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Homenagem a pessoa viva por meio da denominação de bens públicos e sua viabilidade jurídica

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8 A denominação de pessoa viva em bens públicos e o entendimento dos tribunais brasileiros

O Colendo Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, em decisão unânime de sua 2ª Câmara Cível, nos autos da Apelação Cível n. 2002.007.299-1, tendo como Relator o juiz convocado Leandro dos Santos, reconheceu que o uso de nome de pessoa viva em prédio público caracteriza ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 11 da Lei n. 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa). É o que se depreende do julgado adiante transcrito:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DENOMINAÇÃO DE PRÉDIO PÚBLICO. PROMOÇÃO PESSOAL. IMPOSSIBILIDADE. APELAÇÃO. DESPROVIMENTO. A denominação de prédio público municipal com o nome do prefeito ou de seus correligionários ofende os princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade, além do § 1º do art. 37 da Constituição Federal.

Nos idos de abril de 2004, atendendo solicitação do Sindicato dos Advogados do Rio de Janeiro, o Corregedor Geral da Justiça do Trabalho, Ministro Rider de Brito, impediu a aposição do nome do Presidente do TRT/RJ na placa de inauguração do prédio da Justiça do Trabalho, no qual funcionariam as varas trabalhistas daquele Estado.

Pronunciou-se o Ministro da seguinte forma:

Considerando o estatuído nos preceitos legais/constitucionais supra transcritos (art. 37, da Constituição e Lei n. 6454/77), tem-se que a Resolução Administrativa n. 6/2004 do Órgão Especial do TRT da Primeira Região, que conferiu o nome do atual Presidente daquela Corte ao novo prédio das Varas do Trabalho do Rio de Janeiro, vulnera o princípio da moralidade administrativa e contraria de forma inequívoca a norma prevista no § 1º do artigo 37 CF/88, por importar manifesta promoção pessoal de autoridade vinculada ao Poder Judiciário Trabalhista.

Na decisão do Tribunal Superior do Trabalho, a que se refere as linhas acima, este pretório promoveu o seguinte julgamento:

(...) todo ato administrativo deve sempre ter como objetivo certo e inafastável o interesse público. O princípio da impessoalidade, que rege a Administração Pública, veda a prática de ato sem interesse para a coletividade ou conveniência para a Administração, visando unicamente a satisfazer interesses privados. De fato, por mais nobres que possam ser as intenções, o administrador não pode se servir dos bens públicos que lhe são confiados para promover ou homenagear alguém que o ordenamento jurídico vigente expressamente veda (TST, AG-PP 132097/2004-000-00.5, DJ 23/8/2004).

Na Comarca de Itabira (MG), atendendo pedido de antecipação de tutela, em Ação Civil Pública, a Justiça local, impediu a Fundação Comunitária de Ensino Superior – FUNCESI, de promover a utilização de nomes de pessoas vivas em seus prédios, auditórios, bibliotecas ou qualquer espaço de sua estrutura física, assim como, em impressos, folderes e convites, em razão de a referida instituição receber recursos públicos da municipalidade³.

Anote-se, que o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais já adotara o seguinte entendimento4:

AÇÃO POPULAR – FÓRUM – NOME -  HOMENAGEM A PESSOA VIVA – PLACA – CONFECÇÃO – CUSTEAMENTO – ERÁRIO MUNICIPAL – OFENSA AO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE – ART. 37, CAPUT E § 1º, DA LEI MAIOR. A nova ordem jurídica inaugurada com o advento da Constituição Federal de 1988 não se coaduna com homenagens a pessoas públicas ainda viva, caracterizadoras de indevida promoção pessoal e por isso ofensivas ao princípio constitucional da impessoalidade (TJMG, AC N. 000.152.056-9/00).

No julgamento consignado acima, ao proferir o seu lapidado voto, o ilustrado Desembargador Páris Peixoto Pena, pronunciou-se:

A lide deduzida nestes autos traz à lume uma discussão que de há muito vem sendo objeto de estudo no direito pátrio e alienígena, qual seja, a busca de meios efetivos de controle da atividade administrativa e o respectivo sancionamento de condutas de nossos administradores desconformes com os parâmetros éticos e legais que devem pautá-las.

Penso que o momento histórico que vivemos reclama do magistrado, tanto quanto do legislador e do administrador, uma visão afinada com os anseios dos jurisdicionados por um Estado voltado ao atendimento das necessidades e interesses sociais de modo a exigir de nossa elite dirigente um maior rigor no trato com a coisa pública.

E esta postura crítica, mas isenta, se faz necessária para que a fé nas instituições democráticas não seja perdida, pois, no dizer de Celso Lafer, citado pelo Promotor de Justiça gaúcho Ari Mello, “quando a confiança desaparece, a autoridade, tanto de pessoas quanto de instituições, se vê solapada. Nada é mais destrutivo, por exemplo, da autoridade do Estado, ou no plano da educação, da justiça e da religião, da autoridade da Universidade, do Judiciário e da Igreja, do que o desprezo que exprime a desconfiança em relação ao princípio da fundação”. (Improbidade Administrativa – Considerações sobre a Lei n. 8.429/92. Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, n. 36, p.169-184).


9 Instrumentos legais a serem manejados para impedir a consignação de nomes de pessoas vivas nos bens públicos

Pode ser utilizado o manejo da Ação Popular, disciplinada pela Lei n. 4.717, de 29 de junho de 1965, da Ação Civil Pública, disciplinada pela Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985 e da Ação de Responsabilidade por Improbidade Administrativa, regulamentada pela Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992, para efeito de preservação do patrimônio público frente à consagração nominativa de prédios com nomes de pessoas vivas, em desrespeito aos princípios e às normas jurídicas constitucionais e legais, pelas autoridades constituídas.

Os aludidos expedientes legais servem para pugnar pela nulidade do ato administrativo lesivo (decretos, resoluções, etc) que denominou o bem público com o nome de pessoa viva, podendo ainda ser pleiteado pelo seu autor o ressarcimento ao erário da verba pública utilizada na confecção de algum material (placa, faixas, etc), por ventura confeccionados com recursos públicos.

Outrossim, pode-se valer do manto protetivo do Mandado de Segurança, calcado na Lei n. 1.503, de 31 de dezembro de 1951, para anular atos legislativos de qualquer natureza, posto que, até mesmo a norma legislativa em sentido amplo, posto que, na sua essência, configura ato de efeitos concretos, sendo detentora do mesmo valor e equivalência a um ato administrativo concreto, podendo ser combatida pela via do mandamus, segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial pacificado.

Ademais, tais instrumentos processuais buscam da Justiça a declaração de que o ato praticado pela Administração encontra-se eivado de vício de imoralidade ou de impessoalidade, como também, que o mesmo maculou os princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade dos interesse públicos.

Não somente isso, tais meios jurídicos pugnam pela manifestação do órgão judiciário de que as normas legais de regência, de âmbito federal (Lei n. 6.454/77), estadual (Constituição do Estado respectivo) ou municipal (Leis Orgânicas ou Leis Ordinárias locais) foram infringidas com a prática do ato de denominação.


10 O fato de pessoas vivas serem laureadas com o seu nome em prédios públicos, é suficiente para a caracterização da inconstitucionalidade ou legalidade?

É compreensível que as pessoas que exercem cargos públicos, vale dizer, cargos políticos e os servidores públicos ocupantes de cargos comissionados ou que possuam subordinação hierárquica direta com os chefes dos governos ou órgãos públicos municipais, estaduais e federais, responsáveis pela condução dos negócios públicos, desde que ainda não tenham falecido, estejam plenamente vedados de receber qualquer homenagem por meio da denominação de bens públicos com o seu nome. E essa proibição deve ser mais rigorosa em face daqueles que estejam exercendo atualmente cargo ou função política na administração.

No entanto, servidores públicos que não possuam subordinação hierárquica aos governantes ou aos chefes de repartições públicas em geral, assim como, todos quantos, sem qualquer vínculo com a Administração Pública, mas tenham uma reconhecida folha de serviços prestados à sociedade, sem interesses pessoais ou escusos, nas áreas de educação, saúde, assistência social, segurança pública, cultura, desporto, meio ambiente e outras, possam se homenageados com seus nomes nos bens de propriedade do Poder Público.

Uma coisa é homenagear-se outrem, simplesmente por capricho, sentimento ou interesse pessoal da autoridade; outra, homenagear-se a quem pautou-se durante grande parcela de tempo de sua vida, dedicando-se diuturnamente em prol do interesse da sociedade.

Daí, ser de entendimento que, pelo fato de se homenagear alguém em vida, com o seu nome estampado no frontal de algum prédio público, não deve caracterizar, por si só, uma inconstitucionalidade ou ilegalidade. Deve-se ab initio detectar o animus da autoridade, buscando sua intenção. Se seu ato teve uma conotação mais pessoal ou política do que meritória ou de justiça.

Ora, se o administrador ou legislador propõe que alguém seja laureado com o seu nome em um determinado bem público, e se a coletividade entende que tal homenagem é justa, não há falar em ato ilegítimo ou contrário ao interesse público.

Ademais, pode a aludida autoridade propor, antes da homenagem, a realização de um plebiscito ou referendum, instrumentos legais populares, que devem ser manejados para aferir-se se o ato administrativo ou legislativo atende ou não o interesse público.

Pelo discorrido, em tese, importa fazer as seguintes afirmações, a serem analisadas com maior amplitude pelo exegeta, até mesmo por meio da aplicação do princípio da razoabilidade e proporcionalidade, verificando-se cada caso em específico:

a)    se existe norma jurídica municipal ou estadual coibindo a homenagem, não se pode laurear pessoas vivas, nem mesmo ouvindo a população por meio de plebiscito ou referendo, já que o ato passa a ser contra legem, afetando o princípio da legalidade e até os demais princípios, a menos que se altere a lei de regência;

b)   se não existe norma jurídica municipal ou estadual, editadas com tal finalidade, e o bem público tenha sido construído, reformado ou adquirido com recursos públicos federais, haverá a incidência da proibição da Lei n. 6.454/77;

c)    se não existe norma jurídica municipal, estadual ou haja a incidência da Lei n. 6.454/77, vedando a láurea, e esta seja realizada injustificadamente, mais por interesse ou sentimento pessoal ou político, do que público, da autoridade, haverá a incidência dos princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade, supremacia do interesse público e da indisponibilidade dos interesses públicos, e aí,  ato deve se nulo pleno iure;

d)   e, finalmente, se não existe norma jurídica vendando e a homenagem foi realizada mais pelo mérito e justiça do que por sentimento pessoal ou político da autoridade, inclusive ouvindo-se a população diretamente interessada, visando homenagear in vita pessoas que sempre se dedicaram aos serviços de interesse da sociedade, nas áreas prefaladas, de entender que o ato de denominação não configurará uma inconstitucionalidade ou ilegalidade, já que não é impessoal e imoral, sendo, contudo, de interesse de todos.

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Por outro ângulo, toda homenagem é mais importante para a pessoa do homenageado do que para outras pessoas, até mesmo os seus familiares não terão a mesma satisfação daquele, com a homenagem.

De indagar, se não seria mais importante para um Airton Senna, que prestou relevantes serviços ao Brasil, engrandecendo o país no estrangeiro, receber homenagens em prédios públicos em vida, e não somente após sua morte, como aconteceu em São Paulo, onde foi dado o seu nome a um dos viadutos da aludida metrópole.

Outrossim, será que não é justa a homenagem a um Pelé, com a denominação de seu nome nos prédios públicos do país, mesmo ainda estando vivo. Certamente que sim, e indiscutivelmente numa votação pública o povo reconheceria e aclamaria o seu nome, ratificando o ato de denominação. Não há dúvida de que citadas láureas expressariam muito mais um sentimento de justiça do que um sentimento pessoal do autor da proposta homenageadora.

Podia até ser que o ato fosse ilegal, mas seria indubitavelmente legítimo. E é salutar afirmar que a legitimidade deve prevalecer sobre a legalidade. Não se pode falar em Estado de Direito sem que a lei seja reconhecida pela maioria.


11 Considerações finais

Finalizando, de inferir que se a homenagem for caracterizada como uma satisfação de interesses ou sentimentos pessoais ou políticos da autoridade administrativa, óbvio que redundará numa flagrante e afrontosa inconstitucionalidade, tendo em vista que alvejará de morte alguns princípios basilares e orientadores da Administração Pública.

 Maneira idêntica, se existe alguma norma de regência – lei federal, estadual e municipal, no seu sentido mais amplo – vedando a homenagem, estar-se-á diante de uma irrefutável ilegalidade, não sendo permitido, uma vez que o ato administrativo ou legislativo confrontar-se-á com o princípio constitucional da legalidade.

No entanto, em arremate, e sinteticamente falando, caso não exista qualquer diploma legal vedando a homenagem, e mesmo existindo norma jurídica de proibição, esta alterada com vista à permissão, e a láurea se dê por merecimento ou justiça, seguida da aprovação da população, pelo menos, por sua maioria, deve o ato ser considerado constitucional e legal, pois, presente o interesse público.


Referências

ARAÚJO, Anildo Fábio de; CARVALHO, Orlando & SILVA, Antonio Hélio. Ação Popular contra homenagem a pessoa viva em nome de obra pública. Disponível em: http://jus.com.br/peticoes/16133. Acesso em 2009.

CARDOSO, Antonio Pessoa. Impessoalidade na Administração. Disponível em: http://www.amb.com.br/imprensa/artigo_detalhe.asp?imprimir=1&ar... Acesso em 2009.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Editora Atlas. 21ª ed. 2008.

­­­­­­___________. Fundação é proibida de dar nomes de pessoas vivas a prédios públicos. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/134532/fundaçao-e-proibida-de-dar-nomes-de-pessoas-vivas-a-predios-publicos. Acesso em 2009.

MELLO, Celso Antonio de. Curso de Direito Administrativo. Malheiros Editores. 5ª ed. 1994.

NEGREIROS, Geisy. Locais públicos com nome de pessoas vivas deverão ser retirados, diz MPF. Disponível em: http://www.oaltoacre.com/index2.php?option=com_content&task=v... Acesso em 2009.

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Sobre o autor
Inácio Antônio Gomes de Lima

Advogado; Professor Universitário; Especialista em Direito Processual civil e trabalhista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Inácio Antônio Gomes. Homenagem a pessoa viva por meio da denominação de bens públicos e sua viabilidade jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3922, 28 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27224. Acesso em: 4 nov. 2024.

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