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Os novos rumos da realização de treinamento e aperfeiçoamento de pessoal com a instituição da gratificação por encargo de curso ou concurso

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27/02/2014 às 11:38
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(a) Das condições de exercício da atividade

Como foi dito, a Gratificação por Encargo de Curso ou Concurso, por sua natureza, decorre do exercício de atividade estranha às atribuições do cargo de que é titular o servidor[9] e, como tal, é vedado o seu desempenho durante a jornada de trabalho, cabendo a compensação da carga horária aquando da ocorrência no prazo de até um ano (Art. 8º do Decreto nº 6.114, de 2007).

Nesse sentido, a impossibilidade fática de compensação das horas trabalhadas tem o condão de vedar a designação do servidor para o exercício da atividade, haja vista que não pode a Administração submetê-lo à prestação de serviço estranho às suas funções sem a devida remuneração, sob pena de enriquecimento sem causa. É o que entende, inclusive, Ivan Barbosa Rigolin, a saber:

"O § 2º prevê que somente poderá ser paga a gratificação a que se refere o artigo se inexistir prejuízo das atribuições regulares do prestador. Caso não haja possibilidade de acumular durante o mesmo horário o desempenho de ambas as atribuições - o que é de resto mais do que compreensível -, então precisará haver compensação da carga horária, na forma prevista no § 4º, do art. 98, a ser comentado a seu tempo.

Isto faz concluir que, se por algum motivo não puder haver nem acumulação horária nem compensação de carga horária do cargo, então simplesmente não poderá o servidor ser designado para as atribuições a que se refere este artigo, ou estaria ocorrendo enriquecimento sem causa da Administração, e designação ao servidor de trabalho não remunerado, o que a L. 8.112 expressamente proíbe, no seu art. 4º[10]."  (o grifo não consta do original)

Sobre o assunto, o Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão, por meio de Nota Informativa de seus órgãos técnicos, ofereceu o seguinte entendimento acerca do tema:

"f) Servidor que ministrar curso no horário de trabalho e que queira abrir mão da gratificação por encargo de curso ou concurso terá que compensar as horas não trabalhadas?

Resposta: O servidor que exercer atividades ensejadoras do pagamento da gratificação em comento não poderá abdicar de sua percepção, tendo em vista o disposto no art. 4º da Lei nº 8.112, de 1990, devendo efetuar a compensação de horas, caso as atividades tenham sido realizadas no seu horário de trabalho.[11]

Nesses termos, é condição para o desempenho de atividade de docência pelo servidor civil da União para o fim do disposto no art. 76-A da Lei n° 8.112, de 1990, a existência de compatibilidade de horário com o exercício do cargo de que é titular ou, alternativamente, a viabilidade de compensação da carga horária despendida para tal finalidade durante o horário de expediente pelo prazo de até um ano[12].

Outra condição prescrita no Decreto n°6.114, de 2007, diz respeito ao limite máximo de horas anuais de trabalho nas atividades que conferem ensejo ao pagamento da Gratificação por Encargo de Curso ou Concurso. De acordo com o art. 6° do mencionado Decreto, o servidor não poderá ser retribuído pela execução de atividades que extrapolem o equivalente a cento e vinte horas de trabalho anuais, salvo situação excepcional devidamente autorizada. Assim é que, o servidor deverá declarar previamente à aceitação da atividade o total das horas trabalhadas, no ano em curso, como condição para a concessão da Gratificação.

No mais, é preciso ressaltar que a Gratificação por Encargo de Curso ou Concurso não é devida aos servidores por treinamento em serviço, assim considerado aqueles vinculados, exclusivamente, “a rotinas de trabalho, serviços, procedimentos ou atividades da unidade de lotação do servidor”,[13] ou para disseminação de conteúdo relativo às competências das unidades organizacionais.[14] E o que isso significa? Significa que o servidor não terá jus à percepção da Gratificação por Encargo de Curso ou Concurso nas hipóteses em que o evento tiver por foco divulgar, dar conhecimento, disseminar conteúdo sobre as competências das unidades organizacionais, ou melhor, “das atribuições do órgão/entidade, suas diretrizes, seu regimento interno; a descrição de sua missão, cargos, funções, estrutura, organograma; a posição hierárquica de cada unidade organizacional, suas nomenclaturas/siglas, seus fluxogramas, ou melhor, das atividades rotineiras desenvolvidas, tais como, recursos humanos, logística, áreas técnicas/operacionais ou gerais[15]”  

Em suma, o servidor terá direito à Gratificação por Encargo de Curso ou Concurso quando efetivamente realizar atividade de treinamento e elaborar eventos de capacitação, incluindo outras atividades correlatas, então previstas no art. 76-A, da Lei nº 8.112/90, desde que estas não estejam inseridas no bojo de suas atribuições permanentes.


(b) Do valor

O valor a ser pago, a título de Gratificação por Encargo de Curso ou Concurso, deve corresponder à carga horária despendida com a atividade desenvolvida ou equivalente ao serviço prestado, tendo por base o maior vencimento básico da Administração Pública Federal, divulgado pelo Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão (art. 3º, § 1º, do Decreto nº 6.114/2007). Sobre essa Gratificação não deverá incidir desconto a título de contribuição previdenciária por efeito da isenção contida no art. 4º, § 1º, inciso XVII, da Lei nº 10.887/2004.

A Lei n° 8.112, de 1990, traz os elementos básicos para composição dos valores em razão das atividades, cujos detalhes são previstos no Decreto n° 6.114/2007 que, por seu turno, dispõe que caberá aos órgãos e entidades executoras “elaborar tabela da Gratificação, observadas as disposições e critérios estabelecidos nos arts. 3° e 4°;”. E, por sua vez, o Anexo I do Decreto n° 6.114, de 2007, traz as tabelas dos percentuais máximos da Gratificação.

Na maioria dos órgãos pesquisados, o valor da Gratificação por Encargo de Curso ou Concurso segue os parâmetros fixados em lei. No âmbito do Poder Judiciário, por exemplo, existe certa uniformidade na fixação das tabelas, que basicamente equivalem às adotadas pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal.


(c) Do Processamento 

A concessão da Gratificação por Encargo de Curso ou Concurso deve ser processada pelos órgãos e entes que requisitam a atividade de cursos ou concursos, que ora ficam incumbidos de formalizar o processo sob o roteiro da gestão interna, sem embargo da juntada da documentação necessária à comprovação dos requisitos exigidos na legislação de regência[16].

A forma de tramitação do processo e demais ações inerentes à concessão da Gratificação podem ser objeto de regulamentação específica.

A par dessas diretrizes é que muitos órgãos passaram a regulamentar, sob o enredo do Decreto nº 6.114, de 15 de maio de 2007, a mencionada Gratificação, conforme se pode vislumbrar, dentre outros, pelos atos normativos alinhados: a)Supremo Tribunal Federal – Instrução Normativa nº 114, de 26.10.2010; b)Conselho Nacional de Justiça - Resolução nº 20, de 6.7.2009; c) Conselho da Justiça Federal - Resolução nº 40, de 19.12.2008; d) Tribunal Superior do Trabalho - Ato nº 733, de 4.12.2007, alterado pelo Ato nº 247, de 28 de abril de 2009; e) Portaria nº 323, de 3.7.2008, da Secretaria Executiva do Ministério do Planejamento, Orçamento e gestão.

A leitura dos regulamentos acima relacionados deixa evidenciar a sua consonância com os termos do Decreto nº 6.114/2007, base para concessão e fixação dos valores a serem adotados, tendo como destinatários os servidores públicos federais, com previsão de aplicação supletiva das regras aos demais agentes, detentores de cargos públicos federais, quando convidados.

Quanto aos demais profissionais de ensino, a relação jurídica contratual deve observar os ditames da Lei n° 8.666/93, sem embargo do estabelecimento de critérios regulamentares para tal finalidade.


(iii) Conclusão

 A Gratificação por Encargo de Curso ou Concurso, no âmbito da Administração Pública Federal, não obstante tenha assento na Lei nº 8.112/90, não é tida como uma vantagem devida ao servidor por conta do exercício do cargo público, a exemplo das demais vantagens remuneratórias que se encontram no texto estatutário.

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É uma vantagem destinada aos servidores públicos federais que, por força de exercício de atividade de docência e outras correlacionadas, estranhas ao seu mister, é concedida sob a roupagem de um direito extravagante ao exercício do cargo público, mas com ele intrinsecamente relacionado.

Cuida-se, portanto, de uma parcela remuneratória por serviços prestados pelo servidor, de fundo contratual, regulada por regras predominantemente estatutárias, que condicionam a sua percepção ao exercício de cargo público na esfera federal.


Notas

[2] Que não se confunde com a contratação por tempo determinado de que trata o inciso IX  do art. 37 da CF.

[3]     Nesse caso se utiliza a abrangência do termo agente público para agasalhar não somente os servidores públicos, como os demais membros de Poder, geralmente convidados para proferir cursos e palestras em âmbito administrativo.

[4]     Art. 2º do Decreto nº 6.114, de 2007.

[5]     Objeto do Acórdão n°5459/2011 – Segunda Câmara

[6] É que, diante das características postas, a relação jurídica a ser devolvida parece retirar um dos vigamentos da teoria estatutária da função, cuja relação é centrada da vontade da lei. Ademais, na hipótese, há que se requisitar, também, a vontade do agente para tal proceder.

[7]     v. Nota Informativa n° 17/2007/DENOP/SRH/MP

[8]     No caso dos agentes públicos sujeitos à regra de acumulação de cargos, restou evidenciado no Acórdão TCU n°5459/2011 - 2ª Câmara que a prestação do serviço de docência em sede administrativa pode não decorrer de cargo, emprego ou função pública e, como tal, o exercício da atividade é perfeitamente legítimo sob a ótica da contratação de serviço eventual de treinamento e capacitação, caso em que não há que se falar em  acumulação de cargos.

[9]     Não é devida a concessão da gratificação a servidor pelo desempenho das atividades relativas a cursos e concursos cujas tarefas já integram o elenco de atribuições do seu cargo efetivo.

[10]   RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentários ao regime único dos servidores públicos civis. 6. ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva,2010,p.192.

[11] Nota Informativa nº 270/2011/CGNOR/DENOP/SRH/MP.

[12]   A Portaria –ISC n° 7, de 18 de março de 2011, do Instituto Serzedelo Corrêa, do TCU, dispõe no art. 8°acerca de hipóteses de vedação da concessão da Gratificação por Encargo de Curso ou Concurso dentre as quais se encontra a de realização das atividades de docência durante o horário de expediente, sem compensação.  Nesse caso, fica evidenciado que, em face do princípio que proíbe o enriquecimento sem causa da Administração Pública,  o serviço prestado impõe remuneração, cabendo a necessária compensação da carga horária se o servidor realizou as tarefas durante o expediente.  Na verdade, o dispositivo torna visível a proibição de designação de servidor para atividade alheia ao seu mister diante da impossibilidade de compensação da carga horária despendida com a atividade durante o expediente. Esta, aliás, a interpretação que se extrai do próprio Acórdão 5459/2011 - 2ª Câmara do TCU, cuja cópia foi anexada aos autos.

[13]v. Art. 15 da Resolução 114, de 2010, do STF.

[14] É importante deixar visível essas situações porque não é a lotação do servidor que veda a percepção da gratificação, mas a atividade a qual se vincula. Ex: não é vedada a percepção de gratificação em favor de um servidor lotado no/na Departamento/Seção/Coordenação de normas sobre inativos e pensionistas por prestação de serviço de docência sobre as regras do Regime de Previdência do Servidor Público. Entretanto, ser-lhe-á vedada a percepção da gratificação se o curso versar sobre as rotinas de seu departamento, ou sobre rotinas de serviço vinculadas a sua seção/coordenação. Outro exemplo: servidor lotado na área de tecnologia da informação, que terá que divulgar nova ferramenta de tecnologia da informação adquirida pelo órgão ou por ele desenvolvida, o treinamento dos servidores, nessa hipótese, será considerado treinamento em serviço e, como tal, não terá o servidor direito à percepção da gratificação. 

[15] NOTA TÉCNICA Nº 767/2009/COGES/DENOP/SRH/MP

[16]   Consta do Acórdão TCU n° 3864/2011 - 2ª Câmara o seguinte registro de irregularidade apontada pela CGU : “4.8.1. A CGU constatou a realização de pagamentos de Gratificação por encargo de curso ou concurso sem que fossem preenchidos e documentados nos autos dos respectivos processos os requisitos exigidos pelo Decreto n° 6.114/2007, que regulamenta o pagamento da Gratificação por Encargo de Curso ou Concurso de que trata o art. 76-A da Lei n° 8.112/1990.” (o grifo não consta do original)

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Sobre a autora
Maria Lucia Miranda Alvares

Advogada do Escritório ACG - Advogados, Pós-Graduada em Direito Administrativo/UFPA, autora do livro Regime Próprio de Previdência Social (Editora NDJ) e do Blog Direito Público em Rede, colaboradora de revistas jurídicas na área do Direito Administrativo. Palestrante, instrutora e conteudista de cursos na área do Direito Administrativo. Exerceu por mais de 15 anos o cargo de Assessora Jurídico-Administrativa da Presidência do TRT 8ª Região, onde também ocupou os cargos de Diretora do Serviço de Desenvolvimento de Recursos Humanos e Diretora da Secretaria de Auditoria e Controle Interno. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa Eneida de Moraes (GEPEM).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVARES, Maria Lucia Miranda. Os novos rumos da realização de treinamento e aperfeiçoamento de pessoal com a instituição da gratificação por encargo de curso ou concurso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3893, 27 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26802. Acesso em: 26 abr. 2024.

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