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ADIN 2591: o direito do consumidor e os bancos

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01/03/2002 às 00:00
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9. CLÁUSULAS ABUSIVAS CONTIDA NOS CONTRATOS BANCÁRIOS 64

As regras de proteção do Código de Proteção ao Consumidor são aplicáveis aos contratos firmados entre as instituições financeiras e os usuários de seus serviços (art. 3º, § 2º, da Lei nº 8.078/90), importando o declaração de nulidade ipso jure das cláusulas abusivas pactuados (art. 51, § 1º) por excesso de onerosidade ao consumidor. Dentre outros, o CDC sufraga o princípio da inversão do ônus da prova em benefício do consumidor (artigo 6º, inc. VIII, o art. 51, inc. VI).

Conforme assevera João Bosco Leopoldino Fonseca 65, "O controle jurídico das condições contratuais gerais, e mais especificamente das cláusulas abusivas, tem por finalidade, de um lado, conter o excessivo poder econômico da empresa e, por outro, proteger a parte economicamente mais fraca na relação contratual estabelecida nos moldes dos contratos de massa. Não se pode restringir esse tipo de controle aos contratos realizados entre fornecedores e consumidores".

Destarte que na Espanha foi apresentado pelo Ministério da Justiça o Guia de Las Cláusulas Abusivas en España, intitulado como Los Derechos Econômicos del Consumidor 66 .

Finalmente, sob a ótica da Resolução 2878 do Banco Central do Brasil, da Portaria 03/2001 da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça e sob a égide das normas do Código de Defesa do Consumidor, as cláusulas de cunho abusivo contida nos contratos bancários devem ser declaradas nulas de pleno direito. Temos portanto o artigo 51. IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa - fé ou a eqüidade. 67

As cláusulas abusivas mencionadas no artigo 51 do CDC, são aplicáveis tanto aos contratos de adesão 68 quanto aos contratos paritários 69 e são sempre consideradas nulas, prevendo a norma geral de proibição de cláusulas contra a boa-fé. Além do previsto no artigo 51, o CDC, em seu artigo 6º, institui como um direito do consumidor, a possibilidade de modificação de cláusulas contratuais no sentido de restabelecer o equilíbrio da relação entre o consumidor e o fornecedor. Dessa forma, o consumidor poderá solicitar que o juiz de direito altere o conteúdo negocial de uma cláusula considerada abusiva. Aqui, o legislador baseou-se na chamada "redução de eficácia" da doutrina alemã 70, prevendo a ineficácia de uma cláusula abusiva e não simplesmente sua nulidade absoluta.

Destarte o importante pronunciamento do jurista Uruguaio Edgardo Martinez Zimarioff 71 a respeito das cláusulas abusivas que afetam o consumidor uruguaio:

"Según un estudio realizado por CIECC y la la Liga Uruguaya de Defensa del Consumidor, se entiende que nos encontramos frente a una cláusula que puede considerarse, en principio, abusiva, si crea 'un desequilibrio significativo' entre los derechos y obligaciones del consumidor y los del proveedor y no ha sido explícitamente negociada entre las partes. Una típica cláusula abusiva es, a modo de ejemplo, la que se denomina en el campo del marketing como la de 'opción negativa'. " Es el caso del contrato que contiene una cláusula que permite al comerciante modificar unilateralmente las condiciones, incluyendo por ejemplo una cláusula que permite la renovación anual automática, de no mediar orden en contrario en un determinado plazo previo. Un caso similar deben recordar muchos tenedores de tarjetas de crédito, cuando hace pocos meses se encontraron con una cuenta que no habían contratado, de servicio de auxilio automotriz, sobre la que se indicaba que si no se deseaba debería notificarse, y que en caso contrario seguiría siendo facturada"


10. A APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DE CONSUMIDOR AOS CONTRATOS BANCÁRIOS NO DIREITO COMPARADO

A respeito da aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos Contratos Bancários, é importante a visão no direito comparado. Temos os ensinamentos de Therry Boneau 72:

"Ce cadre subia nécessairement les influences du droit de la consommation. En particulier, la prohibition des clauses abusives, dont la détermination relève, malgré les textes, du pouvoir du juge, s’applique ou domaine bancaire".

No Direito Espanhol temos Fernando Sanches Calero 73 :

"... la tan bien intencionada como deficiente Ley 26/ 1984, de 19 de julio, de Defensa de los Consumidores y Usuarios, em su artículo 10, contiene manifestaciones que son aplicables sin duda a los contratos bancarias".

Finalmente no Direito Argentino temos Juan M. Farina 74 onde

"La tutela del hombre común como cliente de una entidad bancaria surge como un capítulo especial dentro del derecho de protección al consumidor (en este sentido ver art. 36. de la ley, 24.240)".

O tema envolvendo o Direito do Consumidor já foi amplamente discutindo pelos Países integrantes do Mercosul 75. Temos o Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, o chamado Protocolo de Las Leñas. Tal documento visa contribuir, conforme texto de seu preâmbulo, "para o tratamento eqüitativo dos cidadãos e residentes permanentes dos Estados partes do Tratado de Assunção e lhes facilitará o livre acesso à jurisdição nos referidos Estados para a defesa de seus direitos e interesses". Sendo assim, deseja estabelecer uma igualdade de condições jurídicas para todos os cidadãos perante à jurisdição dos Estados-membros do Mercosul, permitindo, que consumidores paraguaios tenham no Brasil as mesmas facilidades de acesso à justiça que os próprios brasileiros. É o que estabelece os artigos 3 76 e 4 77 do Protocolo de Las Leñas.

O Protocolo de Las Leñas contém 36 artigos que especificam e regulam a adoção de instrumentos comuns que consolidam a segurança jurídica e têm como finalidade atingir os objetivos do Tratado de Assunção 78.

No entanto o tema envolvendo a Defesa do Consumidor no Mercosul é tratado de modo específico no Protocolo de Santa Maria 79 sobre Jurisdicción Internacional en Materia de Relaciones de Consumo, firmado no mês de dezembro de 1996. Já em seu preâmbulo verifica-se a preocupação em regularizar os direitos do consumidor, quando se admite "la necessidad de dar protección al consumidor y de la importancia de adoptar reglas comunes sobre jurisdicción internacional en materia de relaciones de consumos derivadas de contratos entre proveedores de bienes o prestadores de sevicios y consumidores o usuarios". No artigo 1 do Protocolo de Santa Maria temos:

"El presente Protocolo tiene por objeto determinar la jurisdicción internacional en materia de relaciones de consumo derivadas de contratos en que uno de los contratantes sea un consumidor, cuando se trate de: a) venta a plazo de bienes muebles corporales; b) préstamo a plazo u otra operación de crédito vinculada al financiamento de la venta de bienes; c) cualquier otro contrato que tenga por objeto la prestación de un servicio o la provisón de los objetos muebles corporales."

Pretende assim regular as relações estabelecidas entre consumidores e fornecedores com domicílio em diferentes Estados Partes do Tratado de Assunção, ou com domicílio num mesmo Estado Parte, desde que a obrigação derivada da relação de consumo tenha que ser cumprida em outro Estado Parte (artigo 2).

Importante ressaltar também que o artigo 4.º do Protocolo de Santa Maria estabelece que as demandas originárias de controvérsias entre consumidor e fornecedor deverão ser ajuizadas no domicílio do primeiro, a não ser que este por vontade própria deseje que a jurisdição internacional seja do Estado de celebração do contrato, do cumprimento da prestação do serviço ou da entrega dos bens, ou ainda do domicílio do demandado (artigo 5). Parece portanto, que mais uma vez se pretendeu amenizar as desigualdades entre consumidor e fornecedor, tendo-se em vista a freqüente superioridade deste em relação àquele. O que se verifica então, é que o mesmo Regulamento que já era previsto pela Resolução 126/94 do GMC para a consolidação de normas comuns de defesa do consumidor, cuja ausência já naquele momento fez com que se estabelecesse a utilização de normas internas de cada Estado-membro para a solução de conflitos nas relações de consumo, vem agora condicionar a aplicação de uma das legislações do Mercosul mais expressivas na defesa desta classe consumidora.

Destarte ainda no direito comparado temos a questão dos seriam os serviços bancários. O Conselho Nacional do Consumidor Britânico (the National Consumer Council of the United Kingdom), que descreveu os principais serviços bancários:

"(a) Depósitos e poupança, Provisão de uma conta corrente e de talonário de cheques, Máquinas automáticas para saques, depósitos e pagamentos, Contas de poupança e recebimento de depósitos e Cartão magnético da conta-corrente e da conta-poupança

(b) Circulação de moeda, Cheques, Transferência de créditos, Débitos diretos em conta-correnta e Concessão de empréstimos via cheque especial.

(c) Empréstimos, Concessão de crédito em conta-corrente com cheque especial, Empréstimos pessoais, Financiamento habitacional e Cartões de crédito

(d) Viagens e câmbio de moedas, Moeda estrangeira, Travellers´ cheques, Transferências e remessas internacionais de dinheiro.

(e) Investimento, trust and impostos, Seguros diversos (saúde, vida, residência, automóvel, incêndio), Planos de previdência privada, Planejamento fiscal e Fundo de investimentos.

(f) Serviço especializado, informações e serviços e Informações específicas sobre mercado financeiro, acionário etc."


11. O BANCO CENTRAL DO BRASIL E A RESOLUÇÃO 2878/01

Por conseguinte, temos no Código de Defesa do Consumidor temos que "qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração" já proporciona, de forma clara, a compreensão de que os entes financeiros bancos, financeiras, caixas, cooperativas de crédito e também ao amparo na Resolução 2878/01 do Banco Central do Brasil temos as administradoras de cartões de crédito estão nos limites da abrangência pois fornecem, indicando como produtos, serviços mediante remuneração cobrança de juros, correção e taxas diversas, dependendo da natureza do crédito pretendido pelo consumidor.

Devemos expor que no preâmbulo da Resolução 2878 do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil temos os procedimentos a serem observados pela instituições financeiras e demais instituições autorizadas pelo Banco Central do Brasil na contratação de operações e na prestação de serviços e ao público em geral..

Em virtude da previsão da Lei nº 4.595/64 (art. 17. c/c art. 18, §1º) são instituições financeiras e autorizadas pelo Banco Central do Brasil :os Estabelecimentos Bancários Oficiais e Privados (latu sensu: Bancos Comerciais, Bancos de Investimento, Bancos de Desenvolvimento e Bancos Múltiplos com Carteira Comercial); as Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimento (´Financeiras´); as Caixas Econômicas; as Cooperativas de Crédito e Cooperativas que possuem Seção de Crédito.

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E também as Leis nºs 4.380/64 (art. 8º), 9.514/97 (art. 1º), e da Resolução nº 1.980/93 (arts. 1º e 2º), do Conselho Monetário Nacional: os Bancos Múltiplos com Carteira de Crédito Imobiliário as Sociedades de Crédito Imobiliário; as Associações de Poupança e Empréstimo; as Companhias de Habitação; as Fundações Habitacionais; os Institutos de Previdência, exclusivamente com relação à Seção de Crédito Imobiliário; as Companhias Hipotecárias; as Carteiras Hipotecárias dos Clubes Militares; os Montepios Estaduais e Municipais, exclusivamente com relação à Seção de Crédito Imobiliário; as Entidades e Fundações de Previdência Privada, exclusivamente com relação à Seção de Crédito Imobiliário.

E este o objetivo contido na Resolução 2878 do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil que visa regulamentar os procedimentos bancários, bem como ao contido na Portaria 03/2001 da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça que visa coibir as cláusulas abusivas 80 81 82.


12. A VISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA A RESPEITO DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS BANCOS

Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é pacífico o entendimento, resultando os agentes financeiros sem qualquer exceção, oficiais ou particulares, submetidos ao controle das relações de consumo 83.

Agravo de instrumento. Processual civil e bancário. Agravo de instrumento. Impugnação específica. Instituições financeiras. CDC. Aplicabilidade. Cédula de crédito industrial. Juros remuneratórios. Limitação. É inepta a petição de agravo de instrumento, interposto contra decisão denegatória de processamento de recurso especial, que não impugna, especificamente, os fundamentos da decisão agravada. Os bancos, como prestadores de serviços especialmente contemplados no artigo 3º, § 2º da Lei n. 8078/90, estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor. À míngua de fixação pelo Conselho Monetário Nacional, incide na cédula de crédito industrial a limitação de 12% ao ano prevista no Decreto nº 22.626/33 (Lei de Usura).

[...]

II – Arts. 3º, §2º, e 51, ambos do CDC. No que diz respeito à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, o acórdão recorrido está em harmonia com a jurisprudência desta col. Corte de Justiça, que se assentou nos termos do seguinte precedente:

"CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. BANCOS. CLÁUSULA PENAL. LIMITAÇÃO EM 10%. 1. Os bancos, como prestadores de serviços especialmente contemplados no artigo 3º, parágrafo segundo, estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor. A circunstância de o usuário dispor do bem recebido através da operação bancária, transferindo-o a terceiros, em pagamento de outros bens ou serviços, não o descaracteriza como consumidor final dos serviços prestados pelo banco" (REsp 57.974/RS, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 29/05/95).

III – Arts. 1º e 4º, IX, ambos da Lei nº 4.595/64. No que concerne à limitação dos juros remuneratórios em 12% ao ano, este Col. Tribunal firmou-se no sentido de que "ao Conselho Monetário Nacional, segundo o art. 5º do Decreto-lei n.º 413/69, compete a fixação das taxas de juros aplicáveis aos títulos de crédito industrial. Omitindo-se o órgão no desempenho de tal mister, torna-se aplicável a regra geral do art. 1º, caput, da Lei de Usura, que veda a cobrança de juros em percentual superior ao dobro da taxa legal (12% ao ano), afastada a incidência da Súmula n.º 596 do C. STF, porquanto se dirige à Lei n.º 4.595/64, ultrapassada, no particular, pelo diploma legal mais moderno e específico, de 1969."

IV – Divergência jurisprudencial. O acórdão recorrido, ao julgar aplicáveis as disposições do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, esposou entendimento firmado neste Col. Tribunal, o que enseja, nesse ponto, o não-conhecimento do Recurso Especial pela divergência, face ao óbice do enunciado da Súmula 83 do STJ: "Não se conhece o recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida".

No tocante à aplicação da TR, incide, mutatis mutandis, o enunciado da Súmula 182 do STJ, uma vez que o agravante não impugnou especificamente a afirmação da decisão agravada de que "insubsistente, pelas mesmas razões, a admissibilidade do apelo pela alínea "c" do permissivo constitucional, pois a solução discrepante esbarraria na exegese de cláusula contratual".

STJ, Agravo de Instrumento nº 391.813/RS, j. 1/8/2021, DJ 21/8/2001, Rel. Min. Nancy Andrighi.

O tema foi debatido em Recurso Especial 213.825/RS na Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça:

CONTRATO DE FINANCIAMENTO BANCÁRIO. NULIDADE DE CLÁUSULAS. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DISCIPLINA LEGAL DIVERSA QUANTO À TAXA DOS JUROS.

- Tratando-se de empréstimo tomado por consumidor final, a operação creditícia realizada pelo banco submete-se às disposições do Código de Defesa do Consumidor, na qualidade de prestador de serviços especialmente contemplado no art. 3°, § 2°, do diploma legal.

- Diversa é, porém, a disciplina legal tocante à taxa dos juros remuneratórios, área esta regida por legislação específica. Segundo assentou o C. Supremo Tribunal Federal, o Sistema Financeiro Nacional será regulado por lei complementar e, enquanto não advier esta, observar-se-á a legislação anterior à Constituição de 1988 (ADIN n° 4-DF).

- Fundamentação distinta expendida a respeito pelos Srs. Ministro Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar.

Recurso especial conhecido, em parte, e provido.

(REsp 213.825/RS, Rel. Min. Barros Monteiro, <https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/RevSTJ/author/proofGalleyFile/9307/9428)

Desse acórdão, constam pronunciamentos dos ministros do Superior Tribunal de Justiça a respeito da aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários:

MINISTRO BARROS MONTEIRO:

1. Impugna a instituição financeira recorrente a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor às operações bancárias, especificamente ao presente caso, em que se cuida de financiamento concedido a adquirentes de bem imóvel mediante garantia hipotecária. Sustenta o banco que, sendo impertinente à espécie o CDC, hão de prevalecer as cláusulas livremente estipuladas pelas partes, dentre elas: a) a que fixa os juros moratórios; b) a que prevê a multa de 10%; c) a que estabelece autorização para o débito em conta-corrente das prestações mensais.

À exceção da temática relativa aos juros moratórios que será objeto de exame ao final deste, ao banco recursante desassiste razão em suas objeções concernentes à incidência do Código de Defesa do Consumidor à hipótese dos autos, motivo pelo qual, sendo este o único fundamento por ele apresentado a respeito, permanecem os comandos editados pela sentença quanto: a) à nulidade da cláusula que prevê autorização irrevogável do mutuário para débito em conta-corrente das parcelas mensais; b) à redução da multa a 2% (art. 52, § 1°, da Lei n.° 8.078/90).

Isto porque, em princípio, tratando-se de mutuário que se dirigiu ao estabelecimento bancário a fim de obter financiamento para aquisição de bem imóvel, na qualidade, pois, de consumidor final, os bancos ficam submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor, como prestadores de serviços especialmente contemplados no art. 3°, § 2º, do mesmo diploma legal. Esta, por sinal, a jurisprudência predominante nesta Corte (REsps ns. 57.974-0/RS, relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar; e 142.799/RS, Relator Ministro Waldemar Zveiter)).

Essa, também, a opinião da doutrina.

Confira-se o espólio de José Geraldo Brito Filomeno:

"Resta evidenciado, por outro lado, que as atividades desempenhadas pelas instituições financeiras, quer na prestação de serviços aos seus clientes (por exemplo, cobrança de contas de luz, água e outros serviços, ou então expedição de extratos etc), quer na concessão de mútuos ou financiamentos para a aquisição de bens, inserem-se igualmente no conceito amplo de serviços.

Aliás, o Código fala expressamente em atividade de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, aqui se incluindo igualmente os planos de previdência privada em geral, além dos seguros propriamente ditos, de saúde etc."

Para Fábio Ulhôa Coelho:

"considera-se bancário o contrato cuja função econômica se relaciona com o conceito jurídico de atividade bancária, preceituado no art. 17. da Lei n° 4.595/64. Por atividade bancária, entende-se a coleta, intermediação em moeda nacional ou estrangeira. Esse conceito abarca uma gama considerável de operações econômicas, ligadas direta ou indiretamente à concessão, circulação ou administração do crédito. Estabelecendo-se paralelo entre a atividade bancária e a industrial, pode-se afirmar que a matéria-prima do banco e o produto que ele oferece ao mercado é o crédito, ou seja, a instituição financeira dedica-se a captar recurso junto a clientes (operações passivas) para emprestá-los a outros clientes (operações ativas)."

E, mais adiante, esclarece que:

"O contrato bancário pode ou não se sujeitar ao Código de Defesa do Consumidor, dependendo da natureza do vínculo obrigacional subjacente. O mútuo, por exemplo, será mercantil se o mutuário for exercente de atividade econômica, e os recursos obtidos a partir dele forem empregados na empresa. E será mútuo ao consumidor se o mutuário utilizar-se dos recursos emprestados para finalidades particulares, como destinatário final. No desenvolvimento das operações atípicas, isto é. não relacionadas especificamente com o conceito de atividade bancária, como cobrança de títulos e recebimentos de tarifas e impostos, o banco age como prestador de serviços não somente para o cliente credor, mas direcionado a todos que procuram a agência simplesmente para realizar o pagamento. Em relação às operações típicas, como a aceitação de dinheiro em depósito, concessão do empréstimo bancário, aplicação financeira e outras, o banco presta. serviço a clientes seus, podendo classificá-los (de acordo com conceitos próprios da atividade bancária, como o da reciprocidade) para fins de liberar tratamento preferencial ou atendimento especial a certas categorias de consumidores. "

Também José Reinaldo da Lima Lopes acentua que:

"É fora de dúvida que os serviços financeiros, bancários e securitários encontram-se sob as regras do Código de Defesa do Consumidor. Não só existe disposição expressa na Lei nº 8.078/90 sobre o assunto (art. 3º, § 2º ), como a história da defesa do consumidor o confirma, quando verificamos que a proteção aos tomadores de crédito ao consumo foi das primeiras a ser criada. De outro lado, nas relações das instituições financeiras com seus `clientes` podem-se ver duas categorias de agentes.: os tomadores de empréstimos (mutuários) e os investidores (depositantes)"

(Código Brasileiro de Defesa do Consumidor-Comentado pelos Autores do Anteprojeto. págs. 45/46, 6º ed).

Compartilham do mesmo pensamento Nelson Nery Júnior e José Cretella Júnior, ambos citados pelo Prof. Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo Arruda Alvim e James Marins no seu "Código do Consumidor Comentado", pág. 40, nota n.º 28. 2ª ed., 2ª tiragem. Eduardo Gabriel Saad também considera que esse contrato de empréstimo bancário se submete às normas de proteção ao consumidor (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, pág. 107, 4ª ed. - LTr).

Ficam mantidas, portanto, as disposições da sentença, confirmada pelo V. Acórdão, referentes aos dois itens supra referidos, atacados pelo recorrente.

MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR:

Com a devida vênia, acompanho o voto do Ministro Relator quanto à sua conclusão, mas pelos fundamentos do Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha.

MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA:

Acompanho os votos precedentes, em suas conclusões.

MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA:

02. Pedi vista dos autos para melhor exame da matéria, após o que de logo registro que no tocante à aplicação do Código de Defesa do Consumidor, acompanho Sua Excelência, por entender que aquele diploma legal incide sobre todas as relações e contratos pactuados pelas instituições financeiras e seus clientes e não apenas na parte relativa à expedição de talonários, fornecimento de extratos, cobrança de contas, guarda de bens e outros serviços afins.

O próprio Código de Defesa do Consumidor se ocupa em trazer as definições de consumidor, fornecedor produto e serviço, para efeito de sua incidência nas relações como de consumo, verbis:

"Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

A lei é suficientemente clara ao definir o que sejam consumidores e fornecedores de produtos e serviços, enquadrando-se perfeitamente nesses conceitos as instituições financeiras.

As relações existentes entre os clientes e o banco apresentam nítidos contornos de uma relação de consumo, inclusive nos contratos bancários de financiamento, de forma a se concluir que o Código de Defesa do Consumidor aplica-se a todos os contratos bancários.

03. Como decorrência, ouso dissentir, data maxima venia, tão-somente na parte em que o eminente Relator considerou que as regras genéricas do CDC não se aplicam às taxas dos juros remuneratórios praticadas pelos bancos, porque regida a sua limitação pela Lei n.º 4.595/64, de natureza especifica.

E o faço com fulcro nos fundamentos a seguir expostos.

É ponto pacífico nesta Corte que a limitação das taxas de juros remuneratórios prevista no Decreto n.° 22.626/33 foi revogada com a edição do artigo 4.°, inciso IX, da Lei nº 4.595/64, nas operações realizadas por instituições financeiras, ressalvadas as hipóteses de legislação especial.

[...]

Afirmo que estariam livres porque, a teor do regramento insculpido no art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor, toda cláusula que apresente abusividade, trazendo iniqüidade em prejuízo ao consumidor, afigura-se nula de pleno direito.

Desta forma, todas as vezes em que a contratação dos juros remuneratórios se apresente excessivamente onerosa, em percentual caracterizadamente abusivo, por extrapolar dos padrões da conjuntura econômica pátria, à qual devemos estar atentos, pode e deve ser aplicada a norma protetora do consumidor, com o fito de coibir-se intoleráveis abusos por parte das instituições financeiras.

Assim, a estipulação de aludido percentual não pode ser imposta de forma assim tão desabrida, devendo se estabelecer uma convivência harmônica entre a liberdade conferida pela Lei n° 4.595/64 e a razoabilidade extraída pelo Código de Defesa do Consumidor, para impedir a cobrança de taxas abusivas.

Finalmente, temos a visão uniformizada do nosso Superior Tribunal de Justiça no sentido da aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários. Vejamos a postura dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça: Ruy Rosado de Aguiar 84, Edson Vidigal 85, Waldemar Zveiter 86, Aldir Passarinho 87, Carlos Alberto Menezes Direito 88, Barros Monteiro 89.

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Sobre o autor
Celso Marcelo de Oliveira

consultor empresarial, membro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial, do Instituto Brasileiro de Direito Bancário, do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, do Instituto Brasileiro de Direito Societário, do Instituto Brasileiro de Direito Tributário, da Academia Brasileira de Direito Constitucional, da Academia Brasileira de Direito Tributário, da Academia Brasileira de Direito Processual e da Associação Portuguesa de Direito do Consumo. Autor das obras: "Tratado de Direito Empresarial Brasileiro", "Direito Falimentar", "Comentários à Nova Lei de Falências", "Processo Constituinte e a Constituição", "Cadastro de restrição de crédito e o Código de Defesa do Consumidor", "Sistema Financeiro de Habitação e Código de Defesa do Cliente Bancário".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Celso Marcelo. ADIN 2591: o direito do consumidor e os bancos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -488, 1 mar. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2741. Acesso em: 23 nov. 2024.

Mais informações

Estudo jurídico enviado aos Ministros do Supremo Tribunal Federal como fonte alternativa de direito ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2591.

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