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Ação civil pública com pedido constitutivo negativo (declaração de nulidade)

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5. AÇÃO CIVIL PÚBLICA TRABALHISTA COM PEDIDO CONSTITUTIVO NEGATIVO (DECLARAÇÃO DE NULIDADE)

Como demonstrado, para a tutela dos direitos metaindividuais são admissíveis ações de conhecimento, condenatórias, declaratórias, constitutivas, mandamentaise cautelares (Lei n. 7.347/85, artigos 3º, 4º e 21, c/c, CDC, artigos 83 e 90).

Especificamente, a ação anulatória apresenta natureza jurídica constitutiva negativa, ao passo que se destina a extirpar do mundo jurídico cláusulas inseridas em acordo coletivo ou convenção coletiva que atentam contra o ordenamento jurídico.

Em regra, não se presta a ação anulatória à obtenção de tutela inibitória destinada a impedir a repetição da conduta contrária ao ordenamento jurídico. Quer dizer, a procedência da ação anulatória materializada através da supressão dos efeitos de cláusulas ilícitas inseridas em acordos e convenções coletivas de trabalho não impede que as entidades sindicais e empregadores signatários repitam redação idêntica em instrumentos normativos futuros. Para essa hipótese, tão somente a ação civil pública, cujo objeto é a obrigação de fazer ou não fazer, poderá obstar efetivamente a conduta contrária à ordem jurídica.

A ação civil pública representa o instrumento processual mais efetivo no combate a cláusulas inseridas em acordos e convenções coletiva de trabalho, cuja redação contrarie direitos fundamentais sociais dos trabalhadores. Somente a tutela inibitória concedida pela autoridade judicial será capaz de efetivamente preservar os interesses dos trabalhadores em face da conduta sindical que, inexplicavelmente, segue em rumo oposto.

Em ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho, o Tribunal Superior do Trabalho expressamente reconheceu a possibilidade da tutela inibitória para fins de impedir a entidade sindical de repetir em instrumentos normativos futuros a inserção de cláusulas contrárias ao ordenamento jurídico, especificamente atentando contra o princípio da liberdade sindical:

RECURSO DE REVISTA. 1. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. TUTELA INIBITÓRIA. ABSTENÇÃO DE INCLUSÃO DE CLÁUSULA EM CONVENÇÃO COLETIVA PREVENDO CONTRIBUIÇÃO ASSISTENCIAL A NÃO ASSOCIADOS. O Ministério Público do Trabalho detém legitimidade para pleitear, em ação civil pública, tutela inibitória na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, especialmente quando relacionados à livre associação e sindicalização (CF, arts. 5º, II, e 8º, “caput”, e V), nos exatos limites dos arts. 127 e 129, III e IX, da Constituição Federal, 6º, VII, alíneas “a” e “d” e 84 da Lei Complementar nº 75/93, 1°, IV, e 3° da Lei n° 7.347/85. Recurso de revista conhecido e provido.

2. CONTRIBUIÇÕES ASSISTENCIAIS. DEVOLUÇÃO DE DESCONTOS. A Constituição da República, em seus arts. 5º, XX, e 8º, V, assegura o direito de livre associação e sindicalização. É ofensiva a essa modalidade de liberdade cláusula constante de acordo, convenção coletiva ou sentença normativa estabelecendo contribuição em favor de entidade sindical a título de taxa para custeio do sistema confederativo, assistencial, revigoramento ou fortalecimento sindical e outras da mesma espécie, obrigando trabalhadores não sindicalizados. Sendo nulas as estipulações que inobservem tal restrição, tornam-se passíveis de devolução os valores irregularmente descontados (Precedente Normativo nº 119 e O.J. 17, ambos da SDC/TST e Súmula 666/STF). Recurso de revista conhecido e provido. (PROCESSO Nº TST-RR-624-04.2010.5.09.0655. Ministro Relator ALBERTO LUIZ BRESCIANI DE FONTAN PEREIRA.https://aplicacao5.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=624&digitoTst=04&anoTst=2010&orgaoTst=5&tribunalTst=09&varaTst=0655, acessado em 22/08/13)

Além da tutela inibitória, SUZIDARLY RIBEIRO TEIXEIRA FERNANDES[6] sustenta que o pleito de anulação de cláusula de convenção coletiva de trabalho podeser formulado em sede ação civil pública. Igualmente, a respeito da competência funcional para ações anulatórias, entende que não seria razoável atribuir ao juízo de primeiro grau a competência para conceder tutela inibitória e não para a declaração da nulidade do instrumento normativo:

Ressalto que se tem admitido a competência do juízo singular quando se trata de condenação em obrigação de não fazer, ou seja, de não constituir novos instrumentos coletivos com cláusulas nulas, quer a nulidade tenha sido ou não declarada anteriormente. Não há razoabilidade em se firmar a competência do juiz de primeiro grau para conhecer e julgar a pretensão condenatória e negá-la quanto à declaratória. O julgador analisará, incidentalmente, a nulidade da cláusula e imporá obrigação de não fazer, qual seja, não inserir idêntica cláusula nos próximos instrumentos normativos negociados coletivamente. Entretanto, não fará coisa julgada a declaração de nulidade, podendo os sindicatos infratores exigirem a observância das cláusulas ilegais, até posterior e eventual declaração de nulidade pelo TRT. Isso fere os princípios da unidade de convicção e da economia processual (pois serão necessários dois pronunciamentos sobre a alegada nulidade para que a disposição convencional seja banida), além de favorecer a prolação de decisões judiciais contraditórias, comprometendo a tão cara segurança jurídica[7].

Buscando-se a efetiva tutela do bem jurídico violado, defende-se a possibilidade de cumulação da tutela inibitória (decisão condenatória) acrescida de provimento jurisdicional constitutivo negativo, com fundamento na amplitude de objeto da ação civil pública (Lei n. 8.078/90, artigo 83), para fins de supressão do mundo jurídico da cláusula inserida em acordo ou convenção coletiva de trabalho que seja atentatória aos direitos fundamentais sociais dos trabalhadores.

Propõe-se, portanto, a cumulação de pedido condenatório, veiculado mediante tutela inibitória destinada a impedir a repetição da cláusula impugnada em instrumentos normativos coletivos futuros, com pedido constitutivo negativo, próprio das ações anulatórias, para fins de afastar do mundo jurídico os efeitos jurídicos da cláusula normativo impugnada.

Reconhecida a ação civil pública como instrumento mais efetivo, ressalta-se a competência do juízo de primeiro grau do local onde ocorre o dano como competente para apreciar a demandar apresentada (Lei n. 7.347/85, artigo 2º, e TST, SDI II, OJ n. 130).  Cabe ressaltar a ausência de previsão constitucional ou infraconstitucional a respeito da competência funcional para a ação anulatória fundada o artigo 83, IV, da LC n. 75/93, diferentemente do dissídio coletivo. Para tanto, deve-se aplicar a regra geral que veicula a competência originária do juízo de primeiro grau.


CONCLUSÃO

1. A ação civil pública comporta provimentos jurisdicionais de cunho condenatório, declaratório, constitutivo, mandamental, executivo, cautelar e todos aqueles destinados à efetiva tutela de direitos metaindividuais.

2. Compete ao juízo de primeiro grau julgar originariamente as ações civis públicas (Lei n. 7.347/85, artigo 2º, Lei n. 8.078/90, artigo 93, e TST, SDI II, OJ n. 130).

3. Em se tratando de acordos e convenções coletivas de trabalho, cujo conteúdo apresenta cláusulas contrárias ao ordenamento jurídico, a ação civil pública é o instrumento mais efetivo para a tutela dos direitos sociais dos trabalhadores.

4. A ação civil pública que combate a inserção em acordos e convenções coletivas de trabalho de cláusulas contrárias ao ordenamento jurídico deverá ter como objeto a cumulação de pedido condenatório (tutela inibitória) com pedido constitutivo negativo (declaração de nulidade).

5. A ação civil pública que combate a inserção em acordos e convenções coletivas de trabalho de cláusulas contrárias ao ordenamento jurídico deverá ser proposta no juízo de primeiro grau do local onde ocorre o dano, salvo na hipótese de dano supraregional ou nacional, cuja competência funcional recairá concorrentemente sobre as varas do trabalho das sedes dos Tribunais Regionais do Trabalho (Lei n. 7.347/85, artigo 2º, Lei n. 8.078/90, artigo 93, e TST, SDI II, OJ n. 130).


Referências

1. MANCUSO. Rodolfo de Camargo. Ação civil pública. Em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural dos consumidores. Lei n. 7.347/85 e legislação complementar. 9ª ed. São Paulo: RT, 2004.

2.  MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 272, 5 abr. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/5041>. Acesso em: 13 jun. 2011.

3. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito processual do trabalho. São Paulo: Atlas, 2001.

4. MAZZILI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

5. MELO, Raimundo Simão de. Dissídio Coletivo de Trabalho. São Paulo: Ltr, 2002.

6.  MELO, Raimundo Simão de. Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho. São Paulo: Ltr, 2008.

7.   MELO, Raimundo Simão. Ação coletiva de tutela do meio ambiente. in Ação coletiva na visão de juízes e procuradores do trabalho. São Paulo: LTr, 2006.

8. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de Direito Sindical. São Paulo: LTr, 2006.

9. SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 4ª ed. São Paulo: LTr, 2011.

10. TEIXEIRA FERNANDES, Suzidarly Ribeiro.  DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE CLÁUSULA DE CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO - COMPETÊNCIA FUNCIONAL DO JUIZ DO TRABALHO DE PRIMEIRO GRAU. http://seer.trt10.jus.br/index.php/revista-TRT10/article/viewFile/77/72, acessado em 22/08/13.

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Notas

[1]MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 272, 5 abr. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/5041>. Acesso em: 13 jun. 2011.

[2] Nesse sentido, TRT-PR-21-01-2011 AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERMEDIAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA. TUTELA INIBITÓRIA. A tutela do ordenamento jurídico, no âmbito da Ação Civil Pública, não se limita a afastar a lesão já consumada aos direitos e interesses metaindividuais trabalhistas, mas igualmente impedir a reiteração da conduta ilícita pelo empregador. Caso o Poder Judiciário não outorgue um provimento preventivo e direcionado ao futuro, afastando a ameaça concreta de lesão a direitos fundamentais trabalhistas (art. 5º, XXXV, CF), nada impedirá que a empresa utilize-se novamente da intermediação ilegal de mão-de-obra, o que é incompatível com a relevância dos direitos tutelados coletivamente. Recurso a que se dá provimento. (TRT-PR-21936-2009-012-09-00-1-ACO-00988-2011 - 4A. TURMA - Relator: LUIZ CELSO NAPP - Publicado no DEJT em 21-01-2011). Na mesma linha, TRT-PR-12-06-2007 AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERESSE PROCESSUAL. TUTELA INIBITÓRIA. A efetividade da tutela jurisdicional comandada pela Constituição Federal (art. 5º, XXXV), mormente quando em apreço direitos transindividuais de magnitude social, impõe a projeção de obrigações de fazer e não-fazer (tutela inibitória) para o futuro, sem que se cogite de sentença condicional ou abstrata. A futuridade ínsita à tutela inibitória não equivale à falta de interesse processual, na medida em que prescinde do efetivo dano, bastando a probabilidade da conduta contrária ao direito. (...) (TRT-PR-98901-2006-019-09-00-2-ACO-14917-2007 - 1A. TURMA - Relator: UBIRAJARA CARLOS MENDES - Publicado no DJPR em 12-06-2007)

[3] CDC, Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;

II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;

III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

[4] MAZZILLI sustenta a aplicação analógica do artigo 93 do Código de Defesa do Consumidor (2012:282). 

[5] Sustenta RAIMUNDO SIMÃO DE MELO que a ação anulatória visa afastar o ato normativo do mundo jurídico (2002:168/169).

[6]TEIXEIRA FERNANDES,Suzidarly Ribeiro.  DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE CLÁUSULA DE CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO - COMPETÊNCIA FUNCIONAL DO JUIZ DO TRABALHO DE PRIMEIRO GRAU.http://seer.trt10.jus.br/index.php/revista-TRT10/article/viewFile/77/72, acessado em 22/08/13.

[7]TEIXEIRA FERNANDES,Op. Cit. 

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Sobre o autor
Alberto Emiliano de Oliveira Neto

Procurador do Trabalho da Procuradoria Regional do Trabalho da 9ª Região. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA NETO, Alberto Emiliano. Ação civil pública com pedido constitutivo negativo (declaração de nulidade). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3907, 13 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26879. Acesso em: 29 mar. 2024.

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