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Educação domiciliar e a possibilidade jurídica de sua regulamentação em nosso ordenamento

14/04/2014 às 11:30
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Apresentam-se os aspectos jurídicos relevantes à regulamentação da educação domiciliar no ordenamento jurídico brasileiro. Levantam-se questões sociais que influenciaram no baixo nível de escolaridade de nosso país.

Resumo: Este trabalho apresentou os aspectos jurídicos relevantes à regulamentação da educação domiciliar no ordenamento jurídico brasileiro. Também foram levantadas questões sociais que influenciaram no baixo nível de escolaridade de nosso país.  Os estudos nos permitiram debater a proposta de lei que visa a regulamentar essa modalidade de ensino, bem como o processo legislativo para propositura das leis, a obrigatoriedade do ensino e do recenseamento do educando, alem de julgado do Superior Tribunal de Justiça e a proteção Constitucional à instituição familiar. Ao analisar essas questões no âmbito jurídico, notou-se que a falta de regulamentação e a interpretação dos princípios da integral proteção do menor e melhor interesse da criança impedem que seja ministrada a educação no âmbito domiciliar.

Palavras- chave: Educação regular. Direito constitucional. Lei de ensino.


1 INTRODUÇÃO

A educação reconhecida como direito fundamental se constitui como base do desenvolvimento humano e social. Via de regra, é um processo cognitivo que visa preparar o indivíduo para a vida em sociedade. Nesse sentido, os aspectos jurídicos relevantes a sua efetivação devem ser pautados na dignidade da pessoa humana. A educação domiciliar, de fato, outra modalidade de ensino, é o tema proposto neste trabalho. Com intuito de estudar a possibilidade jurídica de sua efetivação, foram analisadas a nossa Carta Magna, a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a proposta de lei dessa modalidade, Decretos, doutrinas de conceituados autores, publicações e decisão do Superior Tribunal de Justiça.


2 DIREITO À EDUCAÇÃO E PROPOSTA DE UMA NOVA MODALIDADE DE ENSINO

As mudanças ocorridas em nossa sociedade requerem uma nova releitura das normas jurídicas, para garantir a equidade e a justiça. É cediço que garantir direitos e tornar efetivo seu cumprimento, implicam responsabilidade do Poder Público e de toda a sociedade, tendo em vista a possibilidade material para sua efetivação e o bem jurídico tutelado. Mensurar essas garantias requer do legislador e do operador do direito uma análise pautada em princípios fundamentais de nossa sociedade. A despeito desse propósito, Canotilho (1997, p. 93) aduz:

A concretização do Estado constitucional de direito obriga-nos a procurar o pluralismo de estilos culturais, a diversidade de circunstâncias e condições históricas, os códigos de observações próprios de ordenamentos jurídicos concretos.

Tendo em vista os direitos fundamentais ao desenvolvimento humano, busca-se o reconhecimento jurídico da educação domiciliar como uma modalidade de ensino, que visa a proporcionar o conhecimento do educando no âmbito familiar. Os pressupostos que fundamentam esses direitos baseiam - se no dever da família, do Estado e da sociedade em proporcionar o ensino à criança, ao adolescente e ao jovem. Essa modalidade de ensino não é regulamentada em nosso ordenamento jurídico, no entanto, ela foi proposta na Câmara dos Deputados, no o projeto de Lei nº 3179/ 2012, que prevê mudanças nos artigos 23 e 24 da Lei nº 9.394/96, de Diretrizes e Bases da Educação, que tratam da organização dos níveis básicos, fundamentais e médios do ensino, acrescentando a ele o §3º que diz:

§ 3º É facultado aos sistemas de ensino admitir a educação básica domiciliar, sob a responsabilidade dos pais ou tutores responsáveis pelos estudantes, observadas a articulação, supervisão e avaliação periódica da aprendizagem pelos órgãos próprios desses sistemas, nos termos das diretrizes gerais estabelecidas pela União e das respectivas normas locais.

A justificativa para esse projeto baseou-se na Constituição Federal, que no seu artigo 205 estabelece “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. No mesmo sentido, determina a obrigatoriedade da educação básica, dos 4 aos 17 anos de idade (art. 208, I).

Esse projeto foi apreciado pela Comissão de Educação e Cultura e Constituição e Justiça e Cidadania, que ao analisar a proposta, emitiu parecer favorável à nova modalidade de ensino. Segundo o relator do projeto, Maurício Quintella Lessa, na atual realidade do ensino, não há impedimento para a educação domiciliar, desde que seja acompanhada pelo Poder Público, “com relação à qualidade e efetividade do ensino domiciliar ministrado”. Após esse parecer o projeto foi encaminhado para a Comissão de Educação.

A Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED) propôs à Comissão de Legislação Participativa (CLP) uma audiência pública para apresentar a modalidade educação domiciliar e suas vantagens à sociedade. A justificativa para a audiência foi a necessidade de tratar do tema, tendo em vista que: a- essa modalidade é regulamentada em aproximadamente 60 países, com benefícios sociais, culturais e econômicos - a sua eficácia é comprovada em termos de aprendizado e formação individual; b-  centenas de famílias brasileiras a praticam com sucesso; c- a existência do projeto  de lei tramitando na Câmara dos Deputados sobre o assunto; d- reconhecimento superficial da sociedade civil brasileira e de setores governamentais. (BRASIL, SUG 60/2013 CLP, on line).

Essas propostas foram aceitas por unanimidade, exarando o parecer do relator “pela aprovação, nos termos do requerimento [...]”. (BRASIL, CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2013, on line).

Como se depreende, a educação domiciliar tem aspectos relevantes para a sociedade e sua regulamentação implica análise em nosso ordenamento, considerando os bens jurídicos tutelados.


3 PROCESSO LEGISLATIVO E REGULAMENTAÇÃO DAS LEIS

Dados os estudos preliminares relativos à proposta de lei apresentada e seu andamento, se faz necessário a análise do processo que regulamenta as leis em nosso ordenamento jurídico. Nesse sentido passamos a este tópico, para elucidar a questão da regulamentação da educação domiciliar.

A regulamentação da Lei nº 3179/ 2012 depende de trâmite legal determinado pela nossa Constituição Federal. No processo legislativo, a aprovação das normas de direito consistem em atos pré-ordenados de iniciativa, discussão, deliberação, sanção, veto, promulgação e publicação das leis.  Após ser discutida nas comissões- temáticas e ser aprovada a casa iniciadora o projeto de lei, será encaminhado para a casa revisora que poderá rejeitar ou propor alterações na redação do texto (art. 65 e parágrafo único, CF). Após a aprovação do projeto pelas duas casas, ele é encaminhado ao Presidente da República, que poderá sancionar ou vetar a lei. Nesse sentido, Silva (2011, p. 528) preleciona: “Sanção é, pois, a adesão do Chefe do Poder Executivo ao projeto de lei aprovado pelo Poder Legislativo”. A sanção pode ser tácita, por decurso de prazo (art. 66 § § 1º, 3º, CF) ou expressa, quando o Presidente em um ato assina o projeto. No caso de veto poderá ser total ou parcial, recaindo sobre todo o projeto ou apenas sobre parágrafo, alínea, artigo ou inciso (art.66 §2º). Há dois tipos de veto, o jurídico, pelo qual é considerada a inconstitucionalidade da lei e o subjetivo, do Chefe do Executivo, que leva em conta o interesse público.

Em caso de veto, a decisão do Poder Executivo será informada ao Presidente do Senado Federal, com as disposições vetadas e as razões que ensejaram o ato. O veto será analisado pelo Congresso Nacional em uma sessão conjunta e votado em escrutínio secreto. Se o projeto for aprovado por maioria absoluta, retornará ao Presidente, para ser promulgado dentro de 48 horas, caso não o faça, terá o Presidente do Senado o mesmo prazo para fazê-lo. (art. 66 § 7 CF). Nesse sentido, Silva (2010, p. 529) preleciona: “A promulgação não passa de mera comunicação, aos destinatários da lei, de que esta foi criada com determinado conteúdo”.   Após a promulgação a lei será publicada, para que entre em vigor e tornar-se eficaz. 

O Projeto de Lei nº 3179/ 2012, como descrito acima, está na fase de apreciação nas comissões temáticas e seu trâmite dar-se-á conforme estabelecido em nossa Carta Magna. De todos os procedimentos para sua regulamentação, a análise jurídica será de grande relevância, tendo em vista o exame de sua constitucionalidade e os bens tutelados pelo nosso ordenamento.


4 DIREITO E OBRIGATORIEDADE NO AMBITO JURÍDICO  educacional          

Diante da necessidade de promover o desenvolvimento humano e garantir direitos, nossa Constituição Federal instituiu a educação como objetivo fundamental. A esse propósito, Canotilho (1997, p. 1154) preleciona: “A importância das normas de direitos fundamentais deriva do facto de elas, directa ou indirectamente, assegurarem um status jurídico- material aos cidadãos”. (sic). Esses direitos tornaram o ensino obrigatório, gratuito e público subjetivo, garantindo assim, legitimidade ao indivíduo para mover ação contra o Estado, caso sua oferta seja irregular (art. 208 §§ 1º, 2º CF/88). A obrigatoriedade da prestação do ensino pelo Poder Público expressa em nossa Carta Magna tem seus fundamentos na justiça social, pois, historicamente, a educação foi destinada a uma minoria privilegiada. Nesse contexto, insta salientar que os processos que instituíram a educação tiveram como bases a vinculação aos movimentos religiosos, ideológicos, políticos e socioeconômicos, que influenciaram sua estruturação e regulamentação.

Os direitos educacionais protegidos “não afastam a possibilidade de existência de deveres conexos com direitos fundamentais e deveres fundamentais”[...]. (sic), leciona Canotilho (1997, p. 527). Nesse sentido, o dever do Estado em garantir a escolaridade básica se correlaciona com o dever da família de educar os filhos. A obrigatoriedade do ensino tem como objetivo assegurar à criança e ao adolescente o direito ao desenvolvimento pleno de suas capacidades físicas, intelectuais e morais.

Uma das formas de garantir esses direitos é o controle da frequência e alistamento da criança na escola.  A nossa Carta Magna, em seu artigo 208, § 3º determina que: “Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola”. No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente Lei nº 8.069/, em seu art. 55, aduz: `”Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”. Concomitante com o controle da frequência cabe aos dirigentes dos estabelecimentos de ensino comunicar ao Conselho Tutelar, caso constate maus- tratos envolvendo seus alunos, faltas reiteradas, evasão escolar e elevados índices de repetição. (art. 56, inc. I, II, III, ECA). A obrigatoriedade explícita nesses artigos fazem parte das medidas, de proteção aos menores em caso de omissão ou abuso dos pais ou responsáveis, como disposto na referida lei (art. 98, inc. II).

Na atual conjectura, a educação domiciliar não é regulamentada em nosso ordenamento jurídico. Em 2001, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o Mandado de Segurança Nº 7.407 - DF (2001/0022843-7), em que os pais pleiteavam o direito líquido e certo de ministrar aos filhos o ensino fundamental, no recesso do lar. O Tribunal indeferiu o pedido invocando os fundamentos acima descritos e a Declaração de Direitos Humanos (Decreto Lei nº 678/92, art. 19). Nessa decisão, foram exarados os motivos do indeferimento, que levaram em consideração que o direito líquido e certo é o expresso em lei e o caso em questão não fere preceito mandamental - que os pais não têm qualificação atribuída à categoria profissional regulamentada - que os filhos não são dos pais, são pessoas de direitos e deveres e sua personalidade deve ser forjada no convívio com iguais, para a formação de cidadania. Nesse sentido, os motivos que ensejaram o mandado foram à míngua do direito líquido e certo. (BRASIL, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2013 on line).

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Ao analisarmos os dispositivos legais, acima descritos, e a decisão do Egrégio Tribunal, observamos que os objetivos que visam garantir os direitos, não se efetivam diante da realidade concreta de nossa sociedade. Podemos salientar que nosso país tem uma taxa de analfabetismo considerável. A evasão escolar também é um dos problemas que contribui para a baixa escolaridade dos jovens. È de domínio público as condições socioeconômicas influenciam na vida familiar, resultando na inclusão do menor no mercado de trabalho, para complementar a renda. O trabalho infantil é vedado pela nossa Carta Magna em seu artigo 227, § 3º, I, que estabelece idade mínima de 14 anos. Esse texto foi alterado pela Emenda Constitucional de nº 20 de 1998, que determinando a condição do menor de 16 anos, em caso de ingresso para trabalho e de aprendiz laboral.

Outros fatores que acentuam a evasão escolar são: a violência nas instituições de ensino, as diversidades econômicas e socioculturais, o grande número de alunos nas salas de aula, a falta de reconhecimento do professor e de curso que o prepare para lidar com as diferenças socioculturais e intelectuais do aprendiz, o sistema de avaliação que não reprova, a distância entre as exigências do mercado de trabalho e os conteúdos curriculares ministrados ao educando.  Alem desses fatores as condições intelectuais, psicológicas e estruturais das famílias prejudicam o menor em sua socialização, ingresso e permanência na escola.

Essa realidade vivida em nossas instituições de ensino, assim como o trabalho precoce, desestimula a criança e o jovem prejudicando o seu desenvolvimento e, em muitos casos, acarretam transtornos psicológicos que afetam a sua estima.  Nesse sentido, o alistamento da criança em instituição de ensino, previsto em nossa lei fundamental, não garante a permanência, o aproveitamento intelectual e o desenvolvimento pleno do educando. Insta salientar que para uma convivência social digna, deve-se respeitar a diversidade e impor padrões, e, decorrente disso, cercear liberdades não constitui um estado democrático de direito, pois não são levadas em conta as particularidades dos casos concretos.

Quanto ao despreparo dos pais para ministrar conteúdos didáticos, podemos enfatizar que os meios do ensino à distância, já regulamentados pelo Decreto Lei nº 5622/2005, poderão oferecer estrutura básica para a educação domiciliar. Vejamos o art. 1º  do referido Decreto, que diz:

Para os fins deste Decreto, caracteriza-se a educação a distância como modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos. (BRASIL, 2005, on line).

Essa modalidade abrange todos os níveis de ensino, para jovens e adultos, sendo que a educação básica será permitida em conformidade com os termos do art.30, do referido decreto. As instituições credenciadas oferecem cursos e têm que observar requisitos impostos pelo decreto lei, inclusive no que diz respeito a: “IV - indicação das responsabilidades pela oferta dos cursos ou programas a distância, c – a matrícula, formação, acompanhamento e avaliação dos estudantes”. (art.26, Decreto Lei nº 5622/2005).

Como podemos obsevar, a educação a distância é uma realidade em nosso país e seus métodos poderão ser usados para a educação domiciliar. Nesse sentido, o controle do Poder Público, para garantir a proteção e os direitos da criança e do adolescente, é possível, além de respeitar a livre iniciativa dos pais para escolher a melhor forma de ensinar a seus filhos.

No que diz respeito à decisão do STJ quanto à falta de lei que regulamenta a educação domiciliar, podemos salientar que nossa Carta Magna define a divisão dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e suas funções típicas, cabendo aos tribunais aplicar as leis e ao Poder Legiferante, fazê-las. Considerando o bem tutelado, podemos dizer que as interpretações da lei e seu alcance são de vital importância, mas requerem reservas devido ao casuísmo, a repercussão e o entendimento no meio social.


5 INSTITUIÇÃO E PODER FAMILIAR E TUTELA DO ESTADO.                           

Nossa Carta Magna reconhece a família como base da sociedade e por isso “tem especial proteção do Estado”( art. 226, CF).  Segundo Silva (2011, p. 852), a “Constituição não satisfez em declarar livre o planejamento familiar. Foi mais longe, vedando qualquer forma coerciva por parte das instituições sociais ou privadas”. Vejamos o enunciado do § 7º, CF/88:

- Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.(BRASIL 1988, p 72).

As normas de garantias institucionais: “Andam, muitas vezes, associadas às normas de direitos fundamentais, visando a proteger formas de vida e de organização social indispensáveis à própria protecção de direitos do cidadão”. (sic) Canotilho (1997, p.1154).  A proteção das instituições naturais prevista em nossa Lei Maior visa a coibir à completa submissão, a discricionariedade, a ingerência e a coerção do Estado.

Nossa Carta Magna prevê que é dever da família, da sociedade e do Estado a formação educacional da criança, do adolescente e do jovem, “além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (art. 277, CF/88).  O nosso Código Civil disciplina o exercício do poder familiar e determina que “compete aos pais, quanto à pessoa de seus filhos menores - dirigir-lhe a criação e educação”. (art.1.634 e inc. I). Nesse sentido, Venosa (2002, p.347) preleciona: “Cabe aos pais, primordialmente, dirigir a criação e a educação dos filhos, para propiciar-lhes a sobrevivência”.  Diante das igualdades constitucionais foi intitulado o poder familiar que consiste no “conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos bens dos filhos menores”. (GONÇALVES, 2008, p.367). Entre as responsabilidades, a de educar, além de ser dever dos pais, tem sanção prevista em nosso Código Penal em caso de omissão. Segundo art. 246, caracteriza abandono intelectual se o responsável deixar, sem justa causa, de promover a instrução primária de filho em idade escolar. Cabe ressaltar, que a educação domiciliar não se caracteriza como abandono intelectual, ela é uma modalidade de educação formal que tem o objetivo de proporcionar o ensino com os conteúdos disciplinares já regulamentados. Insta salientar que o projeto de Lei nº 3179/12 visa à implantação da educação domiciliar observando a supervisão e avaliações determinadas pelos órgãos competentes e de acordo com as diretrizes e bases estabelecidas pelo Poder Público.

Considerando a proteção da instituição familiar, a condição peculiar da criança e do adolescente em desenvolvimento, seus direitos e o princípio do melhor interesse do menor que se efetiva na análise do caso concreto, podemos vislumbrar a possibilidade de uma educação domiciliar baseada na dignidade da pessoa humana e no respeito à diversidade e livre planejamento.


CONSIDERAÇÕES FINAIS                        

Baseando-se no dever da família e do Estado diante da educação e na complexidade social que vivemos, seria de vital importância o estudo da possibilidade de regulamentação da educação domiciliar, tendo em vista os seus benefícios humanos e socioeconômicos. O trâmite do projeto que torna facultativo aos pais a escolha pela forma de educar seus filhos, teve aceitação unânime na câmara temática que analisou a sua proposta. Resta agora uma elaboração mais criteriosa estabelecendo as formas dessa modalidade de educação, diante dos bens jurídicos tutelados pelo Estado e a repercussão no meio social.

A proteção dada ao menor, pelo nosso ordenamento jurídico, considerando a sua hipossuficiência, se faz necessária, tendo em vista o direito e o dever de educá-lo para a vida em sociedade. É cediço que as condições culturais, sociais e econômicas influenciam na formação da criança, sendo que a educação oferece a possibilidade de se mudar realidades consideradas indignas, as quais que em muitos casos, os menores são submetidos.

No que se refere à dignidade, devemos avaliar o alcance das determinações legais para a efetivação desse direito. A obrigatoriedade da frequência escolar não garante que a criança esteja bem assistida pelo Poder Público. Os problemas nas nossas instituições de ensino são reflexos das diversidades sociais, e dos poucos recursos destinados a essa finalidade. Nesse sentido, seria necessária uma gestão mais eficiente das escolas, a valorização do profissional de ensino, programas que combatam a violência e a assistência aos alunos carentes e a suas famílias.

Diante dos problemas institucionais, sociais e do direito e dever de educar, nota-se a limitação da liberdade, no que diz respeito à educação domiciliar. Temos dispositivos constitucionais que autorizam os pais a matricularem os filhos em escolas particulares, devido o reconhecimento da incapacidade de se alcançar a materialização do direito educacional pelo Poder Público. Na mesma esteira, a modalidade de educação a distância poderá possibilitar o aprendizado do educando no recesso de seu lar, com auxílio de seus pais, sem prejuízo a sua formação.

Tendo em vista a necessidade de garantir o direito e a proteção do menor, cabe ao Poder Público regulamentar a modalidade, aos pais matricular seus filhos para que cumpram em data específica os requisitos das avaliações, aos conselhos tutelares e as intuições que se atentem para qualquer forma de negligência e maus- tratos aos menores. Sublinhemos, no entanto, que o poder dever familiar se limita a promover o bem- estar do menor, podendo ser responsabilizado por qualquer negligência.

Considerando os valores instituídos em nossa sociedade e a necessidade de se promover o desenvolvimento humano, faz-se necessário o esforço, com base na razoabilidade, para mudar uma realidade.  Definir as limitações que protegem o direito requer uma análise profunda, para que não haja o cerceamento indiscriminado da liberdade.

A modalidade educação domiciliar é uma realidade vivida por várias famílias no mundo com benefícios comprovados. A família é a base da sociedade e o investimento em políticas públicas que favoreçam a sua estruturação é de grande importância. A dignidade da pessoa humana se efetiva quando abrange os anseios dos que buscam melhores condições para o seu desenvolvimento.  Nesse sentido, deve-se levar em consideração o melhor interesse da criança e a proteção da família, garantias fundamentais e institutos, protegidos por nossa Carta Magna, por ser a base da sociedade. Salienta-se, por fim, que a regulamentação da modalidade educação domiciliar é assunto de vital importância cabendo agora um estudo dos efeitos pedagógicos e psicológicos, considerando o bem jurídico tutelado e possibilidade de um desenvolvimento pleno da capacidade humana e seu convívio na sociedade.


REFERÊNCIAS

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_______. Código de Direito Penal. Vade Mecum. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

_______.Código Civil. Vade Mecum. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

_______. Decreto Lei nº 678/92. Vade Mecum. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

_______. PL 3179/2012. Projeto de leis e outras preposições. Disponível em:  http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=534328. Acesso em 03 de ago de 2013.

_______. Lei nº 8.069/96 Estatuto da criança e do adolescente. Vade Mecum. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

________. Decreto Nº 5.622 de 19 de dezembro de 2005. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5622.htm. Acesso em 15 de ago de 2013.

________.Superior Tribunal de Justiça. Revista Eletrônica de Jurisprudência. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200100228437&dt_publicacao=21/03/2005. Acesso em 10 de ago de 2013.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5ª ed. Coimbra: Almedina, 1997.

FRAUCHES, Celso da Costa; FAGUNDES, Gustavo M. LDB Anotada e Comentada e Reflexões sobre a Educação Superior. 3. ed. Brasília: Ilape, 2012

GONÇALVES,Carlo Alberto. Direito Civil Brasileiro. 54 ed. São Paulo: Saraiva,  2008

SILVA, José Afonso.  Curso de Direito Constitucional Positivo. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

VENOSA, Silvio de Salvo.Direito Civil. Direito de Família. 2.ed. São Paulo: atlas, 2002.

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Sobre a autora
Suzanete Soares Pessoa

Advogada, estudei no Centro Universitário do Leste de Minas Gerais-UnilesteMG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PESSOA, Suzanete Soares. Educação domiciliar e a possibilidade jurídica de sua regulamentação em nosso ordenamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3939, 14 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27300. Acesso em: 19 abr. 2024.

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