do espelho de prova, pois tal aspecto se insere no âmbito de atribuição da banca, por mais objetivas que possam estar atualmente as questões discursivas dos concursos públicos.

5. Cabe à instituição responsável pela organização do concurso público em análise reexaminar a questão, para nesse ponto específico atribuir ao candidato a pontuação a que este fizer jus, referente ao item indicado pelo concorrente, lógico que dentro dos parâmetros apresentados no espelho de prova.

6. Foi ilegal a não atribuição de qualquer pontuação ao ora apelado, pois, como dito, em parte atendeu ao solicitado na questão, mas quantificar o item cabe a própria comissão do concurso.

7. Apelações e remessa oficial a que se dão parcial provimento.[3]

Observa-se que no caso em espécie o TRF da 5ª Região, acertadamente, ao tempo em que reconheceu o direito do candidato ser avaliado segundo os critérios objetivos de correção da prova subjetiva, resguardou a discricionariedade da banca examinadora em atribuir os pontos que entender suficientes, preservando a separação de poderes.

Na prova do Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, o Poder Judiciário adotou o mesmo entendimento.

Confira-se:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - EXAME DE ORDEM - MANIFESTA ILEGALIDADE NA CORREÇÃO DE QUESITO NA PROVA PRÁTICO-PROFISSIONAL - REVISÃO PELO JUDICIÁRIO: POSSIBILIDADE - SENTENÇA MANTIDA.

1. Excepcionalmente, admite-se ao judiciário examinar questões de concurso público quando observada flagrante ilegalidade na correção da prova, quando o vício que a macula se manifesta de forma evidente e insofismável, perceptível a olhos vistos. Precedentes.

2. Embora a fase do certame seja discursiva, a exigência para que haja o requerimento de "citação da União", é questão objetiva (tem-se o requerimento ou não se tem!) e, uma vez constante da peça prático profissional, merece ser pontuada na menção final do candidato.

3. A ausência de manifestação específica da Banca Examinadora ao recurso administrativo (pedido de revisão de menção) interposto pelo candidato configura cerceamento de defesa, reforçando a possibilidade de revisão da questão pelo judiciário.

4. Remessa Oficial não provida.

5. Peças liberadas pelo Relator, em Brasília, 10 de setembro de 2013, para publicação do acórdão.[4]

Neste caso específico, constava pontuação no espelho da prova subjetiva, para os candidatos que fizerem o requerimento de “citação da União”. Ora, o que a banca elegeu como critério objetivo de avaliação nesta prova prática é que o candidato saiba da necessidade de pedir ao juiz da causa a “citação da União”, dentre os pedidos finais da petição.

E nada mais.

De modo que, se houve pedido neste sentido, não é cabível a atribuição de nota zero ao candidato, sob pena de flagrante ilegalidade. Exigir qualquer outro fundamento na resposta passa, necessariamente, por violação dos critérios objetivos de avaliação eleitos pela própria banca examinadora, desobedecendo aos princípios jurídicos, tal como a razoabilidade, legalidade, vinculação ao Edital e boa fé.

No capítulo abaixo, confrontamos exatamente a discricionariedade com os princípios jurídicos, à luz de casos concretos, na tentativa de elucidar quais os limites daquela prerrogativa daAdministração Pública.

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2. DA DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA LIMITADA PELOS PRINCÍPIOS JURIDICOS: ESTUDOS DE CASOS CONCRETOS

De fato, a Administração Pública no exercício da sua missão de servir, executar, dirigir, governar e planejar tem poderes indispensáveis para fazer sobrepor “a vontade da lei à vontade individual, o interesse público ao privado”, e que ainda “encerram prerrogativas de autoridade, as quais, por isso mesmo, só podem ser exercidas nos limites da lei”.[5]

Dentre tais poderes, temos o poder normativo, o disciplinar, o poder de polícia e aqueles decorrentes de outros poderes ou competências da Administração, tal como o chamado poder discricionário –cite-se que muitos autores não o enquadram como um poder autônomo, mas como uma prerrogativa.[6]

Consoante noção cediça, o poder discricionário implica em uma margem razoável de liberdade a ser exercida nos limites fixados pela legislação. Ou seja, a liberdade de escolha tem que se conformar com o fim colimado pela lei, pelos princípios e regras jurídicas.

José dos Santos Carvalho Filho afirma:

[...] não se deve cogitar da discricionariedade como um poder absoluto e intocável, mas sim como uma alternativa outorgada ao administrador público para cumprir os objetivos que constituem as verdadeiras demandas dos administrados. Fora daí, haverá arbítrio e justa impugnação por parte da coletividade e também do Judiciário.[7]

Como se depreende da lição doutrinária, essa prerrogativa da Administração de escolher conforme a conveniência ou oportunidade não imuniza seus atos da sindicabilidade do Poder Judiciário, especialmente sobre aqueles que exorbitem o ordenamento, em homenagem ao novel princípio da juridicidade, assim definido por Alexandre Santos Aragão:

Princípio que vem se afirmando na doutrina e jurisprudência mais modera como uma nova acepção (não uma superação) do princípio da legalidade, a juridicidade costuma ser referida como a submissão dos atos estatais a um padrão amplo e englobante de legalidade, cujos critérios não seriam apenas a lei estrita, mas, também, os princípios gerais do Direito e, sobretudo, os princípios, objetivos e valores constitucionais. É a visão de que a Administração Pública não deve obediência apenas à lei, mas ao Direito como um todo.[8]

Com efeito, a atuação da Administração Pública não deve se pautar apenas na legalidade strictu sensu, mas atender a toda uma “gama de legalidade” que envolve mais do que o texto das leis, mas também princípios constitucionais, particularmente a impessoalidade e moralidade administrativa.

Os princípios jurídicos tem relevada importância no ordenamento, não podendo jamais ser esquecida a lição sempre expressiva de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada.[9]

Dessa maneira, qualquer violação aos princípios, valores e regrasconstitucionais ensejará controle judicial sobre a prerrogativa da discricionariedade da Administração Pública.

Em verdade, a escolha discricionária só será adequada e legítima quando não se afastar da finalidade da norma, e não desequilibrar a relação de meio e fim da conduta administrativa, sob pena de caracterizar abuso de poder. Daí o alerta do professor administrativista: “não há discricionariedade contra legem”.[10]

Mas, no tocanteao objeto do nosso estudo, qual seja, as questões subjetivas de concursos públicos, quais são os limites da discricionariedade administrativa? Como estabelecer critérios ou parâmetros para o controle deste poder?

Começamos a vislumbrar respostas no voto - brilhante, mas vencido, registre-se - do Ministro do STJ Napoleão Nunes Maia Filho no julgamento do REsp nº 1.211.990/RJ.

Neste julgado, é possível destacar a evolução da jurisprudência sobr o tema em debate, impondo uma profunda reflexão sobre o dogma da insindicabilidade do mérito administrativo, produto do poder discricionário.

Confira-se na íntegra:

1. Senhor Presidente, verifico que esta questão é exemplar no que se refere à possibilidade, ou não, de incidir o controle judicial sobre quaisquer atos administrativos, sejam de que natureza for.

2. Penso que a tese, ou teoria, de que o mérito administrativo não pode ser examinado pelo Poder Judiciário está com os seus dias contados,tendo em vista a necessidade de assegurar a quem demanda do Judiciário a solução integral da sua controvérsia.

3. A meu ver, essa é uma questão de extrema delicadeza, porque põe em confronto dois princípios igualmente importantes: esse, praticamente, da soberania da Administração, com relação a certos atos, que não podem ser examinados pelo Poder Judiciário. E quem os poderá examinar? Ninguém? Ninguém examinará o mérito de um ato administrativo, em matéria de concurso, por mais teratológico que possa ser, ou que seja? Não se pode? Está vedado para sempre? Não creio que assim seja, nem que assim deva ser.

4. Então, a Administração está sendo mais do que autônoma, nesse ponto. Está sendo, na verdade, soberana, e inviolável a sua decisão, insusceptível de qualquer controle. Repito que não creio que assim seja ou possa ser.

5. Peço vênia a V. Exa. para discordar, com todo o respeito, dessa orientação, porque, para mim, nenhum ato da Administração pode escapar ao controle jurisdicional. Esse foi um ponto.

6. O outro ponto, Senhor Presidente, é se o conteúdo das provas está, ou não, incluído no edital. É exatamente aí onde pode estar, ou não, o abuso da Administração. O impetrante, o interessado, diz que determinado ponto não está no edital. Diz a Administração que está.

7. Quem vai desempatar essa pendência? A própria Administração? Acho que não. Teria de ser, penso eu, uma autoridade imparcial, com todo o respeito à autoridade da Administração, para dizer se aquele ponto está, ou não, no edital. Esse é o segundo ponto.

8. O terceiro ponto, a meu ver, Senhor Presidente, com todo o respeito a V. Exa. e aos dois votos que já se manifestaram acompanhando seu lúcido pronunciamento, é se, desde o começo da demanda, esse aspecto está questionado. Talvez, não esteja explicitamente questionado, ou não esteja questionado de um modo perfeito, ou exímio, ou sofisticado, ou seja, um prequestionamento que um jurista de melhor experiência, de maior conhecimento poderia fazer, sem dúvida.

9. Mas já desenvolvemos, neste Tribunal, a meu ver, com excelente inspiração, a teoria ou a doutrina do prequestionamento implícito. A parte está questionando isto: o ato da Administração exorbitou do edital, colocando, nas questões da prova, quesitos que não estavam, segundo ele, contemplados no instrumento de convocação e de regulação do concurso.

10. Por essas razões, Senhor Presidente, pedindo vênia novamente a V. Exa., ao Professor Teori Albino Zavascki e ao Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima, meu voto preliminar é pela cognição do recurso para que seja verificada se essa alegação do recorrente tem, ou não tem, pertinencialidade, usando aqui a expressão do Professor Lourival Vilanova: pode ter e pode não ter. Mas, se não vamos nem conhecer, como vamos saber se ele está sendo injustiçado?

11. Peço vênia a V. Exa. para, em voto-preliminar, e sem me comprometer com o conteúdo do eventual exame de mérito, conhecer do Recurso Especial, superando essa orientação que apregoava, e apregoa ainda, que o mérito administrativo não pode ser escrutinado pelo Poder Judiciário.

12. É assim que voto.[11]

Percebe-se que há vozes dentro do Poder Judiciário que se incomodam com a retrógrada e ultrapassada regra de impossibilidade de controle da discricionariedade das bancas examinadoras, em detrimento dos prejuízos dos candidatos de concurso.

Como se passa a demonstrar, houve um avanço inegável do Judiciário admitindo ocontrole das questões subjetivas, de forma a reconhecer limites à intocáveldiscricionariedade administrativa em face dos princípiosjurídicos.

À guisa de exemplo, o princípio da vinculação ao Edital - já consagrado como limite principiológico às questões objetivas de concurso público - passa a ser balizador também nas questões subjetivas:

INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. CERTAME DESTINADO AO PROVIMENTO DO CARGO DE ASSESSOR - BACHAREL EM CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS DO QUADRO DE PESSOAL DE PROVIMENTO EFETIVO DA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. INSURGÊNCIA DE CANDIDATOS QUANTO À FORMULAÇÃO DA QUESTÃO Nº 02 DA PROVA DISCURSIVA. ALEGAÇÃO DE ILEGALIDADE POR AUSÊNCIA DE PREVISÃO EDITALÍCIA DO CONTEÚDO EXIGIDO. ILEGALIDADE RECONHECIDA. ANULAÇÃO DA QUESTÃO DETERMINADA. [12]

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu que a ausência de previsão legal do conteúdo exigido em questões subjetivas ocasiona conduta ilegal da banca examinadora, determinando a anulação da questão.

Essa marcante evolução demonstra o alcance do princípio da vinculação ao Edital enquanto limite à discricionariedade, comprovando que mesmo as questões subjetivas não estão blindadas pelo livre arbítrio da banca examinadora.

Dessa forma também se posicionou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO CESPE SUSCITADA PELO RELATOR. ACOLHIMENTO. MÉRITO: CONCURSO PÚBLICO. QUESTÃO DISCURSIVA. CONTEÚDO NÃO PREVISTO NO EDITAL DE ABERTURA DO CERTAME. ANULAÇÃO DO QUESITO PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E DA VINCULAÇÃO AO EDITAL. PRECEDENTES DO STF E DO STJ.

I - Agindo o CESPE tão somente como executor dos atos determinados pelo ente estatal, não se evidencia nenhum interesse jurídico que a possa enquadrar na condição de sujeito passivo para fins de impetração de Mandado de Segurança.

II - O Supremo Tribunal Federal entende admissível o controle jurisdicional em concurso público quando não se cuida de aferir da correção dos critérios da banca examinadora, na formulação das questões ou na avaliação das respostas, mas apenas de verificar que as questões formuladas não se continham no programa do certame, dado que o edital - nele incluído o programa - é a lei do concurso. (RE 440335 AgR/RS, 2ª Turma. Relator Ministro Eros Grau, DJ. 27/06/2008)

III - Concessão da segurança.[13]

O Tribunal de Justiça do Maranhão também aplica tal entendimento:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. REVISÃO DA PROVA DISCURSIVA PELA COMISSÃO EXAMINADORA. CABIMENTO. VINCULAÇÃO AO EDITAL E À RESOLUÇÃO DO REGULAMENTO DO CONCURSO. ANULAÇÃO DE QUESTÃO DE PROVA PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. SEGURANÇA CONCEDIDA. UNANIMIDADE.

I - Quanto aos certames públicos, a prática de atos deve se materializar de acordo com as normas constantes do edital, sendo vedado dar a elas interpretação extensiva .

II - A competência para receber e decidir os recursos administrativos das correções das provas discursivas do Concurso Público para provimento de cargo de Juiz de Direito substituto do Estado do Maranhão, regulado pelo Edital n. 02/2008 e pela Resolução n . 22/2008-TJMA, é da Comissão Examinadora do Concurso.

III - Em regra, não cabe ao Poder Judiciário pronunciar-se acerca da formulação de questões ou da avaliação das respostas em concurso público. Contudo, quando existente erro grosseiro na formulação de questão, lícita a intervenção judicial, posto que violado um direito líquido e certo do candidato de se ver examinado através de um certame com exploração idônea de conhecimentos técnicos à luz da legislação utilizada, bem como da lógica de sua própria existência no mundo dos fatos. Segurança concedida à unanimidade.[14]

A Justiça Federal não escapa à regra:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. PROVA SUBJETIVA. QUESTÃO DISCURSIVA. ÁREA DE CONHECIMENTO DIVERGENTE AO ESTABELECIDO NO EDITAL. INOBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO EDITAL. CONTROLE DO JUDICIÁRIO.

I - A simples pretensão de participação em etapa de concurso público não enseja a necessidade da presença de candidatos aprovados no mesmo na condição de litisconsorte necessário (Precedente. STJ, MS 8205, DJ: 12/09/2005, p. 205, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima). Não haverá, no presente caso, imediata interferência na esfera jurídica dos demais candidatos, que venha a causar-lhes qualquer prejuízo individual no certame. II - Em todo concurso público, deve-se sempre observar rigorosamente os termos elencados no edital, a fim de que sejam preservados a lisura no processo seletivo e os princípios que norteiam a administração pública.

III - A competência do Poder Judiciário com relação ao controle dos atos advindo de concurso público é limitada ao exame da legalidade das normas instituídas no edital e dos atos praticados na realização do certame.

IV - No presente concurso público para cargo de Advogado da União, as questões discursivas apresentadas abordaram disciplinas distintas da estabelecida no Edital, situação que prejudicou as autoras, já que as mesmas não levaram legislação pertinente às matérias tratadas, e a consulta não comentada ou em separata era permitida.

V - Apelações e Remessa Oficial improvidas.[15]

Verifica-se claramente que o princípio da vinculação ao Edital, na esteira das decisões citadas, ganhou status de limite balizador da discricionariedade administrativatambém nas questões subjetivas.

A doutrina também reconhece esta revisão de pensamento, diante do citado princípio. Por todos, colha-se o magistério de José dos Santos:

Conquanto não possa o Judiciário aferir os critérios adotados pela banca examinadora na solução das questões discursivas, é absolutamente legitimo que confronte as questões com o programa do concurso, tendo em vista que este faz parte do edital. Se questão formulada não se insere na relação dos pontos constantes do programa, esta contaminada de vicio de ilegalidade e se torna suscetível de invalidação na via administrativa ou judicial. Aqui não se cuida de controle de mérito, nem de substituir valoração reservada ao administrador; cuida-se, isto sim, de controle de legalidade sobre o edital, ato de natureza vinculada, sendo, pois, permitido ao Judiciário exerce-lo em toda a sua plenitude.[16]

Demonstra-se que o Poder Judiciário vem acolhendo questionamentos acerca dos limites da discricionariedade administrativa na elaboração das provas discursivas em concursos públicos, reiterando que tal prerrogativa não é, nem pode ser ilimitada ou absoluta.

Há mais.

Julgado recente foi categórico em afirmar que não é possível “o subjetivismo da Administração e da banca examinadora ceda vez à objetividade do edital para se aceitar que ao sabor da vontade e interpretação pessoal dos examinadores se cobrem temas não previstos clara e diretamente no ato convocatório”.[17]

Neste caso específico, o concurso do Edital nº 01/2005 para o cargo de Procurador Federal não fez previsão sobre o assunto ônus da prova no processo trabalhista, em que pese a banca examinadora ter elaborado questões acerca.

A Administração Pública entendeu que a matéria estaria implícita no tema princípios gerais que informam o processo trabalhista, e de acordo com sua discricionariedade poderia avaliar os candidatos no tocante ao assunto.

Nada obstante, o Tribunal Regional Federal ratificou a liminar concedida em primeiro grau para anular a questão subjetiva por entender violado o princípio da vinculação ao Edital, concedendo a segurança ao candidato que terminou sendo nomeado e empossado no cargo.

Confira-se o julgado:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. EDITAL. PROVA DISCURSIVA. INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO. CABIMENTO. LEGALIDADE E IMPESSOALIDADE. ANULAÇÃO DE QUESTÃO. MATÉRIA NÃO PREVISTA. APELAÇÃO E REMESSA DESPROVIDAS. 1. Em mandado de segurança movido contra dirigente da UnB, buscou o apelado anular questão do concurso público para Procurador Federal, Edital n. 01/2005, sob o argumento de se ter cobrado matéria não prevista no ato convocatório "ônus da prova no processo trabalhista". Deferida liminar e, ao final, a segurança, logrou participar do certame, ser aprovado, classificado, nomeado e empossado no cargo.

2. Já decidiu esta Turma que "a argumentação de que ao Poder Judiciário não é permitido avaliar o conteúdo de resposta de questão em concurso público tem a mesma natureza daquela segundo a qual o juiz não pode ingressar no campo próprio da discricionariedade do administrador. A reprovação de candidato em concurso público subsume-se no conceito de ato administrativo e o conteúdo do ato administrativo está, sim, sujeito a controle judicial, sob o critério de razoabilidade" (AC 2008.34.00.033534-9/DF, Rel. Desembargador Federal João Batista Moreira). Idêntico é o entendimento do STF: "Concurso público: controle jurisdicional admissível, quando não se cuida de aferir da correção dos critérios da banca examinadora, na formulação das questões ou na avaliação das respostas, mas apenas de verificar que as questões formuladas não se continham no programa do certame, dado que o edital - nele incluído o programa - é a lei do concurso"(RE 434.708, rel. Min. Sepúlveda Pertence).

3. Sob pena de desprestígio à legalidade e à impessoalidade, não se pode aceitar que o tema "ônus da prova no processo trabalhista" esteja implícito no tópico geral "princípios gerais que informam o processo trabalhista". Tampouco se pode aceitar que, por constar do mesmo título da CLT que os temas "dissídios individuais" e "dissídios coletivos", previstos expressamente no edital, sua cobrança esteja autorizada.

4. Em concursos públicos não se pode permitir que o subjetivismo da Administração e da banca examinadora ceda vez à objetividade do edital para se aceitar que ao sabor da vontade e interpretação pessoal dos examinadores se cobrem temas não previstos clara e diretamente no ato convocatório.

5. Apelação e remessa oficial desprovidas.

Tenha-se presente que neste caso, o Poder Judiciário entendeu cabível a intervenção na discricionariedade administrativa (ao qual denominou de subjetivismo da Administração e da banca examinadora), ao analisar em profundidade se o tema ônus da prova no processo trabalhista seria ou não um subtema do item princípios gerais que informam o processo trabalhista.

Ora, bastaria pegar qualquer manual de direito processual do trabalho para verificar que os autores não tratam daquele tema como um subtema deste[18], tampouco são assuntos que se encontram no mesmo capítulo da CLT[19]!

É sobremodo importante ressaltar a necessidade de controlar a Administração Pública ao elaborar os Editais de concursos públicos, a fim de evitar abuso de poder. O uso da discricionariedade não pode servir de argumento para acobertar tentativas ilegais de embutir assuntos dentro de outro tema geral do conteúdo programático.

Tal qual assinalado pela decisão, a elaboração do Edital não pode ficar ao livre subjetivismo da banca examinadora, afinal não se deve confundir discricionariedade com arbitrariedade!

Em outras palavras, o TRF da 1ª Região entendeu possível imiscuir-se na oportunidade e conveniência da administração ao elaborar quesito subjetivo que não estava expressamente previsto e consignado no Edital do concurso, impondo, assim, limites à prerrogativa discricionária para elaborar questões de concurso.

A discricionariedade da banca examinadora na elaboração das questões (objetivas ou subjetivas, pouco importa) deve obedecer expressamente àquilo previsto no conteúdo programático, por isso é dever da Administração Pública consignar textualmente todo e qualquer tema geral ou subtema específico que planeja avaliar dos candidatos.

Mas não é apenas o principio da vinculação ao Edital que limita a discricionariedade da banca ao elaborar as questões subjetivas. Além de obedecer a tal princípio, na elaboração e especialmente, correção de provas e questões, tal atividade não pode se dar em desarmonia com a Constituição Federal e toda a legislação infraconstitucional que compõe o regime jurídico de direito público.

Como dito acima, cabe à Administração Pública obediência não apenas ao princípio da legalidade em sentido restrito, mas à toda o bloco de legalidade do ordenamento jurídico, em homenagem ao citado princípio da juridicidade.

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Sobre o autor
Roberto Mizuki Santos

Advogado-sócio MDL Advogados Associados. Procurador do Estado da Paraíba. Professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e da Faculdade Internacional da Paraíba (FPB) onde leciona Direito Administrativo e Processo Civil. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Pós-Graduado em Direito do Estado pela Unyahna/BA. Graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Ex-Procurador Federal (2008) e Ex-Procurador do Estado do Piauí (2009-2012). Ampla experiência em concursos públicos: aprovado nos certames para procurador da PGF(AGU), PGE/PI, PGE/CE, PGE/PB e PGM/SP. Autor de artigos e capítulos publicados em revistas e livros jurídicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Roberto Mizuki. Critérios objetivos de avaliação e os limites da discricionariedade das bancas de concursos públicos na correção das questões subjetivas . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3887, 21 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26754. Acesso em: 5 nov. 2024.

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