Resumo: O presente artigo tem por escopo discorrer acerca da aplicação das ações afirmativas no cotidiano das pessoas com deficiência, que historicamente foram negligenciadas em seus direitos fundamentais e excluídas da sociedade. As ações afirmativas surgem como um mecanismo de correção de rumos da sociedade, objetivando proporcionar a igualdade material aos que se encontram em desvantagem na busca da efetivação de seus direitos. Em um primeiro momento buscar-se-á demonstrar a íntima ligação existente entre o princípio da isonomia e as ações afirmativas, sendo que estas são mecanismos de concretização daquele. Posteriormente, analisar-se-á o grupo minoritário das pessoas com deficiência e seus direitos, se estes são realmente efetivados e de que maneira ocorre sua efetivação. Por fim, será abordado com mais ênfase a aplicação das ações afirmativas voltadas às pessoas com deficiência no campo da educação, trabalho e política, e ainda em quais modalidades. O exercício pleno desses direitos influencia na efetivação ou não dos demais. Portanto, conclui-se que os obstáculos encontrados pelas pessoas com deficiência no acesso a todos os níveis de ensino, no ingresso e permanência no mercado de trabalho e no exercício efetivo de seus direitos políticos refletem negativamente em todos os setores da vida. Dentre os principais obstáculos estão a má aplicação de recursos públicos, a não adoção de ações afirmativas, falhas na legislação e principalmente, o preconceito.
Palavras-chave: Isonomia. Ações afirmativas. Pessoas com deficiência. Direitos efetivados.
1. INTRODUÇÃO
A evolução da sociedade e dos conceitos nos permite fazer uma reflexão crítica acerca do passado, reconhecendo injustiças e buscando remediá-las. A diversidade sempre esteve presente na sociedade e a dificuldade em aceitá-la também, no entanto, é inadmissível privar uma pessoa de seus direitos pelo simples fato de possuir alguma deficiência.
É neste contexto que busca-se aprofundar o estudo sobre este importante tema, acerca das ações afirmativas na atualidade.
O tema é relativamente recente e vem ganhando cada vez mais importância, especialmente com a Constituição Federal de 1988, que faz menção ao dever do Estado de proporcionar a igualdade material através da adoção de ações afirmativas. Essa disposição constitucional vincula tanto o legislador ordinário, quanto o administrador que devem, de maneira ativa, oferecer as mesmas condições e oportunidades aqueles grupos de pessoas que historicamente foram negligenciados em seus direitos.
Pouco tempo atrás não se pensava, muito menos se falava, na proteção de pessoas e grupos de pessoas que se encontravam em desvantagem em relação aos demais por motivos alheios a sua vontade, tampouco admitia-se que fosse dispensado a essas pessoas um tratamento diferenciado, justificado pelo próprio princípio da igualdade.
Hoje, em tese, não se admite discriminação por gênero, orientação sexual, raça, e contra as pessoas com deficiência, o que era muito comum até recentemente. A evolução da sociedade e consequentemente do ordenamento jurídico, nos permite interpretar o princípio da isonomia sob dois aspectos; o formal que veda um tratamento diferenciado perante a lei e o material que permite e até exige que seja dispensado tratamento igual aos iguais e tratamento desigual aos desiguais, na medida de sua desigualdade, ou seja, o tratamento desigual, legitimado pelo próprio princípio da igualdade, é admitido desde que tenha uma finalidade acolhida pelo direito, uma justificativa razoável, que é a de proporcionar a igualdade de oportunidades e condições, sendo que isso é alcançado através das ações afirmativas. Em um primeiro momento isso pode parecer contraditório, mas em análise mais profunda, é possível compreender o significado da igualdade material.
As pessoas com deficiência fazem parte de um grupo minoritário, que sem dúvida encontram-se em situação de exclusão social, historicamente discriminados e, portanto, precisam de ações afirmativas em seu favor para verem efetivados seus direitos fundamentais, garantidos pela Carta Magna. É justamente a este fim que se presta o presente artigo, analisar essas ações afirmativas, focando principalmente nos direitos e violações perante às pessoas com deficiência, nos campos da educação, trabalho e participação política, os quais estão direta ou indiretamente ligados a efetivação de outros direitos, fazendo também uma ligação com o princípio constitucional da isonomia.
O método utilizado para a elaboração deste trabalho é o teórico, que consiste na consulta de obras, artigo e legislação pertinente.
2. A ADOÇÃO DAS AÇÕES AFIRMATIVAS COMO UMA FORMA DE EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA
A isonomia está elencada no rol dos direitos fundamentais na atual Constituição Federal e, portanto, é um direito formalmente fundamental, que deve ser compreendido como sinônimo do direito ou princípio da igualdade.
Cada autor utiliza o termo de sua preferência, que mais lhe agrada, dessa forma julga-se desnecessário iniciar aqui uma discussão acerca da possível distinção entre os termos, que é irrelevante no momento, sendo que o principal objetivo do trabalho em tela é analisar a importância deste princípio no ordenamento jurídico brasileiro, sua relação com as ações afirmativas e a consequente intervenção em algumas áreas da vida das pessoas com deficiência.
O princípio da isonomia, ou da igualdade como queiram, encontra seu fundamento legal na Constituição Federal de 1988 que traz inúmeros dispositivos garantindo a igualdade a todos os cidadãos, tanto em seu aspecto formal, que refere-se a um tratamento igualitário perante a lei para pessoas e situações objetivamente iguais, quanto em seu aspecto material, que exige do poder público tratamentos diferenciados a determinadas pessoas ou grupos de pessoas que já se encontram em situação de desigualdade de maneira natural pelos mais diversos motivos, sociais, econômicos, culturais, enfim, pela sua condição humana.
Tratando da positivação do direito fundamental da isonomia na Constituição Federal, Pinho (2011, p. 123) assim explana sobre o assunto:
O direito à igualdade consiste em afirmar que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza" (CF, art. 5º, caput). Não se admite discriminação de qualquer natureza em relação aos seres humanos. Esse princípio vem repetido em diversos dispositivos constitucionais, realçando a preocupação do constituinte com a questão da busca pela igualdade em nosso país. O preâmbulo já traz a igualdade como um dos valores supremos do Estado brasileiro. O art. 3º traz como uma das metas do Brasil a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do "bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outra forma de discriminação".
Na primeira fase de afirmação do princípio da igualdade, direito de segunda geração dos direitos fundamentais, reivindicados na Revolução Francesa em 1789, acreditava-se que a vedação de tratamentos diferenciados perante a lei era suficiente para garantir a igualdade. Contudo, percebeu-se que essa proibição não era suficiente para corrigir a injustiça social e acabar com a desigualdade já existente. Assim, na segunda fase de afirmação do princípio da igualdade defende-se a igualdade material que mais do que proibir tratamentos diferenciados perante a lei, exige que o poder público o faça quando houver uma justificativa razoável, uma finalidade acolhida pelo direito.
Esse tratamento diferenciado permitido e até exigido pelo nosso ordenamento jurídico e justificado pelo próprio princípio da igualdade, denomina-se discriminação lícita. Nesse sentido, Pinho (2011, p. 124) assim expõe seu entendimento:
Igualdade consiste em tratar igualmente os iguais, com os mesmos direitos e obrigações, e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade. Tratar igualmente os desiguais seria aumentar a desigualdade existente. Nem todo tratamento desigual é inconstitucional, somente o tratamento desigual que aumenta a desigualdade naturalmente já existente. Não teria sentido conceder benefícios de forma igual para os que necessitam e para os que não necessitam da assistência do poder público.
A igualdade formal já foi alcançada pelo Brasil visto que a lei não dispensa tratamento diferenciado a pessoas e situações iguais. Hoje, o que se busca, de maneira legitimada pela Constituição Federal é a igualdade de condições ou de oportunidades para quem esta em condição de desigualdade natural, por motivos alheios a sua vontade e isso será alcançado por meio das ações afirmativas. É nesse ponto que se verifica a íntima ligação entre a igualdade e as ações afirmativas, vez que é função das ações afirmativas proporcionar a igualdade de oportunidades.
Para a concretização do direito de igualdade é necessário a adoção das ações afirmativas, pois todos são iguais sim, mas em direitos e não em oportunidades. Se para garantir a efetivação de tais direitos a pessoas que se encontram em condição especial é preciso tratá-las de maneira diferenciada, nem uma ilegitimidade se verifica. Ao contrário, se não houvesse esse tratamento especial, estar-se-ia limitando de forma bem mais severa direitos de pessoas que possuem uma condição especial.
Cruz (2003 p. 185), conceitua as ações afirmativas da seguinte maneira:
As ações afirmativas podem ser entendidas como medidas públicas e privadas, coercitivas ou voluntárias, implementadas na promoção/integração de indivíduos e grupos sociais tradicionalmente discriminados em função de sua origem, raça, sexo, opção sexual, idade, religião, patogenia física/psicológica, etc.
Em outras palavras, as ações afirmativas são instrumentos de inclusão social que objetivam a inserção e a inclusão social de grupos e pessoas historicamente negligenciados em seus direitos, como mulheres, afrodescendentes, pessoas com deficiência, nos diversos campos da vida.
São medidas especiais e temporárias voltadas aos grupos mais vulneráveis que encontram-se em situação de desigualdade na busca pela concretização de seus direitos. As ações afirmativas são mecanismos de inclusão dos grupos em desvantagem, especialmente no campo da educação, trabalho e política.
3. GRUPO MINORITÁRIO - PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: DIREITOS GARANTIDOS E DIREITOS EFETIVADOS
As pessoas com deficiência fazem parte de um grupo minoritário que precisam das ações afirmativas para ver concretizados plenamente seus direitos fundamentais.
Historicamente as pessoas com algum tipo de deficiência foram exiladas do convívio social por questões relacionadas com misticismos e ocultismos, sob o pretexto de protegê-las, as próprias famílias às isolavam. É muito recente a preocupação com os direitos das pessoas com deficiência considerando a antiguidade do problema que acompanha o ser humano desde sua origem.
Foi somente no século XX, após a Segunda Guerra Mundial, que deixou inúmeros mutilados que precisavam de alternativas para seguirem suas vidas, que o poder público passou a dar maior atenção aos direitos dessa coletividade e agir ativamente para incluí-los na sociedade, dando origem a diversos tratados e convenções internacionais que asseguram um rol considerável de direitos às pessoas com deficiência.
Por deficiência, é entendida a perda ou anormalidade, temporária ou permanente, de uma estrutura ou função anatômica, fisiológica ou psicológica; por exemplo, a paraplegia é considerada uma deficiência física. Por incapacidade, é entendida a restrição resultante da deficiência, como a impossibilidade de locomoção (no caso da deficiência denominada paraplegia). A desvantagem é entendida como o prejuízo para o indivíduo, decorrente da deficiência ou da incapacidade, que dificulta o desempenho de papéis sociais esperados de uma pessoa nas mesmas condições de idade, sexo, fatores sociais e culturais, como a independência física ou mobilidade no caso do paraplégico. Como a desvantagem é uma questão contingencial e está relacionada com as possibilidades que determinada sociedade oferece ao sujeito com deficiência, definiremos deficiência como a alteração completa ou parcial de um ou mais seguimentos do corpo humano que compromete as funções físicas, auditiva, visual ou mental, o que, em razão de contingencias históricas, sociais e espaciais, poderá resultar em desvantagem para a pessoa portadora, como perda de autonomia, discriminação social e dificuldades de inserção social. (CARVALHO-Freitas; MARQUES, 2010, p. 102).
Para compensar essa desvantagem decorrente da deficiência, é necessária a adoção das ações afirmativas. O Decreto n°. 3.298/1999 traz em seu artigo 3º o conceito legal de deficiência e incapacidade e em seu artigo 4º as categorias de deficiência que são física, auditiva, visual, mental e múltipla. Assim como a nível mundial, no Brasil também cresceu consideravelmente nos últimos anos a edição de leis e decretos que tratam dos direitos das pessoas com deficiência, somente a título de exemplo podemos citar a lei nº. 7.853/1989, regulamentada pelo Decreto nº. 3.298/1999 que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção e dá outras providências, Lei nº. 8.213/1991 e a Lei nº. 8.112/1990, que tratam respectivamente da inserção no mercado de trabalho em empresas privadas e no serviço público, Lei nº. 10.098/2000 e 10.048/2000 regulamentadas pelo Decreto nº. 5.296/2004 que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade, dentre inúmeras outras que cuidam, por exemplo, da isenção do IPI na compra de automóveis, atendimento prioritário, passe livre, etc.
A legislação em favor das pessoas com deficiência abrange em geral, os mesmos direitos garantidos às outras pessoas pela CF que dispõe que "todos são iguais perante a lei", isto é, todos têm os mesmos direitos, assim, além de reafirmar os direitos das pessoas com deficiência, as leis destinadas a proteção desse grupo, estabelece ou deveria estabelecer medidas para assegurar a efetivação dos referidos direitos, o que nem sempre ocorre em alguns casos pela omissão da lei, mas em sua maioria pelo não cumprimento da lei.
A despeito da situação de exclusão social pelos portadores de deficiência, não há como negar a existência de um número expressivo de normas de conteúdo afirmativo em seu favor, o que [...] não ocorre com as demais minorias. Todavia, o mais comum é que essas normas não tenham reconhecimento pelo Estado de sua efetividade jurídica [...]. (CRUZ 2003, p. 248).
Nota-se que a legislação por si só não é capaz de eliminar a discriminação ilícita e colocar fim na exclusão social a qual estão sujeitas as pessoas com deficiência. Faz-se necessário a intervenção do poder público de maneira ativa com a finalidade de implementar as ações afirmativas previstas em lei e de adotar novas medidas a fim de efetivar os tão defendidos direitos. Para isso é indispensável a aplicação de recursos públicos nesta área de maneira responsável e séria.
O preconceito é um dos fatores que mais dificultam a inclusão das pessoas com deficiência na sociedade, portanto, a difusão do conhecimento sobre as deficiências e campanhas para a eliminação do preconceito e mudança de consciência mostram-se de fundamental importância nesse processo.
3.1 DIREITO À EDUCAÇÃO
A educação é o primeiro direito social elencado no artigo 6º da Constituição Federal, no entanto, possui o caráter de “fundamental”, tendo em vista que é um importante instrumento para a efetivação de outros direitos como o trabalho, por exemplo. Assim nota-se que a educação possui intima relação com outros campos da vida social e por isso, merece uma atenção especial por parte do Estado, para que a defasagem na educação não comprometa outros direitos. Nas palavras de Oliveira, Mello e Issa (2012, p. 344) "A educação tem um papel fundamental na consolidação da mobilidade, pois deve colocar todos no mesmo ponto de partida, proporcionar a todos os cidadãos a oportunidade de estudo, fundamental, médio, ou superior."
Durante muito tempo a educação foi privilégio de poucos, as pessoas com deficiência tinham e ainda têm mais dificuldade de serem incluídas nesse meio em razão de suas necessidades especiais e do preconceito. É muito recente a preocupação com a educação dessa parcela da população.
Num primeiro momento a educação tinha um caráter assistencial. Esse caráter exclusivamente assistencial fez com que esses educandos permanecessem excluídos, mesmo dentro do ambiente escolar, pois eram vistos como muito diferentes e especiais, incapazes de se integrarem no ensino regular. Hoje o entendimento já é outro. Na década de 80 foi instituída a matrícula compulsória dos alunos com deficiência na rede regular de ensino, toda pessoa com deficiência tem direito a educação pública e gratuita, preferencialmente na rede regular, mas quando em razão das peculiaridades da deficiência o aluno não for capaz de se integrar ao ensino regular, tem direito a educação especial gratuita, que atenda as suas necessidades. Esse direito está expresso no artigo 2º, inciso I da Lei nº. 7.853/1989, no artigo 58 da Lei nº. 9.394/1996 e no artigo 24 e seguintes do Decreto nº. 3.298/1999.
A lei assegura a educação às pessoas com deficiência de maneira a atender as suas necessidades especiais, assegurando-lhes a igualdade através da garantia de acessibilidade, profissionais especializados, meios e recursos adaptados, tais como materiais em braile e áudio, intérpretes de libras, computadores adequados a cada deficiência, enfim, todas as adaptações necessárias a efetiva inclusão do educando com deficiência.
Na prática as instituições de ensino não estão preparadas para receber esses alunos, falta acessibilidade, materiais, meios e recursos adaptados, os profissionais estão despreparados e o preconceito ainda é muito grande. As instituições de ensino de todos os níveis utilizam-se do argumento de que é pequena a demanda, não tem recursos, etc, só se preocupando com a questão quando da matrícula de um aluno com deficiência, fazendo com que esse aluno passe um longo período sem as devidas condições para o estudo.
Percebe-se que a garantia legal do direito a educação para todos, inclusive para as pessoas com deficiência não é suficiente para a efetivação do referido direito, as dificuldades encontradas pelas pessoas com deficiência são grandes e certamente encontram-se em desvantagem com relação aos outros visto que não conseguem ler os mesmos materiais, acessar os mesmos sites, ouvir o que está sendo dito pelos professores e nos meios de comunicação, isso porque a legislação não está sendo cumprida de maneira adequada.
Assim é inegável que as pessoas com deficiência precisam das ações afirmativas no campo educacional para alcançar a igualdade de oportunidades no ingresso ao ensino superior, na competitividade do mercado de trabalho, etc.
O direito fundamental a igualdade, juntamente com o direito fundamental à educação, positivados pelo constituinte originário, por isso sua característica de fundamental, exige, tanto do legislador quanto do administrador, mecanismos e instrumentos de efetivação desses direitos. Nesse contexto, surge a adoção das ações afirmativas na sistemática normativa nacional como tentativa de efetivar o direito fundamental à educação de maneira ampla e eficaz. Destaque à atuação do Governo Federal no âmbito das políticas públicas, e pela regulamentação destas ações pelo legislador infraconstitucional. Entretanto, essa empregabilidade deverá ser pautada em critérios claramente delimitados e prefixados, não sendo norteada em aspectos estritamente raciais, visando, de maneira digna, a concretizar a plenitude do direito à educação, elencado na Carta Magna de 1988 (OLIVEIRA; MELLO; ISSA, 2012, p. 338).
O ingresso das pessoas com deficiência no ensino superior vem ocorrendo de maneira lenta e baixa, isso se deve ao despreparo das universidades, a problemas financeiros, de acessibilidade, preconceito e especialmente a defasagem nos outros níveis de ensino, o que dificulta, entre outras coisas, a aprovação no vestibular.
Como tentativa de proporcionar a igualdade de oportunidades a certos grupos que se encontram em desvantagem, a Lei nº. 11.096 de 2005 instituiu o PROUNI - Programa Universidade para Todos. Sobre o programa, Oliveira, Mello e Issa (2012, p. 348) explicam:
[...] O PROUNI, instituído pela norma adversada, concederá bolsas de estudos em universidades privadas a alunos que cursaram o ensino médio completo em escola pública ou em particulares com bolsas integrais, cuja renda familiar fosse de pequena monta, com cotas para negros, pardos, indígenas e aqueles com necessidades especiais.
Essa modalidade de ação afirmativa é polêmica, em relação ao PROUNI o que critica-se não é o programa em si, mas os critérios utilizados para aferir as cotas que de acordo com parte significante da doutrina, deveria ser baseado em critérios socioeconômicos e não em critérios raciais.
As pessoas com deficiência, beneficiarias do sistema de cotas do PROUNI, estão em desvantagem não por questões socioeconômicas exclusivamente, pois mesmo as pessoas com deficiência de classe alta tem dificuldades de serem incluídas no ensino superior pelos motivos já expostos e por isso precisam das ações afirmativas, pelo menos por mais algum tempo, até que a igualdade de oportunidade exista de forma natural.
3.2 DIREITO AO TRABALHO
No tocante a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, verifica-se que esta vem ocorrendo de maneira abaixo das expectativas se considerarmos o número de pessoas com deficiência em nossa sociedade em idade laboral, comparado ao número de pessoas que estão efetivamente incluídas no mercado de trabalho.
Os principais fatores apontados como entraves para a inclusão é o preconceito, os custos elevados para a adaptação de locais, instrumentos de trabalho e transportes, a falta de habilitação dos trabalhadores, assim como a falta de acessibilidade em geral, que dificulta, quando não impossibilita o deslocamento da pessoa com deficiência até o local de trabalho.
Monteiro e colaboradores (2011, p. 462) afirmam que "inclusiva é a sociedade que cria condições humana para que um cidadão exerça o direito constitucional de contribuir com o seu melhor talento para o bem comum."
O que ocorre com frequência é que em vez de adaptar a função ao trabalhador com deficiência, as empresas adaptam o trabalhador a função, isso é, colocam o trabalhador para desempenhar uma função cuja incapacidade decorrente da deficiência não comprometam o seu exercício, ou não impossibilite de maneira total, fazendo com que o funcionário permaneça excluído, sem condições dignas para o trabalho.
No âmbito do serviço público, a Lei Federal nº. 8.112/1990, no artigo 5º, § 2º, regulamentando o artigo 37, VIII da Constituição Federal, estabelece uma cota de até 20% (vinte por cento) dos cargos e empregos públicos para as pessoas com deficiência. O que seria desnecessário se houvesse uma educação de qualidade, visto que é proibida a discriminação do candidato com deficiência no momento da inscrição em concursos públicos e uma vez aprovado, tem o direito subjetivo de contratação, mas no estágio atual de inclusão, a pessoa com deficiência ainda não tem igualdade de condições para competir com outros candidatos por não terem efetivados outros direitos básicos como a educação.
Na iniciativa privada a questão é ainda mais complexa tendo em vista o preconceito presente em toda a sociedade e os altos custos para a adaptação.
O legislador ordinário também cuidou de agir ativamente na reserva de vagas nas empresas da iniciativa privada, em que o acesso não se dá por meio de concurso público. A lei nº 8213/1991 materializa a vontade estatal de tratar de modo diferenciado estes trabalhadores, obrigando aos empregadores com mais de 100 empregados a admitirem portadores de deficiência para um percentual mínimo de vagas. (LOPES, 2005, p. 91)
Nosso sistema de cotas é criticado porque, diferentemente de outros países, não adota cumulativamente o sistema cota-contribuição ou cota-terceirizada que é uma alternativa para as empresas que por algum motivo não pode cumprir a obrigação de reserva de vagas. Esse sistema consiste em pagar um valor por pessoa com deficiência não empregada a fundos especialmente criados que destina o dinheiro ao incentivo da inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Este sistema também sofre críticas por que de certo modo adia a inclusão efetiva nos ambientes comuns de trabalho, o que não é o objetivo das cotas.
A legislação brasileira de cotas é omissa e controversa em alguns pontos, não prevê, por exemplo, a medida que deve ser adotada por empresas que desempenham atividades cujo exercício por pessoas com deficiência é difícil, quando não impossível, é o caso de atividades de alto grau de insalubridade, nem por empresas que desenvolvem atividades de caráter sazonal ou temporária, ainda há controvérsias com relação ao grau de deficiência que deve ter o trabalhador candidato a uma vaga abrangida pelas cotas. As soluções empregadas no caso concreto a essas questões são apontadas pela doutrina e jurisprudência com fortes argumentos, inclusive em sentido contrários.
Verifica-se que somente a legislação não é capaz de incluir efetivamente as pessoas com deficiência no mercado de trabalho, é preciso mecanismos de estimulo as empresas, cumulando o tratamento jurídico, em que o Estado impõe sanções civis e penalidades a quem não trata de maneira digna as pessoas com deficiência, com um tratamento de estimulo econômico através de renúncia fiscal e ajuda financeira para as adaptações.
De qualquer forma é indispensável a interferência do Estado, seja de maneira coercitiva e preventiva, seja através de investimentos e aplicação de recursos públicos nessa área, aliado a adoção de políticas de inclusão.
Quanto à flexibilização do sistema de cotas, sugerido por alguns autores é necessário cautela para não utilizar-se desse mecanismo legal para adiar ainda mais a solução de um problema tão antigo. A mudança de mentalidade e a consequente eliminação do preconceito por parte dos empregadores, dos funcionários não portadores de deficiência e da sociedade em geral, são peças chaves nesse processo, a empresa precisa reconhecer as reais dificuldades e potencialidades das pessoas com deficiências e os benefícios que elas trarão para a empresa que vão além da imagem e isenções fiscais.
3.3 PARTICIPAÇÃO POLÍTICA
A participação de todos os cidadãos na vida política é de suma importância, pois é através do exercício efetivo deste direito que se concretizam todos os outros. Incluir os grupos menos favorecidos, que historicamente foram negligenciados em seus direitos de maneira ativa nesse meio é proporcionar-lhes a igualdade de condições para lutar por seus direitos. Para isso é preciso incentivo, esclarecimentos e informação, livre de manipulações.
Para incluir as mulheres que até recentemente foram totalmente discriminadas e excluídas desse meio, foi preciso a adoção de ações afirmativas previstas na Lei nº. 9.504/1997, § 3º, que prevê que cada partido ou coligação deverá preencher o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidatos de cada sexo. Isso significa que as mulheres terão garantidas ao menos 30% (trinta por cento) das vagas de cada partido ou coligação. Com as pessoas com deficiência, outro grupo historicamente negligenciado em seus direitos, não será diferente.
Um projeto de lei de autoria do senador Pedro Taques que reserva às pessoas com deficiência pelo menos 5% (cinco por cento) do número de candidatos apresentados por cada partido ou coligação a vagas para o legislativo federal, estadual e municipal, pode ser votado pela comissão de Direitos Humanos e legislação participativa em 2014. Esse é um importante passo no sentido de incluir as pessoas com deficiência na vida política, conforme prevê a Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, da qual o Brasil é signatário.
De acordo com Pedro Taques, autor do projeto:
Vale aqui o mesmo argumento que fundamenta a reserva de candidaturas por sexo: a agenda relevante para pessoas com deficiência só ganhará espaço na agenda política nacional por meio da voz e das ações das próprias pessoas com deficiência, na condição de candidatos primeiro e de legisladores eleitos num segundo momento. (AGENCIA SENADO, 2014).
É preciso encorajar as pessoas com deficiência a participar ativamente da vida política em todos os níveis, local, regional, estadual, nacional e internacional, de maneira direta ou por meio de representantes, exercendo o direito a voto de forma consciente e livre, participando de decisões políticas, fazendo parte de organizações que cuidam de seus direitos ou outras organizações e ocupando cargos eletivos.
Ninguém melhor do que uma pessoa com deficiência para elaborar projetos de leis, participar da discussão e votação desses projetos que tratam direta ou indiretamente de seus direitos e propor, bem como viabilizar a adoção de medidas que visem a efetiva integração das pessoas com deficiência na sociedade, pois essas pessoas conhecem de maneira livre de preconceitos e ocultismos suas reais dificuldades, necessidades e potencialidades.