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Parcerias Público-Privadas: a reforma de 2012 e a possibilidade de pagamento imediato dos aportes financeiros pelo parceiro público

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8. A distribuição dos riscos.

Como dissemos alhures, um dos razões que justificaram a introdução de um novo instituto e uma nova lei para modificar a regime de concessões era o anseio do mercado para uma maior liberdade quanto à repartição dos riscos do empreendimento. De fato, a atratividade ou não do negócio depende bastante da forma como os riscos, ou seja, a responsabilidade pela ocorrência de fatos imprevistos, são alocados no contrato.

No regime geral de concessões, bem como em todo contrato administrativo típico, a divisão dos riscos segue rigorosa regra, consoante consolidada doutrina sobre o assunto.

Para a Administração correm os riscos decorrentes do fato do príncipe (álea administrativa) e do fato da administração. Aos particulares competem a responsabilidade pelos riscos inerentes ao negócio, também denominados de álea econômica. Por fim, o caso fortuito ou de força maior não correm por conta de ninguém, resolvendo-se a obrigação no estado em que se encontrar para ambas as partes.

Contudo, relativamente aos grandes investimentos em infraestrutura, há situações em que essa regra de alocação de riscos não servia como fator atrativo para os investimentos, pois existem empreendimentos cujo vulto justifica até mesmo a absorção da álea econômica pelo Poder Público. A depender do interesse do Estado e do risco do negócio, pode e deve o setor público, como tutor do interesse público, assegurar até mesmo a lucro de determinadas atividades, sob pena de não se alcançar pessoas interessadas na execução do objeto do contrato e, consequentemente, inexecução da prestação do serviço.

Por isso o mercado, e até mesmo a Administração, defendiam uma repartição dos riscos de forma mais livre, de forma a não se tornar empecilho ao desenvolvimento da concessão da infraestrutura nacional.

Dessa forma, a Lei n. 11.079/2004, de forma totalmente inédita, assim estabeleceu quanto à repartição dos riscos:

“Art. 4o Na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes diretrizes:

(...)

VI – repartição objetiva de riscos entre as partes;

Art. 5o As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao disposto no art. 23 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber, devendo também prever:

(...)

III – a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária;”

Não se desconhece a opinião de boa parte da doutrina para quem esse regramento, ao contrário do afirmado por nós, estabelece justamente uma igualitária repartição de riscos entre os parceiros público e privado[12]. Contudo, não é isso que diz a lei, conforme se infere da análise do dispositivo supra citado.

De fato, estabelece ele textualmente que o contrato deverá ter cláusulas que disciplinem “a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica”. Ora, se a lei estabelece que o contrato deve conter disciplina sob esses riscos, os quais, como vimos, já são repartidos a contento pelo direito administrativo, é porque há liberdade para tanto.

Como vimos, no regime geral, a disciplina desses riscos é bastante rígida. Portanto, se a lei prevê a necessidade de disciplinamento desses riscos em cláusula contratual, é porque há a liberdade da parte em relação a esses aspectos.

A título de exemplo, é possível em um contrato de PPP estabelecer que a Administração responderá pelos riscos decorrentes de casos fortuitos ou de força maior ou, até mesmo, da álea econômica. O contrário também é possível, ou seja, a Administração Pública se isentar da responsabilidade decorrente de fato do príncipe, por força de disposição contratual.

Essa interpretação é, no nosso entender, a que melhor atende ao contexto histórico em que editada a Lei n. 11.079/2004. Como vimos, almejava o mercado um regime que assegurasse uma maior liberdade na alocação de riscos.

A norma do art. 4, inciso VI, da Lei n. 11.079/2004, ao incluir entre as diretrizes das PPPs a “repartição objetiva de riscos entre as partes”, não vai de encontro a tal liberdade. Ela, contudo, impõe limites de razoabilidade quanto à distribuição, as quais, de fato, não devem e não podem seguir o exclusivo subjetivismo das partes.

Há que se registrar, outrossim, que a Lei prevê, em seu art. 5º, inciso IX, “o compartilhamento com a Administração de ganhos econômicos decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado”. Assim, se os riscos podem ser compartilhados, de forma que o Poder Público arque com áleas que normalmente não assumiria, os ganhos econômicos suportados devem ser também conferidos a este.


9. A reforma de 2012 e a possibilidade de pagamento imediato dos aportes financeiros pelo parceiro público.

Como já exaustivamente dito, no momento da edição da Lei nº 11.079/2004 havia forte movimento no mercado apontando para a necessidade de revisão do modelo de concessão, de forma a contemplar na forma de remuneração, além das tarifas, aportes diretos por parte do Poder Público. Tal medida, na visão da iniciativa privada, seria imprescindível para assegurar o retorno dos investimentos e a expectativa de lucro dessa nova fase de concessões de exploração de infraestruturas.

E assim foi feito. Como também já vimos, o §3º do art. 2º da Lei nº 11.079/2004, estabelece, inclusive, que não constitui PPP a concessão comum, assim entendida a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando não envolver contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. Em outras palavras, essa contraprestação do parceiro público ao privado é da essência da conceituação de PPP.

Contudo, por força do disposto na redação originária do art. 7º da Lei nº 11.079/2004, a contraprestação do Poder Público só se daria quando o objeto da PPP estivesse finalizado. Nesse contexto, após a assinatura do contrato, o financiamento do projeto ficava todo a carga do parceiro privado, o qual poderia conter com o apoio ou não do setor financeiro, recebendo a parcela de participação do Estado apenas quando já colocado à disposição o serviço objeto da avença. Senão vejamos:

“Art. 7o A contraprestação da Administração Pública será obrigatoriamente precedida da disponibilização do serviço objeto do contrato de parceria público-privada.

Parágrafo único. É facultado à administração pública, nos termos do contrato, efetuar o pagamento da contraprestação relativa a parcela fruível do serviço objeto do contrato de parceria público-privada”

A finalidade de tal dispositivo é nobre. Buscava-se com ele evitar prejuízo ao patrimônio público, o qual certamente seria afetado caso houvesse o pagamento de recursos por parte do Estado, sem a efetiva entrega do objeto do contrato, o que, aliás, já foi muito comum no Brasil.

Também essa sistemática possui uma razão financeira. Da forma como previsto no artigo, com os aportes do Poder Público apenas quando entregue o objeto, o parceiro público não desembolsava quaisquer recursos durante o longo período de investimentos, que ficava todo a cargo da iniciativa privada. Dessa forma, conseguia-se fazer os investimentos sem recursos orçamentários naquele momento!

Ocorre que, com o passar dos anos, observou-se que a simples previsão de aporte pelo Poder Público após a entrega do objeto do contrato também não servia mais como atrativo para os investimentos necessários. Nesse sentido, bastante elucidativa a resposta dada por Mário Engler Pinto Junior, Procurador do Estado de São Paulo e ex-membro dos conselhos de administração da Sabesp e do Metrô de São Paulo, em entrevista ao site Consultor Jurídico:

ConJur — Os modelos federal e estadual paulista para concessão de rodovias opõem as preferências por menor tarifa e por melhor preço. Qual é a mais acertada?Mario Engler — Depende. Há um modelo em que o governo estadual tomou um empréstimo multilateral para construir o trecho norte do Rodoanel. Quem está construindo é o governo, que depois vai fazer a concessão. O que ele quer é recuperar o dinheiro que investiu na obra. Nesses modelos em que o governo faz a obra e depois faz a concessão, não tem como fugir de licitar em função do maior preço de outorga. Já no trecho oeste e no trecho sul, ele inverteu essa equação. A ideia é recuperar custos de investimento e poder reciclar esse investimento. No estado de São Paulo, há um histórico de concessões em que se desenvolveu o conceito de tarifa quilométrica. Tudo depende. A Medida Provisória 575 veio para viabilizar o aporte de dinheiro durante as obras. Já a Lei de PPP, que é de 2004, veio em um momento em que o setor privado tinha muito mais facilidade de se financiar do que o setor público, então era infraestrutura pública com o investimento privado, pela ação privada. O que aconteceu depois da crise financeira de 2007, 2008? A coisa se inverteu. O setor público foi quem veio socorrer o setor privado. É claro que a custo de desequilíbrio, de endividamento. Mas, hoje, você tem o setor público recuperando sua capacidade de financiamento, de investimento, e o setor privado com dificuldade de captar. Quem capta hoje mais barato e tem mais oferta de crédito é o setor público e não o privado. Então, o modelo de PPP teve que ser reformatado. Essa história de não permitir que o dinheiro público entre durante a fase de execução da obra, não faz mais sentido. Vamos mudar essa regra, porque o financiamento público ficou mais acessível e mais barato do que o financiamento privado.” (grifou-se)

Para o setor privado, essa hiato entre a realização dos investimentos e o efetivo recebimento do Poder Público gerava, como visto acima, a necessidade de buscar financiamento no mercado financeiro, com todos os custos daí advindos. Para o parceiro público e a coletividade em geral, o inconveniente estava no fato de que esses custos, ao final, acabavam sendo repassados para o valor das contraprestações e das tarifas.

Quem melhor explica efeitos negativos da sistemática anterior à Medida Provisória nº 575/2012 é Bernardo Strobel Guimarães[13]:

“Como é elementar à matemática financeira, o dinheiro tem valor no tempo. E, por conta disso, o momento das entradas de recursos num fluxo de caixa tem grande importância no que se refere à rentabilidade do empreendimento. Quanto mais cedo os valores são apropriados em favor do empreendimento, maior a rentabilidade associada a ele.

Logo, o momento em que recursos públicos serão efetivamente disponibilizados em favor do empreendimento tem grande impacto na modelagem financeira.

Optar pela ausência de repasses em favor do particular antes de ele disponibilizar os bens ou serviços tem por consequência imediata tornar mais cara a prestação a ser paga futuramente pela Administração Pública, quando estiver a remunerar o serviço disponível. Ora, como a remuneração a ser percebida pelo particular (tarifas e/ou contraprestação) envolve a remuneração do capital por ele investido no projeto, é óbvio que o tempo transcorrido entre a realização do investimento e sua efetiva amortização implicará o aumento do valor da contraprestação a ser paga pelo parceiro público. Além do corrigido, o capital investido na infraestrutura será remunerado pela taxa de retorno projetada para o empreendimento, sendo que esses valores deverão ser suportados pelos usuários e/ou pela Administração. Este é um efeito incontornável ao se adotar a premissa de que é vedado qualquer subsídio público à criação da infraestrutura. E ele é especialmente grave em projetos que exijam para a sua viabilização a criação de uma infraestrutura complexa, que exija grande volume de investimentos até estar disponível ao público.”

Portanto, foi diante dessa realidade que se editou a Medida Provisória nº 575/2012, posteriormente convertida na Lei nº 12.766/20112, prevendo expressamente a possibilidade de haver a disponibilização de recursos públicos antes de o particular prestar a atividade de interesse público a seu cargo. Com a finalidade de tornar viável tal expediente, foram inseridos quatro parágrafos ao art. 6º, que passou a contar com a seguinte redação:

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“Art. 6o A contraprestação da Administração Pública nos contratos de parceria público-privada poderá ser feita por

I – ordem bancária;

II – cessão de créditos não tributários;

III – outorga de direitos em face da Administração Pública;

IV – outorga de direitos sobre bens públicos dominicais;

V – outros meios admitidos em lei.

§ 1o  O contrato poderá prever o pagamento ao parceiro privado de remuneração variável vinculada ao seu desempenho, conforme metas e padrões de qualidade e disponibilidade definidos no contrato. (Incluído pela Lei nº 12.766, de 2012)

§ 2o  O contrato poderá prever o aporte de recursos em favor do parceiro privado para a realização de obras e aquisição de bens reversíveis, nos termos dos incisos X e XI do caput do art. 18 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, desde que autorizado no edital de licitação, se contratos novos, ou em lei específica, se contratos celebrados até 8 de agosto de 2012. (Incluído pela Lei nº 12.766, de 2012)

§ 3o  O valor do aporte de recursos realizado nos termos do § 2o poderá ser excluído da determinação: (Incluído pela Lei nº 12.766, de 2012)

I - do lucro líquido para fins de apuração do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL; e (Incluído pela Lei nº 12.766, de 2012)

II - da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS. (Incluído pela Lei nº 12.766, de 2012)

§ 4o  A parcela excluída nos termos do § 3o deverá ser computada na determinação do lucro líquido para fins de apuração do lucro real, da base de cálculo da CSLL e da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, na proporção em que o custo para a realização de obras e aquisição de bens a que se refere o § 2o deste artigo for realizado, inclusive mediante depreciação ou extinção da concessão, nos termos do art. 35 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. (Incluído pela Lei nº 12.766, de 2012)

§ 5o  Por ocasião da extinção do contrato, o parceiro privado não receberá indenização pelas parcelas de investimentos vinculados a bens reversíveis ainda não amortizadas ou depreciadas, quando tais investimentos houverem sido realizados com valores provenientes do aporte de recursos de que trata o § 2o. (Incluído pela Lei nº 12.766, de 2012)”

Como se vê, agora não há dúvidas quanto à possibilidade de antecipação da contraprestação do setor público. Espera-se, com isso, além de reduzir os custos do negócio, com a eliminação ou ao menos redução da captação de recursos junto ao mercado financeiro, atrair-se mais investimentos em PPP, tendo em vista que tal sistemática permite a maior participação de empresas no processo licitatório.

De fato, no sistema anterior, a necessidade de captação de vultosos recursos no mercado financeiro acabavam por desmotivar a participação de empresas com capacidade técnica para gerir o objeto da PPP, mas com acesso restrito a financiamentos de grande porte, e, portanto, sem capacidade financeira. Agora, ao menos em tese, ficou viável a participação dessas empresas, o que aumenta a competitividade da seleção dos contratantes, fazendo com que aumente a probabilidade da Administração escolher uma proposta mais vantajosa.

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Sobre o autor
Carlos Eduardo Dantas de Oliveira Lima

Advogado da União. Subprocurador Regional da União na 5ª Região. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito do Recife - FDR/UFPE. Especialista em Direito Público. Especialista em Direito Administrativo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Carlos Eduardo Dantas Oliveira. Parcerias Público-Privadas: a reforma de 2012 e a possibilidade de pagamento imediato dos aportes financeiros pelo parceiro público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3928, 3 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27176. Acesso em: 10 mai. 2024.

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