A cláusula do devido processo legal no âmbito da execução penal: algumas considerações

21/03/2014 às 10:14
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Busca-se, no presente artigo, por meio da análise de alguns casos, reafirmar a aplicação do princípio do devido processo legal na Execução Penal, bem assim dos seus consectários, haja vista o diuturno descumprimento desta norma constitucional.

A CLÁUSULA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL NO ÂMBITO DA EXECUÇÃO PENAL: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES.


 Tem-se como intuito ao se pronunciar acerca da aplicação do princípio constitucional do devido Processo legal no âmbito do Processo de Execução Penal o de fazer consignar que a leitura constitucionalista da força normativa da Constituição [1] no contexto desse processo também está presente, aliás, como, entende-se deva permear por todo o sistema jurídico indistintamente.
 Pode-se em primeiro momento pensar estar-se-ia dizendo o óbvio, mas quando a prática não o reflete, esse tem que ser dito e propagado.
 Para além de ser cediço, a violação de diversos direitos no dia a dia execucional, como os relativos à integridade física, à saúde, entre outros, observa-se de igual modo transgressões perpetradas no trâmite de processos, sejam administrativos ou judiciais.
 Mas, ponto antecedente a explanação acerca da aplicação do devido processo no processo de execução penal, é dizer, que esse divide-se em administrativo de execução penal (realizado pelos órgãos de execução penal nas suas atuações não jurisdicionais e no processo administrativo disciplinar do apenado) e judicial de execução penal. Não obstante, ter-se, como certo, serem os respectivos processos amalgamados, haja vista a reciproca interação entre ambos, notadamente o processo administrativo de apuração de falta disciplinar do apenado tem especial ligação com o processo judicial, na medida em que para o apenado obter qualquer direito na execução da pena (Progressão de Regime, Livramento Condicional, entre outros), tem que possuir requisito objetivo (lapso temporal de cumprimento de pena relativo a percentual disposto na Lei de Execução Penal - LEP) e requisito subjetivo (consistente na ocorrência do bom comportamento entendido esse a luz da observância da disciplina da casa penal), simultaneamente, sendo este último atestado pelo Diretor do estabelecimento penal, que para valorá-lo negativamente deve instaurar processo administrativo, cujo desideretado sem dúvida também é a aplicação de sanção ao apenado seja por ele Diretor ou pelo magistrado (art. 54, da LEP).

 Sobre essa inter-relação destaca-se o importante precedente assinalado nos embargos infringentes n.º 70.055.727.903 (N. CNJ 0297417-08.2013.8.2013.8.21.7000) decidido no âmbito do 3° Grupo Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no qual se assentou ter a Lei de Execução Penal – LEP, adotado para apuração de falta disciplinar sistema dualístico, desdobrando a procedimentalidade do processo administrativo disciplinar – PAD, em duas fases obrigatórias, distintas e sucessivas, sendo a primeira fase administrativa e a segunda judicial.
 No contexto do aludido julgamento aduziu-se também ser jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal Federal – STF, a imprescindibilidade do prévio processo administrativo disciplinar da Administração Penitenciária para legitimar o posterior processo judicial sumarizado, conforme estabelecido no RE 549483, RHC 104584/RS e RE 398269.
 Também se apontou expressar em sua jurisprudência consolidada compreensão da imprescindibilidade do prévio processo administrativo disciplinar no âmbito da Administração Penitenciária para aperfeiçoar o posterior processo judicial sumarizado a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, conforme estabelecido nos julgamentos do AgRg no REsp 1198359/RS e HC 179422/RS.
 Nos julgamentos acima pontuados, seja no STF ou no STJ, houve declaração da nulidade das faltas disciplinares pela não-observância do conteúdo da cláusula do devido processo legal que, segundo se assinalou naquelas cortes superiores, deve ser observado nos procedimentos administrativos disciplinares – desde o plano administrativo se estendendo ao plano judicial.
 Assim, mister fixar essa premissa, para que se esclareça que a condição de sujeito de direito[2] que possui o apenado não deve se cingir apenas ao plano jurisdicional, mas também e principalmente no plano administrativo, notadamente no processo de apuração de falta disciplinar do apenado, no qual como se afirmou possui fase administrativa obrigatória desenvolvida no âmbito dos estabelecimentos penais.
 Desse modo, definir-se a incidência da supramencionada cláusula no processo de execução penal – visto este do ponto de vista macro – seja ele administrativo ou judicial implica trazer para a análise todas as projeções do princípio construídas desde a sua primeira veiculação.
 O primeiro momento, mais propagado a ter-se veiculado o supradito princípio seria na Magna Carta do Rei João Sem Terra da Inglaterra de 1215, tendo sido imposta sua colocação na Carta pelos Barões ingleses, como forma de limite aos poderes do rei.
 Ao longo dos tempos foram sendo lapidadas as mais diversas projeções como corolários da aludida cláusula, podendo-se destacar, os princípios do contraditório, da ampla defesa, da individualização da conduta, da proibição de prova ilícita, da presunção de inocência, dentre outros.
 Vale assinalar que, os princípios mencionados foram incorporados na Constituição Federal de 1988, gozando, portanto todos de força normativa, é dizer, de caráter deôntico.
 Com efeito, por meio da análise da aplicação do princípio do devido processo legal no seu consectário do respeito ao princípio do contraditório e da ampla defesa, o Supremo Tribunal Federal – STF, mitigou a execução da Súmula Vinculante n. 5 [3], quando se tratar de Processo Administrativo Disciplinar – PAD, no âmbito da execução da pena, ou seja, naqueles casos de apuração de falta disciplinar. Nesse sentido a 2ª Turma da Suprema Corte consoante informativo-STF n. 572, decidiu que:

Falta Grave: Regressão e Devido Processo Legal
Por reputar violados os princípios do contraditório e da ampla defesa, a Turma deu provimento a recurso extraordinário para anular decisão do Juízo de Execuções Penais da Comarca de Erechim - RS, que decretara a regressão de regime de cumprimento de pena em desfavor do recorrente, o qual não fora assistido por defensor durante procedimento administrativo disciplinar instaurado para apurar falta grave. Asseverou-se que, não obstante a aprovação do texto da Súmula Vinculante 5 (“A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.”), tal verbete seria aplicável apenas em procedimentos de natureza cível e não em procedimento administrativo disciplinar promovido para averiguar o cometimento de falta grave, tendo em vista estar em jogo a liberdade de ir e vir. Assim, neste caso, asseverou-se que o princípio do contraditório deve ser observado amplamente, com a presença de advogado constituído ou defensor público nomeado, impondo ser-lhe apresentada defesa, em obediência às regras específicas contidas na Lei de Execução Penal, no Código de Processo Penal e na Constituição.
RE 398269/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 15.12.2009. (RE-398269)

 Não destoa desse entendimento a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que analisando caso de aplicação de sanção coletiva, na oportunidade, dano em viatura que transportava apenados, lançou como argumentos para anular a decisão de aplicação de falta grave além do disposto no art. 45, § 3º, da LEP (que proíbe a aplicação de sanções coletivas), a necessidade de observância do devido processo legal, bem assim dos seus consectários, o princípio da responsabilidade pessoal (CF/88, art. 5º, XLV) e princípio da individualização da conduta, senão vejamos:

EXECUÇÃO PENAL. FALTA GRAVE. SANÇÃO COLETIVA.
Por violação da determinação expressa no art. 45, § 3º, da LEP (que proíbe a aplicação de sanções coletivas) e ao art. 5º, XLV, da CF (princípio da responsabilidade pessoal), a Turma anulou a punição aplicada ao paciente pela prática de falta grave. No caso, vários detentos estavam dentro de uma viatura, cujo interior foi danificado durante o transporte, mais especificamente a tela de proteção de uma das lâmpadas do corredor direito. Questionados sobre o responsável pelo dano, todos os presos permaneceram silentes. Com esses fatos, a Justiça estadual entendeu que todos deveriam ser responsabilizados pelo fato ocorrido e aplicou a punição por falta grave aos detentos transportados naquela oportunidade. Nesse contexto, a Turma anulou a referida punição, reconhecendo que não houve a individualização da conduta a ponto de poder atribuir ao paciente a responsabilidade pelo dano provocado na viatura. HC 177.293-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 24/4/2012.

 Passagem do voto da relatora:

Trata-se, penso, de raciocínio que subverte a lógica da jurisdição penal, que ilumina o universo da execução criminal, ramo do direito que, há muito, felizmente, desligou-se de juízos meramente carcerários, dessintonizados do devido processo legal.
O justo processo imanta o evolver da execução, não sendo apropriado, na dúvida acerca da responsabilidade, alastrá-la para todos que no perímetro da ilicitude venham se encontrar. Pelo contrário, mister é individualizar os comportamentos que, eventualmente, possam ensejar a inflição de sanções que, no campo em questão, acarretam, destaque-se, significativos impactos no status libertatis.
   
 Nesse passo, tomando-se a tendência nacional dos órgãos judicantes pátrios de assimilação de precedentes – os quais se dão quando o juiz do futuro reconhece como importantes os fundamentos articulados pelo juiz do passado, quando da análise de caso similar – podem os julgamentos acima serem tomados como tais para nortear decisões posteriores.
 Neste diapasão, questão ainda não decidida pelos Tribunais, mas de total possibilidade de aplicação dos fundamentos dos precedentes ao norte mencionados para que possa se inibir essa prática é a situação relativa a constar nas certidões carcerárias o comportamento inadequado pelo mero fato de o apenado está respondendo por PAD.
 Entende-se que a ocorrência em tela viola o princípio constitucional da presunção de inocência, na medida em que se inviabilizam possíveis acessos a direitos, sem que se tenha, de forma conclusiva, definida a situação.
 Nessa senda, verifica-se o disposto no art. 20, parágrafo único, do Código de Processo Penal (redação dada pela Lei 12.681, de 4-7-2012), o qual assinala que “Nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes à instauração de inquérito contra os requerentes.”.
 Assim, tomando-se uma interpretação constitucional para problemática e mudando o que deve ser mudado, o dispositivo legal em tela, pode ser mencionado como mais um argumento a não se inviabilizar o alcance de direitos pela mera abertura de processos administrativos disciplinares.
 Nesta linha, conclui-se que, tomando-se como premissa ser o apenado sujeito de direito, apenas com os limitativos que sua condição impõe, a necessidade de se efetivar a cláusula constitucional do devido processo legal na execução penal, notadamente no âmbito do processo disciplinar para apuração de falta grave.
 Ademais, os supramencionados julgamentos exarados no âmbito da Suprema Corte e do Tribunal da Cidadania pelos argumentos neles consignados podem servir como precedentes a alimentar o conteúdo da cláusula do devido processo legal, de modo que situações similares tenham o mesmo deslinde, homenageando, portanto a necessária integridade que deve haver nas decisões jurisdicionais, pois, tomadas ao menos no plano do “dever-ser” sob as premissas erigidas no texto constitucional.  

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                                                                                                                                                                                          [1] Hesse, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991.
[2] Silva, Arthur Corrêa da; Silva, José Adaumir Arruda da. Execução Penal: Novos Rumos, Novos Paradigmas. 1ª ed. 2ª tiragem, rev. Manaus: Aufiero, 2012, p. 35.
[3] Súmula Vinculante n. 5 do Supremo Tribunal Federal: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a constituição.”.

Qualificação que gostaria constasse caso seja o artigo publicado:
Arthur Corrêa da Silva Neto é Defensor Público do Estado do Pará, Coordenador Adjunto da Comissão Especializada em Execução Penal do Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais – CEEP-CONDEGE, Conselheiro do Conselho Estadual de Políticas Criminais e Penitenciárias – CEPCP/PA. É também Pós-Graduado em Direito Público e Privado pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus – FDDJ. Autor do Livro “Execução Penal - Novos Rumos, Novos Paradigmas. 1ª ed. 2ª tiragem, rev. Manaus: Aufiero, 2012”.

OBS: se não puder ser na integra, gostaria que constasse o cargo que exerço e a referência de ser autor do livro.


Mini Curriculum:

Arthur Corrêa da Silva Neto é Defensor Público do Estado do Pará, Membro da Comissão Especializada de Execução Penal do Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais – CONDEGE, Conselheiro do Conselho Estadual de Políticas Criminais e Penitenciárias – CEPCP/PA. É também Pós-Graduado em Direito Público e Privado pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus – FDDJ. Autor do Livro “Execução Penal - Novos Rumos, Novos Paradigmas. 1ª ed. 2ª tiragem, rev. Manaus: Aufiero, 2012”. Vencedor do I Concurso de Práticas Exitosas do VIII Congresso Nacional de Defensores Públicos, realizado em Porto Alegre, no ano de 2009. Tese aprovada no XXIII Congresso Nacional de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e Juventude – ABMP, realizado em Brasília, no ano de 2010. Tese aprovada no I Congresso Nacional de Defensores Públicos da Infância e Juventude, realizado em São Paulo, no ano de 2010. Elaborador da cartilha “Conhecendo os direitos das pessoas com deficiência” editada pela DPE/PA em 2011 e reeditada em 2012 e 2013. 3° Lugar do Prêmio Benedito Monteiro concernente a premiação de praticas exitosas da DPE/PA, realizado em Belém, no ano de 2012. Autor de artigos jurídicos publicados em revistas especializadas: Consulex, Consultor Jurídico – CONJUR, Leis e Letras. Palestrante e Debatedor em Congressos, Seminários e Simpósios Jurídicos. Ministrante do Curso Teórico e Prático de Execução Penal.

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