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Perspectiva jurídica dos direitos sociais:

o Estado coator, ausente e educador

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A diferença entre o que seria um Estado democrático ideal e a realidade social tem como viés a exata capacidade de vindicar e usufruir as prerrogativas que a democracia possibilita a todos, mas para as quais poucos são capacitados.

Resumo:  Os fundamentos de um Estado democrático são construídos sobre o terreno da igualdade de direitos. Estes direitos são, na maioria das vezes, suprimidos nos processos sociais, conforme a orientação política dos poderes constituídos e também do que é mais difícil regular que é a própria liberdade capitalista que a democracia impõe. Como um Estado democrático de direitos se baseia também na livre iniciativa, não há como impedir que exista quem tenha maior poderio econômico e possa pagar por privilégios não acessíveis a todos. A liberdade que assegura o direito a usufruir de suas conquistas, também evidencia e amplia a desigualdade no usufruto dos direitos elencados no artigo VI da nossa Carta Magna. A diferença entre o que seria um Estado democrático ideal e a realidade social tem como viés a exata capacidade de vindicar e usufruir as prerrogativas que a democracia possibilita a todos, mas que ela mesma capacita somente a alguns. 

Palavras-chave: Estado; Direitos sociais; Segurança jurídica; Investimento.


Quando o Estado usa seus poderes para diminuir essas diferenças, quer privilegiando políticas sociais mais amplas, quer fazendo assistencialismo direto, sempre corre o risco de ser acusado de populismo na intenção de perpetuação de uma ideologia política de esquerda em detrimento da própria democracia. Se, por outro lado, deixar o assistencialismo em prol de uma política mais afirmativa, ainda que mantenha os pressupostos democráticos, também se expõe a possibilidade de agravar diferenças sociais que ampliam os encargos do próprio Estado com educação, saúde e segurança. Ainda que muitos digam que educação é uma das bases de qualquer política afirmativa, não é o que se tem visto nos últimos anos em todos os governos que dizem ter essa ideologia como base.

Esse dilema tão comum em países pobres, não isenta, ainda que esporadicamente os países ricos, vez por outra, às voltas com crises profundas que resultam da excessiva liberdade de ação econômica, e da concentração de grande poder decisório e de influência em uma aristocracia de visão corporativa limitada pela competição e pelo lucro. Desse modo tendo que se deparar com um conflito de valores, cuja solução sempre passa pela intervenção do Estado, este fica obrigado a salvar os responsáveis para poder salvar as vítimas e aos próprios ideais que os levaram a crise.

É óbvio, portanto, que os direitos sociais, resumidos no artigo VI, têm sua amplitude de alcance atrelado ao desenvolvimento econômico, mas regulado em um Estado forte, comprometido com a supressão das diferenças, para que prerrogativas democráticas não tenham como consequência o abuso de direitos que agravam as diferenças sociais. É com base nesses pressupostos reflexivos que analisaremos cada um dos direitos sociais explícitos no capítulo próprio da nossa Lei Máter.

Educação. A nossa Constituição garante educação básica gratuita a todos os brasileiros. O Estado brasileiro, com base em ideário influenciado por muitos anos de guerra fria, importou da maior potência econômica do mundo, a filosofia que creditava ao crescimento econômico a causa do desenvolvimento da educação, deixando de lado, por várias décadas, o investimento público em educação básica, fazendo algumas “pantomimas” sociais para justificar ou mascarar algumas políticas impopulares. Assim surgiu o projeto Bandeirante, o MOBRAL, o Educação Para Todos, etc. Sempre superficiais, mal planejados e pior ainda fiscalizados, sofrendo com todo tipo de vícios, desvios e abusos, com resultado tivemos nossos indicadores sociais, ligados à educação, sem evolução por décadas, ficando bem abaixo de países bem mais pobres economicamente.

A mudança na filosofia adotada pelo Estado brasileiro, ao descobrir que, na verdade, era na educação que estava o alicerce do desenvolvimento, elevaram os investimentos na educação básica e mais recentemente no ensino superior, mas ainda estamos longe do ideal, enquanto investimentos em educação em nosso país giram em torno de cinco por cento do PIB, alguns países europeus chegam a quinze por cento. Não podemos esquecer, porém, o mérito dado ao Estado pelo esforço no aumento da fiscalização desses gastos, que coibiu muito os desvios de finalidade que existiam.

Juridicamente, o Estado brasileiro é ainda pouco acionado pelo ministério público para garantir esse direito aos cidadãos. Há vários casos de desvios que são de conhecimento da população, que poderiam chegar a justiça que detém o poder de coibi-los puindo severamente os culpados. Na outra ponta do problema houve certa conivência do próprio judiciário com atuações temerárias de políticos que sempre preferiram investir em obras faraônicas que dão visibilidade, mas que trazem pouco ou nenhum alcance social em longo prazo. Essa conivência resultou em um distanciamento da justiça formal dos problemas sociais que precisa urgentemente ser reduzido.

 Saúde. O fato mais relevante que se refere a saúde foi o incrível abandono que sofreu na década de 90, como parte de um plano para assegurar o nome de um certo ministro como candidato a sucessão do presidente da época, ao mesmo tempo em que proliferavam os planos de saúde, maiores beneficiários e talvez financiadores do plano, novamente baseados no sistema americano onde quase não existe política assistencialista para este setor, fato este aliás que colocou o presidente Obama em choque com a parte do tradicionalistas americanos que não adimitem o assistencialimo.

As consequências deste abandono é que ainda hoje o Estado brasileiro luta contra a defasagem de investimentos e o atendimento precário dispensados à população. Como direito social básico, a saúde sofre com a falta de políticas preventivas e de gozar de alguma prioridade para não sofrer o efeito do abandono ou de políticas de cunho passageiro. Não há, ainda hoje, um plano de metas que pudesse ser fiscalizado pelo judiciário, que talvez tenha sua consciência embotada, já que a maioria, senão todos os magistrados e agentes públicos têm algum plano de saúde particular bancados pelo Estado. Não se pode, nem se deseja que o judiciário dê conta de todos os problemas sociais, mas poderia confrontar mais o executivo, exigindo dele o cumprimento do que a Carta Constitucional garante a todos, para minimizar os flagrantes de desigualdade perante a lei e ao Estado que testemunhamos hoje.

 O Trabalho. Os valores sociais do trabalho e o trabalhador estão bem amparados no artigo 7° da Constituição Federal, o artigo e seus incisos refletem bem a proteção que os legisladores constituintes tentaram dar a massa trabalhadora, que hoje sofre ataques de ideologias que defendem a livre negociação sobrepondo-se, em alguns casos, até à lei. Quem tende a sofrer as consequências dessas iniciativas é o judiciário, que vê abarrotarem os tribunais de processos com base em acordos mal resolvidos, ou não integralmente seguidos pelas partes.

Não há como negar que o direito ao trabalho só pode ser garantido com o desenvolvimento econômico, mas não há como negar também, por outro lado, que a facilidade de acesso aos grandes capitais públicos por grandes empresas facilitam a concentração de renda e este sempre foi um direcionamento dado ao crédito que, só nos últimos anos, está vagarosamente mudando. Desenvolvimento com concentração de renda estimula o subemprego, este por sua vez não gera iniciativas do empreendedorismo que, por consequência, gera mais subemprego e com o tempo desemprego em massa.

Os valores sociais do trabalho precisam ser preservados, principalmente no que tange ao salário digno e na preservação e ampliação do poder aquisitivo deste. O desenvolvimento econômico não pode justificar o abandono jurídico do trabalhador, que deve ser protegido e amparado, antes que se obrigue a levar suas lides aos tribunais, obrigando aos juízes o papel que deveria ser da própria lei formal.

 A moradia e o lazer. Estes dois direitos estão juntos nessa análise, porque é dentro de sua casa que o homem passa mais tempo e é com sua família que ele mais se dedica a diversão. Quando a moradia é sinônimo de problemas, tanto o patrono quanto os filhos tendem a sair para a rua onde se concentra maior possibilidade de caminhos ilícitos a atrair principalmente as crianças em formação de valores.

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 O investimento do Estado em moradia digna tem duas consequências importantíssimas para o Estado de direito, o ganho social no trabalho, no emprego e na segurança pública com o resgate dos valores da família.

Ao judiciário compete, além das lides que chegam aos tribunais, as denúncias das condições estruturais do sistema habitacional brasileiro que levam ao crime, ou ao desvio de conduta moral que o alicerça.

 A segurança. A segurança reflete alguns outros direitos sociais, é nela, ou na falta dela que está a consequência da fome, da moradia digna, da educação, de espaço para o lazer, o trabalho corretamente exercido e remunerado, etc. É na segurança também que o judiciário tem mais poder de influência, especialmente no combate a impunidade e a corrupção. Como um direito social dos mais violados, a falta de segurança cria poderes paralelos que desafiam a própria democracia. Ontem combatíamos traficantes, hoje combatemos traficantes e milícias, embriões de máfia que dão a falsa sensação de segurança, mas deixando aberto espaço para uma dependência perpétua, reduzindo o poder julgador do judiciário e ostensivo repressor da polícia, braço armado do Estado.

A segurança como direito social, tem outras facetas como a segurança alimentar, a segurança jurídica e a segurança política. Se não são faces da segurança no sentido que o legislador quis dar ao termo, são pelo menos caudalosos afluentes da segurança física, já que destes tira as bases de sustentação de um Estado que realmente reflete os anseios de paz e progresso da sociedade organizada, e mantém a salvo o processo democrático.

 Previdência Social. Direito que tem corrido perigo nas últimas décadas pela gestão na maioria das vezes incompetente e fraudulenta do erário público, por muito tempo dilapidado com obras faraônicas, eleitoreiras e até em irresponsáveis atos administrativos, que privilegiam pequenos grupos cancerígenos que sempre adubaram a corrupção. Hoje a tentativa de recolocar a previdência em superávit tem um alto preço em investimentos públicos, mas no entanto, diante do envelhecimento da população Brasileira e mundial, se torna cada vez mais dificil garanti-la aos cidadãos.

Ao judiciário resta dar apoio ao ministério público, para que se garanta o mínimo de assistência ao trabalhador ou trabalhadora que, já chega a ser redundante dizer, deu o sangue por este país que vê alguns dos seus a míngua no fim da vida, enquanto alguns poucos sobrevivem como nababos com o dinheiro pago pela população.

 Proteção à Maternidade e a Infância. Avançamos bastantes quanto à proteção do direito a maternidade, mas ainda precisamos avançar muito mais no que tange à proteção a infância. Os recentes avanços como a licença maternidade ampliada que indiretamente beneficia a criança nascitura, as casas de albergado que acabaram com as escolas básicas da criminalidade que chamávamos de FEBEM,  os recentes programas sociais de distribuição de renda e renda mínima e, especialmente, os fundos de desenvolvimento da educação básica FUNDEB. Ainda falta muito para se chegar a um ideal, mas é claro que um bom impulso foi dado nos últimos anos, quando alguém, finalmente percebeu que não se pode esperar um bom aproveitamento escolar de uma criança mal alimentada, matriculadas em uma escola em péssimas condições, educadas por professores mal pagos, com uma didática ultrapassada.


CONCLUSÃO.

Falar dos direitos sociais explícitos na nossa constituição parece, a princípio, falar de utopia. Há muito o Estado brasileiro espera que esses direitos sejam garantidos apenas com o desenvolvimento e o crescimento econômico, esqueceram por muito tempo que não se faz desenvolvimento econômico sem um mínimo de investimento em necessidades básicas da sociedade, e que estes direitos nada mais são de que uma exigência legal do cidadão que, outorgou ao Estado, os poderes para gerir seu bem estar independente de classe social, credo ou raça. O pensamento desenvolvimentista que reinou por tanto tempo, baseados nas tão decantadas políticas afirmativas, aprofundou um fosso social que relegou ao esquecimento pressupostos básicos do Estado democrático, como o bem de todos e a igualdade de oportunidades. O redirecionamento das políticas sociais e econômicas, para uma nova ideologia em que o viés seja a revitalização do Estado protetor de princípios e resguardador de diretos, no lugar do Estado mínimo focado apenas no desenvolvimentismo, pode ser um caminho para que a democracia não seja apenas uma protetora das liberdades capitalistas, mas também do bem comum.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Jonival Medeiros Cunha. Perspectiva jurídica dos direitos sociais:: o Estado coator, ausente e educador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3943, 18 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27561. Acesso em: 22 nov. 2024.

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