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Estatuto da Criança e do Adolescente e a violação de direitos infantis através de vídeos postados em redes sociais

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O artigo aborda a polêmica relacionada à constante aparição de crianças em redes sociais, expostas inconscientemente por seus responsáveis a situações vexatórias, a violação que tal conduta acarreta a diversos dos direitos previstos na Lei 8.069/90.

RESUMO: O artigo aborda a polêmica relacionada à constante aparição de crianças em redes sociais, expostas inconscientemente por seus responsáveis a situações vexatórias, a violação que tal conduta acarreta a diversos dos direitos previstos na Lei 8.069/90, e que medidas legais podem ser tomadas em tais situações.

PALAVRAS-CHAVE: Estatuto da criança e do adolescente. Redes sociais. Situações vexatórias. Direitos da Criança e do Adolescente. Vídeos.


INTRODUÇÃO

Quem nunca achou uma "gracinha" crianças se apresentando em danças, falando besteiras, chorando ou brincando em vídeos dos mais diversos postados todos os dias nas redes sociais?

Apesar da grande aceitação popular de tais condutas, elas muitas vezes ferem inúmeros direitos e garantias previstos na Constituição Federal e Estatuto da Criança e do Adolescente, pois o infante, quando exposto indiscriminadamente na internet por seus pais ou responsáveis, não tem qualquer controle sobre as repercussões que poderão surgir, fato que por si só pode levar a uma série de constrangimentos e situações em demasia desagradáveis no futuro.

Tendo por finalidade um breve estudo da legislação que ampara o assunto, bem como realização de uma análise crítica de eventuais direitos e prerrogativas violados com a exposição de vídeos infantis vexatórios em redes sociais, o artigo pretende uma rápida avaliação do célere processo de inclusão digital ocorrido na atualidade e alguns problemas a ele relacionados, seguindo por uma abordagem da legislação que resguarda os direitos de infantes, e adentrando a seguir na polêmica que resguarda o envolvimento de crianças em vídeos que circulam pela internet, e medidas legais possíveis.


1. REVOLUÇÃO DIGITAL E ALGUNS DE SEUS REFLEXOS

Alguns autores chamam a atual geração de ctrl+c/ctrl+v[1]. Muito se copia, apesar da imensa facilidade de acesso à informações e conhecimento.

Há pouco mais de uma década ter computador e acesso à internet era grande luxo, e as pesquisas eram basicamente realizadas por meio de análise de obras e enciclopédias compradas ou disponibilizadas nas bibliotecas das faculdades e escolas. Hoje há acesso gratuito a bibliotecas virtuais, e pelo Google books é possível até pesquisar tópicos específicos de livros sem necessidade de sair de casa ou perguntar para a bibliotecária a localização do assunto.

A revolução digital tem sido considerável. Ethevaldo Siqueira, tecendo comentários sobre o tema em coluna do jornal Estadão, versa que:

Vivemos hoje a era digital em sua plenitude. Ela significa comunicação instantânea, em qualquer lugar e a qualquer hora, TV digital com imagens de alta definição e 3D, chips multinúcleos, internet de banda larga, softwares de produção gráfica, realidade virtual, sistemas de multimídia e dispositivos de armazenamento de muitos terabytes. A maior parte dessa revolução ocorreu nos últimos 20 anos. Nesse curto período da história humana, a tecnologia criou um Admirável Mundo Novo Digital, designação que escolho por analogia com o título do famoso livro de ficção científica de Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo, publicado em 1932. Esse novo mundo está sendo construído a cada dia por bilhões de seres humanos, com a crescente popularização e disseminação do computador pessoal, do celular, da internet, da fibra óptica e, em breve, do Blu-ray e da TV digital com imagens tridimensionais (3D). [...] A teia mundial (worldwide web ou www) marcou o nascimento da internet como a conhecemos, em 1990. Hoje, essa rede já conecta 2 bilhões de seres humanos, a metade deles com acesso em banda larga, via cabo, fibra óptica ou redes sem fio WiFi, WiMax ou celular 3G. Há 20 anos, ficávamos boquiabertos com a comunicação de dados à velocidade de 9,6 quilobits por segundo (kbps). Hoje, as transmissões entre corporações podem alcançar uma velocidade um milhão de vezes mais elevada, ou 10 gigabits/segundo (Gbps). O processo de digitalização e a microeletrônica são, sem dúvida, as alavancas tecnológicas mais poderosas e responsáveis pelas profundas transformações sociais e econômicas de nosso tempo. Ao longo das últimas décadas, elas revolucionaram não apenas as novas tecnologias da informação e da comunicação como todos os demais segmentos da economia e da indústria.[2]

Se por um lado surgiram grandes facilidades para estudiosos e pesquisadores, por outro as futilidades também não param de se multiplicar. Dados apresentados por pesquisas recentes, apontam o brasileiro como um dos povos que mais passa tempo conectado à internet, e em mais de 30% dele, está por conta de acessar redes sociais como facebook, orkut e twitter:

Conforme relatório publicado no primeiro semestre de 2013, pela agência nortea mericana comScore, os brasileiros ficam, em média, mais de 27 horas por mês conectadas à internet em seus computadores, sendo esse número o mais alto frente aos oito mercados latino americanos estudados. Do total de horas na web, 36% são gastas nas redes sociais. [...] Uma das conclusões do estudo mostra que o brasileiro fica mais tempo conectado do que a média mundial. Familiarizados com a tecnologia, 64% da geração do milênio brasileira têm smartphone e ficam sete horas online por dia, uma hora a mais que a média mundial. Com relação à tecnologia, os jovens brasileiros são os que se sentem mais íntimos dos dispositivos eletrônicos, sendo 91% ante os 79% dos outros países pesquisados.[3]

Já outra pesquisa, esta realizada no Brasil aponta dados que certamente correspondem à realidade: as pessoas passam a maior parte do tempo conectadas em redes sociais:

  Um estudo recente, realizado pela E.life, entrevistou 650 brasileiros para saber quais são seus hábitos e comportamentos em relação às redes sociais. [...] Em relação ao tempo gasto na internet, a pesquisa indica que 54% dos brasileiros passam pelo menos 30 horas por semana conectados, e 34% mais de 40 horas semanais. Para 98% dos entrevistados, a maior parte do tempo gasto na internet é destinada às redes sociais, sendo que o Facebook é hoje a principal rede social no Brasil, acessada por 81% dos entrevistados.[4]

As redes sociais, em que pese a utilidade de tais mecanismos, são compostas em grande parte por coisas inúteis. No facebook, a maior parte das imagens e mensagens compartilhadas pelos usuários são relacionadas a autoajuda e autopromoção, relacionamento, propaganda e humor. Pouco se vê em se tratando de ensino, cultura, educação. Sobre isso, Gilberto Freyre já alertava que "O saber sem um fim social será a maior das futilidades."[5]

Além disso, existe o problema da superexposição. As pessoas estão perdendo completamente a privacidade, e expõem todos os fatos de suas vidas nas redes sociais. Desde a roupa que vestem, o que comem, onde vão e o que estão fazendo durante o dia todo, nada passa despercebido nos posts realizados religiosamente aos seguidores.

O interessante é notar que as mais variadas pesquisas sobre o fenômeno da superexposição virtual sempre apontam para um mesmo norte: o de que as redes sociais acabam servindo de refúgio para pessoas com problemas na autoafirmação. Geralmente elas têm baixa autoestima, são tímidas, carentes, têm dificuldade ou traumas para se relacionar, e se sentem bem no "universo ideal" mantido[6].

Há grande problema no envolvimento de crianças nesse processo de superexposição, pois nem sempre o bom senso dos responsáveis impera, e por isso vários questionamentos surgem: pode-se considerar aceitável a exposição realizada pelos pais? Até que ponto tal atitude não fere direitos e garantias fundamentais do infante? Que medidas podem ser tomadas, e que amparo existe em casos de violação a direitos e garantias da criança?

A seguir serão explicitados alguns direitos e prerrogativas infantis descritos na legislação pátria, com intuito de dar subsídio para respostas e reflexões sobre tais questionamentos no último subtítulo.


2. ALGUNS DOS PRINCIPAIS DIREITOS E GARANTIAS DAS CRIANÇAS PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO PÁTRIA

A Constituição Federal é a principal fonte dos direitos e garantias fundamentais das crianças e adolescentes, ao versar no art. 227, caput, que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá?los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A previsão da Carta Maior é muito clara no sentido da obrigação tanto do Poder Público quanto da coletividade pela busca do bem-estar dos infantes através do chamado princípio da proteção integral[7], e tal entendimento é inclusive endossado pelo Supremo Tribunal Federal, que em inúmeros precedentes, como no RE 482.611, deixa muito clara a obrigação, inclusive da Administração Pública Municipal, de implementar políticas das mais diversas para resguardo dos direitos infantis:

É preciso assinalar, neste ponto, por relevante, que a proteção aos direitos da criança e do adolescente (CF, art. 227, caput) – qualifica?se como um dos direitos sociais mais expressivos, subsumindo?se à noção dos direitos de segunda geração (RTJ 164/158?161), cujo adimplemento impõe ao Poder Público a satisfação de um dever de prestação positiva, consistente num facere [...] o STF, considerada a dimensão política da jurisdição constitucional outorgada a esta Corte, não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais, que se identificam – enquanto direitos de segunda geração – com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158?161, Rel. Min. Celso de Mello). É que, se assim não for, restarão comprometidas a integridade e a eficácia da própria Constituição, por efeito de violação negativa do estatuto constitucional motivada por inaceitável inércia governamental no adimplemento de prestações positivas impostas ao Poder Público, consoante já advertiu, em tema de inconstitucionalidade por omissão, por mais de uma vez (RTJ 175/1212?1213, Rel. Min. Celso de Mello), o STF [...]. Tratando?se de típico direito de prestação positiva, que se subsume ao conceito de liberdade real ou concreta, a proteção à criança e ao adolescente – que compreende todas as prerrogativas, individuais ou coletivas, referidas na CR (notadamente em seu art. 227) – tem por fundamento regra constitucional cuja densidade normativa não permite que, em torno da efetiva realização de tal comando, o Poder Público, especialmente o Município, disponha de um amplo espaço de discricionariedade que lhe enseje maior grau de liberdade de conformação, e de cujo exercício possa resultar, paradoxalmente, com base em simples alegação de mera conveniência e/ou oportunidade, a nulificação mesma dessa prerrogativa essencial, tal como já advertiu o STF (...). Tenho para mim, desse modo, presente tal contexto, que os Municípios (à semelhança das demais entidades políticas) não poderão demitir?se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 227, caput, da Constituição, e que representa fator de limitação da discricionariedade político?administrativa do Poder Público, cujas opções, tratando?se de proteção à criança e ao adolescente, não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. [...] (STF- RE 482.611, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 23?3?2010, DJE de 7?4?2010).

Por sua vez, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069/90, trata de maneira mais específica das prerrogativas inerentes às crianças e adolescentes, e considera criança, aquele com até 12 anos incompletos, e adolescente, aquele que tem entre 12 e 18 anos (art. 2º), versando entre os artigos 3º e 24 de todos os direitos a eles inerentes.

Os direitos ao respeito e à dignidade, mais estritamente relacionados ao trabalho são versados nos artigos 17 e 18.

O artigo 17 enuncia que: "O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais."

 Por sua vez, o artigo 18 preleciona que: "É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor." Há ainda disposição similar no art. 70, explicitando que: "É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente."

Em que pese a previsão do dever coletivo, cabe primordialmente aos pais ou àqueles que detém a guarda do infante o múnus de zelar pela integridade, pois são os responsáveis legais, nos exatos termos do previsto no art. 1634 do Código Civil c/c art. 21 do ECA.  

O Poder Público e a sociedade apenas serão chamados a agir quando evidenciada alguma situação de risco, e necessidade de adoção de medidas de proteção dentre as previstas no art. 98 e seguintes do ECA.

Tais medidas poderão ser aplicadas em razão de ação ou omissão da sociedade ou do Estado, por falta omissão ou abuso dos pais ou responsável, ou em razão da conduta do menor.

Contudo, não há previsão de nenhuma medida específica a ser aplicada aos responsáveis em caso de exposição vexatória de infantes nas redes sociais. Isso ocorre porque o artigo 101 da Lei 8.069/90 não trata de qualquer determinação em tal sentido, conforme se depreende da leitura dos incisos I a IX:

Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98[8], a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:

I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;

II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;

III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;

IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;

V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;

VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

VII - acolhimento institucional;

VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar;

IX - colocação em família substituta.

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Apesar disso, numa interpretação extensiva do art. 98 c/c art. 101 e 129 da Lei 8.069/90, é possível dizer que havendo abuso dos pais em razão de exposição da criança em situação vexatória, o judiciário poderá determinar a orientação acerca dos riscos e prejuízos causados pela conduta.

Contudo, nenhuma medida em especial está prevista na Lei em comento, algo que será melhor explicitado a seguir.


3.COMO TRATAR DA VIOLAÇÃO DE DIREITOS INFANTIS ATRAVÉS DE VÍDEOS EXPOSTOS EM REDES SOCIAIS

Como já assinalado, é dever do poder público, coletividade e família o resguardo pela integridade infantil, nos exatos termos do art. 227 da Carta Magna.

Acontece que nem sempre os pais agem com o devido zelo, e acabam, ainda que inconscientemente, expondo seus filhos a situações constrangedoras.

Acessando sítios como o youtube, e redes sociais como o facebook, bem como sites de buscas, é possível em simples pesquisa encontrar diversos vídeos nos quais crianças aparecem em situações no mínimo indesejáveis.

Não são poucos os casos em que a própria sociedade se insurge contra propagandas e atos considerados vexatórios. No final de 2013, por exemplo, o CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) recebeu centenas de reclamações em razão de alegada exposição vexatória de crianças numa propaganda comercial de uma marca cearense[9].

Também há grande polêmica relacionada à revista de menores em visitas a presídios[10], por exposição em situações constrangedoras em programas de TV[11]e em determinados vídeos[12].

Porém, o problema não está nas condutas acima descritas, já que reprimidas socialmente e ponderadas pelo judiciário. Ele se situa mais especificamente em vídeos caseiros nos quais os responsáveis expõem crianças em situações bastante desagradáveis.

Na rede há milhares de vídeos nos quais crianças aparecem chorando, sofrendo e se apresentando em situações indesejáveis sob o ponto de vista de qualquer adulto.

O que se passa na cabeça de um adolescente quando seus amigos descobrem ser o famoso bebê que fez sucesso aparecendo nu e chorando no vídeo infantil "x" ou "y"?

Quem, com seus 30 anos gostaria de assistir um vídeo feito pelo pai ou mãe e acessado por milhares de pessoas, no qual aparece chorando porque perdeu a namoradinha?

Enfim, é nítido que essas "aparições" ainda que inocentes, geram situações no mínimo embaraçosas para a criança. Não haveria qualquer problema se como antigamente, fossem feitos vídeos para uso doméstico e pessoal, mas o intuito de autopromoção sob qualquer pretexto tem alcançado níveis próximos do indesejado.

Se os responsáveis agem de forma imprudente, que medidas podem ser tomadas pelo poder público quando ocorrido nítido desrespeito à integridade de crianças?

Na esfera criminal, o ECA diz no art. 232 do crime de submissão de criança a situação vexatória, prevendo para aquele que "submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento", uma pena de seis meses a dois anos.

Apesar de tal previsão, o delito deve ser cometido dolosamente, ou seja, o responsável pela submissão necessita agir com a intenção de expor a criança a vexame. Do contrário, não há que se falar em crime[13].

Isso significa que se um pai expõe vídeo de seu filho na internet entendendo não tratar de situação constrangedora, não há como responsabilizá-lo criminalmente com base no art. 232 do ECA.

Uma saída para tal situação de "impunidade" seria criar alguma pena para o cometimento do crime versado de forma culposa. Contudo, isso não tem razão de ser, pois não cabe ao direito penal, ramo que tem caráter fragmentário[14], solucionar o problema, se outras medidas podem ser tomadas para surtir o necessário efeito.

Saindo da esfera criminal, no âmbito administrativo é possível que através do Conselho Tutelar (órgão encarregado de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente) sejam tomadas medidas com intuito de que o vídeo seja retirado da rede pelo responsável, bem como se proceda a aconselhamento por meio de advertência (art. 129, VII do ECA).

Já na seara cível, a Lei 8.069 não traz nenhuma previsão expressa de medidas a serem tomadas com a finalidade de impedir a veiculação de vídeos vexatórios. Tal medida pode ser necessária, pois com a divulgação virtual, aquele responsável pela postagem perde a exclusividade sobre o conteúdo, que passa a ser visualizado, compartilhado e postado por milhares de pessoas.

Apesar da talvez omissão do ECA, a legislação processual civil possibilita através de medida cautelar inominada ou ação de obrigação de fazer, que os responsáveis pela veiculação do vídeo sejam compelidos a retirá-lo da internet imediatamente, e identifiquem quem efetuou a postagem.

As medidas cautelares estão previstas a partir do art. 796 do CPC, e visam, conforme leciona Humberto Theodoro Júnior: "[...] assegurar a permanência ou conservação do estado das pessoas, coisas e provas, enquanto não atingido o estágio último da prestação jurisdicional”[15]

No caso de retirada de vídeos da internet, a medida cautelar tem natureza satisfativa, pois com seu deferimento, não será mais necessária qualquer outra intervenção do judiciário para solucionar o problema.

Ela é chamada de inominada, pois não está prevista especificamente dentre aquelas medidas cautelares descritas entre os arts. 813 e 888 do CPC.

Nela é possível pedir a concessão liminar da tutela (art. 804 do CPC), para que de imediato, havidas provas consistentes, o magistrado determine o cumprimento da medida. Também é possível, tendo havido requerimento, que o juiz determine a imposição de multa em caso de descumprimento, algo que contribui muito para a rápida efetividade da tutela.

Em julgamento de agravo sobre o tema, o Tribunal de Justiça do Sergipe (TJSE) entendeu pela manutenção da decisão primeira, sob argumento de que é dever de todos, inclusive das empresas, zelar pela dignidade das crianças. Segue parte do voto:

 No caso em exame é nítida a lesão do direito à honra e a imagem da pessoa humana, posto a publicação de vídeo com conteúdos eróticos da menor A.J.N.S., em site com acesso mundial.  Aliás, a Lei nº 8.069/1990, em seus artigos 15, 17 e 18, previu que a criança e o adolescente possui o direito, especialmente, a intimidade, ao respeito e a dignidade da pessoa humana, cabendo ao Estado o dever de prover as condições ao seu pleno exercício. [...] De fato, os elucidados artigos não foram obedecidos no caso em tela, visto que a imagem, a honra e a saúde psíquica da adolescente foram inteiramente desrespeitadas.  Desta feita, deve-se prosperar que a adolescente foi vitimada da postagem de seu vídeo pornográfico na internet, podendo ser visualizado por todos, indistintamente. Com efeito, incumbe a Empresa Agravada o dever de identificar os agressores, pois estes devem ser punidos pela crueldade que cometeram, evitando que situações como esta se repitam. [...] Sendo assim, pelas razões impostas acima, entendo que a decisão interlocutória proferida pelo douto Magistrado de 1º grau deve permanecer incólume. [...](TJ-SE - AI: 2012200101 SE , Relator: VAGA DE DESEMBARGADOR (DES. JOSÉ ALVES), Data de Julgamento: 10/09/2012, 2ª.CÂMARA CÍVEL).

Do precedente citado evidencia-se que os Tribunais entendem pela obrigação das redes sociais de retirarem imediatamente quaisquer conteúdos de natureza vexatória de seus espaços, identificando ainda os responsáveis pela exposição. Note-se também que os Pretórios aceitam fartamente o manejo de ação cautelar[16], já que por meio dela é possível que os objetivos sejam alcançados.

Apesar disso, também há a possibilidade de adoção de medidas assecuratórias por meio de ação de obrigação de fazer. Como o próprio nome interpela, tal medida judicial visa compelir alguém a tomar medida necessária para resguardar algum direito.

A obrigação de fazer está elencada no art. 461 e seguintes do CPC, e também possibilita que se peça a tutela liminar (art. 461 §3o) para que imediatamente à propositura, medidas sejam tomadas para resguardo do direito.

Tal tipo de ação também é adotada muitas vezes para buscar fim a situações vexatórias na internet, e surte basicamente os mesmos efeitos da medida cautelar inominada. A exemplo, o TJMG decidiu pela correta obrigação de imediata retirada de vídeo vexatório da rede, quando inconformada, a empresa responsável recorreu por meio de agravo de instrumento:

EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. POSTAGENM DE VÍDEO NO YOUTUBE. CARÁTER OFENSIVO. REMOÇÃO. REQUISITOS PRESENTES. NECESSIDADE. Comprovado que foi postado vídeo ofensivo na internet, tem o ofendido o direito de buscar a sua remoção, sob pena de sofrer maiores prejuízos, diante da grande repercussão de sites desta natureza.   (Agravo de Instrumento Cv  1.0329.12.001087-4/001, Relator(a): Des.(a) Alberto Henrique , 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 14/03/2013, publicação da súmula em 22/03/2013).  

Pelo explicado, conclui-se que através da tutela jurisdicional cível, são possíveis medidas garantidoras da integridade do infante quando havida exposição indevida da imagem.

No caso de crianças, havendo conflito de interesses com os pais (pois eles podem achar o conteúdo inofensivo), o ECA diz da possibilidade de nomeação de curador especial (art. 142), e versa da legitimidade do Ministério Público e da Defensoria Pública para atuação judicial visando proteção.

Assim, constatado que pais expuseram criança em situação constrangedora através de vídeo disponibilizado na web, o interessado ou integrante do conselho tutelar, após aconselhamento, pode procurar o Ministério Público para que se dirija ao magistrado competente, requerendo que medidas necessárias sejam tomadas para defesa da dignidade do infante.

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Sobre o autor
Pedro Henrique Santana Pereira

É licenciado e bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de São João del-Rei e Bacharel em Direito pelo Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves. Advogado militante e professor do curso de Direito do IPTAN- Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves. Pós-graduado em Direito Público pela UCAM e em Educação Ambiental pela UFSJ. Pós-graduando em Direito Ambiental e em Gestão de Pessoas e Projetos Sociais. Membro da Academia Sanjoanense de Letras e das Comissões de Meio Ambiente e de Comunicação da 37ª OAB/MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Pedro Henrique Santana. Estatuto da Criança e do Adolescente e a violação de direitos infantis através de vídeos postados em redes sociais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3930, 5 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27219. Acesso em: 19 abr. 2024.

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