Cada vez mais é preciso criar consciência de que o Direito deve acompanhar as transformações e perceber os anseios da sociedade. Já no Preâmbulo da Constituição Federal encontramos fundamentação para tal afirmação. O Estado democrático de Direito foi instituído para assegurar os direitos sociais e individuais de forma justa para uma sociedade pluralista, livre de preconceitos. A partir desta pequena introdução, já podemos considerar que o Poder Judiciário deve estar atento aos clamores sociais, sem deixar de lado a autonomia que todo julgador deve ter, não se preocupando com a repercussão de suas decisões, desde que pautadas pelos princípios básicos do Direito.
Nesta semana, em decisão bastante polêmica para muitos, um magistrado autorizou a importação de medicamento contendo uma substância encontrada na cannabis sativa (planta utilizada para a produção da maconha). Cabe aqui fazer uma rápida análise sobre os fatores que fazem a decisão ser tão importante:
1. A criança que necessita do medicamento é portadora de encefalopatia epiléptica que, conforme artigo médico escrito por médicos do Departamento de Neurologia Infantil do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, dispõe:
''As encefalopatias epilépticas correspondem a um grupo de doenças em que as funções cognitivas, motoras e sensoriais deterioram progressivamente em decorrência da atividade epiléptica freqüente. A semiologia das crises e os achados eletrencefalográficos dependem da idade de início das crises, podendo alterar-se com o crescimento. As mioclonias estão intimamente relacionadas a diversos tipos de encefalopatias epilépticas e as epilepsias mioclônicas constituem um grupo heterogêneo de doenças, não totalmente compreendido, e em constante evolução.'' ¹
Portanto, de forma bastante leiga é possível destacar do trecho acima que as funções cognitivas, motoras e sensoriais se deterioram a cada crise epilética sofrida pela pessoa. No caso em tela, nenhum medicamento apresentou resultados satisfatório até o uso da droga produzida nos Estados Unidos e que apresenta uma substância da cannabis sativa;
2. A saúde é um direito social garantido constitucionalmente e que deve receber a tutela do Estado, a fim de promover o bem estar dos cidadãos, já citado acima, e prover à pessoa, a possibilidade de ter uma vida digna e plena. Ademais, tal decisão deve pautar-se pelos princípios da dignidade da pessoa humana em que, conforme anotou Immanuel Kant: ''Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade.''², e pelo princípio da razoabilidade, onde deve haver a adequação dos fins aos meios. Ora, se apenas um medicamente surtiu efeito ao tratamento da criança, nada mais justo do que conceder a esta o direito de usá-lo.
Razões pelas quais, por mais impactante que possa parecer se valer de uma substância que, até então, era tida como extremamente maléfica para a sociedade - cabe ressaltar que sou terminantemente contra a legalização de drogas para uso recreativo, por acreditar que todos corroboram diversas mazelas sociais como o tráfico de drogas, outras formas de violência, bem como a dependência química - vejo como uma vitória incontestável para o ordenamento jurídico pátrio, e um avanço significativo para a sociedade, ensejando em maiores investimentos em pesquisa e debate para o uso de medicamentos e terapias alternativas no trato da saúde pública. No entanto, concordo integralmente com a decisão do Juiz Bruno César Bandeira Apolinário, da 3.ª Vara Federal do Distrito Federal, que reforçou a necessidade de prescrição médica e que tal sentença ainda não indica a liberação da comercialização de tais medicamentos, uma vez que ainda se faz necessário maior conhecimento seu funcionamento.
Alexandre Lins
Referências:
1. EPILEPSIA MIOCLÔNICA SEVERA DA INFÂNCIA- Liberalesso PBN (1,2,3), Nascimento LF (1), Klagenberg KF (2), Zeigelboim BS (2), Jurkiewicz AL (2). Departamento de Neurologia Infantil do Hospital Pequeno Príncipe, Curitiba, PR, Brasil (1). Pós-graduação em Distúrbios da Comunicação da Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba, PR, Brasil (2). Laboratório de EEG Digital do Hospital da Cruz Vermelha Brasileira. Curitiba, PR, Brasil (3).;
2. KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. Trad. Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 58;
3. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
Se faz extremamente importante criar consciência de que o Direito deve acompanhar o desenvolvimento social. A partir disto, este artigo visa analisar a recente sentença que autorizou o uso de medicamentos com substâncias encontradas na cannabis sativa.
Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi
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