Tradicionalmente, o princípio da legalidade se aplica no Direito Criminal à pena. Porém, ele tem incidência também no Processo Penal, de sorte que todo ato processual limitativo de algum direito fundamental há de observar o princípio da legalidade. Este, por sua vez, desdobra-se em outros: reserva absoluta de lei formal, tipicidade processual penal, proibição de aplicação analógica da lei processual penal “in malam partem” e irretroatividade da norma processual penal.
O princípio da reserva absoluta de lei formal incide sempre que seja necessário criar-se uma situação de privação de liberdade, ainda que provisória. A exigência de lei formal, assim, refere-se tanto ao estabelecimento de penas privativas de liberdade como à fixação de medidas cautelares que afetam esse mesmo bem jurídico.
Daí decorre, pois, a proibição de existência de medida coercitiva desprovida de lei. A prisão processual, enquanto modalidade específica de restrição da liberdade, constitui medida cautelar que se submete ao princípio da legalidade, somente podendo ser imposta, por conseguinte, caso se encontre prevista expressamente na lei.
O princípio da tipicidade processual penal, a seu turno, implica dizer que as causas de privação da liberdade são taxativas. Segundo Odone Sanguiné, “el principio de legalidad resulta aplicable a la prisión provisional, al exigir la enumeración limitativa de los motivos de prisión preventiva en la ley, es decir, la limitación del catálogo de motivos de prisión preventiva que son numerus clausus”[1].
A par disso, como corolário do princípio da legalidade, tem-se que somente pode haver prisão provisória nas modalidades previstas pelo legislador – entre as quais se incluem a prisão preventiva e a prisão em flagrante. Logo, em matéria processual penal, não haveria espaço para analogia, ao contrário do que afirma o artigo 3º do Código de Processo Penal.
Em verdade, contudo, incide nessa seara o princípio da proibição de aplicação analógica da norma processual penal “in malam partem”. Tal princípio impedia, por exemplo, a extensão do inciso V do artigo 323 do citado diploma processual (“nos crimes punidos com reclusão, que provoquem clamor público ou que tenham sido cometidos com violência contra a pessoa ou grave ameaça”) – já revogado pela Lei nº 12.403/2011 – para criar, por analogia, uma nova hipótese de prisão provisória, conquanto tal prática fosse comum nos Tribunais.
Sobre o ponto, faz-se oportuno transcrever o elucidativo escólio de Odone Sanguiné:
(...) para todas aquellas normas procesales que pudieran producir un efecto perjudicial, la interpretación ha de ser restrictiva, como sería el caso de la medida de prisión provisional, que afecta a la libertad personal, y que por su similitud con las penas exigen ese tratamiento de aproximación a los criterios interpretativos de las normas penales materiales.
(…)
Así, el juez no puede razonar por analogía o colmar una laguna cuando decide limitar la libertad personal, y no puede crear, en interpretación extensiva o por analogía, los motivos de la prisión provisional nos previstos por la ley, en tanto se trata de actos procesales que afectan a la libertad personal. Todavía, el recurso a la analogía no quedará completamente prohibido en el derecho procesal penal, pero sólo en la medida impuesta por el contenido del principio de legalidad y, por tanto, siempre que el recurso venga a traducirse en un debilitamiento de la posición o diminución de los derechos ‘procesales’ de los imputados (desfavorecimiento del imputado, analogía in malam partem).[2]
Por último, costuma-se afirmar que a lei processual penal nova, por não interferir diretamente na matéria penal punitiva, aplica-se de imediato, conforme disposto no artigo 2º do Código de Processo Penal. Convém alertar, entretanto, para o fato de que, mesmo na área do direito processual intertemporal, há exceções à regra da aplicação imediata estatuída pelo citado diploma legal. Essas exceções podem derivar de disposições transitórias, geralmente editadas pelo legislador, ou da aplicação de princípios consagrados pela jurisprudência, como ocorre em certas hipóteses de modificação da competência do juízo, com repercussão sobre o julgamento dos recursos, ou, ainda, em relação ao procedimento aplicável aos recursos interpostos na vigência da lei anterior[3].
Nesse aspecto, ressalta-se a irretroatividade da lei processual penal desfavorável ou restritiva de direitos fundamentais. A retroatividade, por outro lado, justifica-se apenas nos casos em que não haja violação a direitos fundamentais. Desse modo, a superveniência de uma norma processual penal nova que mude a forma de citação pode retroagir de imediato, ao contrário de outra que interfira no direito de liberdade criando uma nova hipótese de prisão provisória ou ampliando o seu prazo. Esta última norma não terá eficácia retroativa já que não pode atingir o réu cujo crime foi praticado sob a vigência de lei anterior mais benéfica.
Importa destacar que a proibição de retroatividade de leis processuais desfavoráveis ou restritivas de direitos individuais encontra fundamento na ideia de segurança jurídica, enquanto as demais normas seguem regidas pelo princípio “tempus regit actum”. Nesse tocante, frisa Odone Sanguiné que “la libertad de acción del ciudadano y la consiguiente posibilidad de calcular los efectos de sus actos son incompatibles con normas que extiendan su validez a conductas anteriores a su promulgación”[4]. Destarte, a norma processual penal não pode ser aplicada de imediato quando afete os direitos do réu.
Bibliografia:
SANGUINÉ, Odone. Prisión provisional y derechos fundamentales. Tirant Lo Blanch: Valencia, 2003. p. 351.
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 40.
Notas
[1] SANGUINÉ, Odone. Prisión provisional y derechos fundamentales. Tirant Lo Blanch: Valencia, 2003. p. 351.
[2] SANGUINÉ, Odone. Prisión provisional y derechos fundamentales. Tirant Lo Blanch: Valencia, 2003, p. 358-360.
[3] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 40.
[4] SANGUINÉ, Odone. Prisión provisional y derechos fundamentales. Tirant Lo Blanch: Valencia, 2003. p. 360.