O processo administrativo do Distrito Federal ganhou em 2011 o reforço da Lei Complementar 840/2011, este instituto trás normas materiais e processuais relacionadas à conduta dos servidores públicos da Capital da República. Muito pouco foi escrito sobre a norma administrativa e os servidores na maioria das vezes estranham quando são obrigados a responderem a um processo administrativo disciplinar ou a uma sindicância e se vêm de frente com os mandamentos de tal lei. Da mesma forma, os advogados que comparecem em uma das corregedorias do Distrito Federal para defender interesses de servidores estranham a mudança, afinal, o lastro deixado pela Lei 8.112/1990 ainda é extremamente vívido. Todavia, ao criar o Estatuto Jurídico dos Servidores do Distrito Federal a Câmara Legislativa disciplinou toda a matéria referente aos servidores do planalto central, de forma que a antiga lei federal aplicada foi totalmente revogada, nos termos da Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro, art. 4.º §1.º que diz “A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.” Assim, devido a ter regulado toda a matéria de direito disciplinar relacionada a tais servidores a nova lei revogou o antigo estatuto.
Como foi dito, ainda não se debruçaram sobre a nova lei os doutrinadores e poucos são os casos que chegaram ao Poder Judiciário, de forma que os jurisdicionados estão ainda vivendo sob os arremates da antiga norma. A 8.112/1990 é o parâmetro ainda usado de forma pouco técnica e inquietante, que coloca em cheque os direitos do servidor e trás insegurança jurídica aos processos administrativos tratados em transição. Não há mais o que aplicar da antiga norma, senão a sabedoria trazida por anos de experiência, já que a nova norma se cerca de inteligência própria e é extremamente extensa.
Uma das primeiras atitudes do novo legislador foi retirar os deveres de dentro do título do Regime Disciplinar. Desta forma, corrigiu um erro impresso na Lei 8.112/1990, que sempre trouxe no mesmo bojo o servidor cumpridor de suas normas e aquele desertor do caminho reto e dos bons costumes da Administração Pública. Hoje, ao abrirmos o Estatuto Jurídico dos Servidores do Distrito Federal nos deparamos com o art. 180, que trata dos deveres do servidor. Não parece ser diferente do artigo similar cunhado na lei antiga, mas somente este fato mencionado o diferencia exageradamente, tendo em vista que a vontade da lei é outra. E não deveria ser diferente, afinal, muita água passou por baixo da ponte nos idos de 1990 até os dias atuais. Uma maior lisura foi reivindicada da Administração Pública que teve seus maiores representantes investigados, processados e condenados em processos judiciais relacionados ao mensalão.
Do muito que o novo milênio trouxe, já neste início tão conturbado, ficou claro o avanço da tecnologia em relação ao século passado. Os tribunais têm se adequado a um processo eletrônico, ainda atravancado pelos rincões mais distantes de um país continental. Todavia, as normas caminham para enxergar a modernidade que bate à porta. Ainda nos bancos da faculdade aprendemos que os fatos vêm primeiro que o Direito, e quando começamos a militar como advogados aprendemos que, na verdade, eles vêm muito primeiro. Não obstante, devemos impingir às normas uma vontade que a própria sociedade tem. Não fosse assim, seria de pouca valia os aprofundados estudos de sociologia e filosofia nos quais adentramos no nascedouro da nossa aguerrida jornada. Portanto, não há dúvida da importância dos avanços das normas. Não há dúvida da importância de separar os deveres das normas mais rigorosas consubstanciadas no regime disciplinar.
Ora, os servidores merecem o benefício da dúvida. E todas as normas voltadas para a Administração Pública assim fazem pensar. Na verdade, esta expressão, “benefício da dúvida”, ainda soa deveras pejorativa, e até ela deve ser afastada. Na verdade, a Administração Pública, cercada do Direito Público, deve estar arregimentada de certeza. Deve saber diferenciar o bom servidor daquele que não trata a res pública com o devido cuidado, desvirtuado que está dos princípios atinentes ao Estado.
A Constituição da República trás em seu art. 37 os princípios basilares do seu Ordenamento, tais princípios, da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência são diretrizes marcantes do processo administrativo disciplinar. A lei complementar 840/2011 trás em seu bojo um rol de princípios direcionadores dos trabalhos das comissões trinas de processo. De tal forma, o Art. 219 assim leciona: “O processo disciplinar obedece aos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade, eficiência, interesse público, contraditório, ampla defesa, proporcionalidade, razoabilidade, motivação, segurança jurídica, informalismo moderado, justiça, verdade material e indisponibilidade.” O rol, evidentemente é exemplificativo, tendo em vista que o legislador apenas quis direcionar, facilitando o trabalho dos operadores leigos do processo.
Mas não é possível falar de processo administrativo disciplinar sem mencionar os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Salvo o devido processo legal, que ainda se busca na Carta Política de 1988 os seus contornos, os dois outros princípios ganharam capitulo próprio no novo estatuto. O art. 224. Do diploma legal dispõe que “no processo disciplinar, é sempre assegurado ao servidor acusado o direito ao contraditório e à ampla defesa.” É impossível mensurar a importância de a nova lei trazer tal mandamento em seu corpo. Mas devemos ter sempre em mente que o processo administrativo disciplinar é feito por leigos, ou, pelo menos, não tem obrigação de ter na formação das comissões trinas servidores com formação em Direito. É verdade que muitos servidores que são designados para atuar em tais deveres são assim escolhidos por sua formação, e outros guardam a experiência de anos a fio trabalhando em sindicâncias e PADs. Todavia, o ramo é altamente especializado, sendo a Administração Pública um mundo cheio de regras próprias. A quantidade de situações enfrentadas pelos servidores é expressiva. Da mesma forma, os casos são os mais inusitados, são processos que tratam de licitação e contrato, erros médicos, além de condutas enviesadas no Direito Penal, que nesta seara do Direito tomam forma de improbidade administrativa.
Evidentemente, a Administração Pública é complexa, dividida em Órgãos com atribuições definidas em lei. Da mesma forma, o servidor público, dentro deste universo complexo, não pode ser tratado com menos higidez jurídica. Esse viés já foi nota de muita discussão pelos mais renomados especialistas no assunto, o que levou o STJ e o STF a discutirem a necessidade de advogado no processo administrativo. O STJ cunhou a súmula 343 e obrigou que a Administração Pública tivesse em seus PADs e Sindicâncias a presença de advogado acompanhando o servidor acusado, nos seguintes termos: “É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar.” Todavia, os recursos materiais postos a disposição, tanto da comissão processante, quanto dos servidores acusados e das defensorias públicas fez com que o STF editasse a Súmula Vinculante n.º 05 que determinou que “a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a constituição.” Uma pena, na verdade, pois o advogado é função essencial a justiça. Todavia, foi devido a isso que a Lei Complementar 840/2011, no art. 226 II, reservou ao servidor acusado o direito de constituir procurador.
Outra vertente deste Estatuto é o tratamento dado às infrações administrativas. Em outro texto ousei tratar do assunto sob a alcunha de “metáfora das gavetas”, o que pareceu cair muito bem, tendo em vista que a lei compartimentou as infrações possíveis de serem cometidas pelo servidor. Foram criados, então, níveis de possíveis punições em grupos. Assim, as infrações foram divididas em leves, médias do grupo I, médias do grupo II, graves do grupo I e graves do grupo II. Minimizou-se, assim, a possibilidade de erros e brindou o princípio da proporcionalidade, tão necessário a defesa do servidor acusado no processo administrativo disciplinar e à aplicação da sanção.
Tratando especificamente da sindicância a Lei Complementar 840/2011 trás inovações interessantes. Como é sabido a sindicância pode ser meramente investigativa ou punitiva, sendo que a nova lei trata de todas elas. No entanto, mais importante ressaltar é que a Sindicância existe para trazer o máximo de segurança jurídica para o caso analisado. Assim, muitas vezes, a sindicância está equiparada ao inquérito policial, quando é investigativa, de forma que não tem o contraditório e a ampla defesa. A sindicância punitiva, por sua vez, vincula-se aos princípios mencionados e está equiparada ao processo administrativo disciplinar, a exemplo do que já ocorria na lei 8.112/1990. Quando a sindicância não se vincula ao contraditório e a ampla defesa é necessário que se abra, após o seu encerramento, o devido processo administrativo disciplinar, do qual a sindicância precedente é meramente informativa.
O trato que a nova lei deu ao momento pré-processual deve ser ressaltado, pois existe um arcabouço de normas cunhadas com o viés de evitar o litígio administrativo. Basta ver o art. 211 § 4.º que diz “Os conflitos entre servidores podem ser tratados em mesa de comissão de mediação, a ser disciplinada em lei específica.” De tal forma, em alguns casos a lei possibilita solução alternativa de solução do conflito. Com certeza, um avanço, já que ocorre uma mitigação de princípios da administração publica e a Constituição Federal flexibiliza tais princípios. De fato, em alguns casos de pequena monta, devido a problemas entre servidores, o princípio do interesse público deve derrogar tal solução aos contendores, mesmo que tal fato tenha ocorrido dentro dos pátios da Administração Pública. Isso é possível devido à complexidade da máquina pública que tem casos complexos para solucionar, não podendo ficar travada a problemas mínimos dos servidores, que podem ser tratados com precisão e presteza pelos superiores hierárquicos.
A Administração Pública não é diferente do Poder Judiciário com sua carga gigantesca de trabalho. Com os mecanismos de informação crescendo a todo vapor assola por entre as frestas do Poder Público uma comunidade cada vez mais atuante, conhecedora de seus direitos e sedenta de justiça. Todavia, isto também faz nascer o casuísmo, as denuncias vazias e as injustiças. Tudo isso faz com que a Administração Pública se sobrecarregue fazendo processos, que pouco instruídos, vão bater às portas do Judiciário. Não há dúvida, que uma boa lei minimiza muito os erros de procedimento, mas só isso não é suficiente para a aplicação certa do Direito Administrativo.
Resta incontroverso que a Administração deve treinar melhor seus servidores, aparelhar melhor suas instituições e dá ao acusado a segurança jurídica devida. O procedimento, sequência de atos concatenados com a finalidade de realizar o devido processo legal, é mitigado no processo administrativo pelo princípio do informalismo moderado, que está adequado ao processo feito por leigos. Assim, a comissão processante pode adotar formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados, como prescreve o art. 2º, parágrafo único, IX, da Lei federal n. 9.784/1999, de maneira que o conteúdo deve prevalecer sobre o formalismo extremo, respeitadas as formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados. Por isso, alguns defeitos no correr dos atos são tolerados, desde que não causem prejuízo ao servidor acusado. A despeito disso, uma citação ou intimação feita de outra forma que não aquela ditada pela Lei pode ser convalidada se de outro modo os atos foram feitos e não trouxe prejuízo ao administrado.
Todavia, diante de indícios de infração disciplinar, ou diante de representação, a autoridade administrativa competente deve determinar a instauração de sindicância ou processo administrativo disciplinar para apurar os fatos e, se for o caso, aplicar a sanção disciplinar. Isso é verdade, porque o processo administrativo está vinculado ao princípio da legalidade, mandamento inafastável de qualquer processo. Assim, cometida a ilegalidade ou o abuso de poder deve o administrado representar ao Poder Público para que abra o processo e apure a irregularidade.
No rito da Lei Complementar 840/2011 o processo inicia com a abertura pela autoridade competente através de uma portaria, onde se designa a comissão competente para os trabalhos. Entregues os autos para o trio processante estes devem lavrar a ata de início dos trabalhos e nomear entre eles o secretário. Feito isso, se faz necessário citar o servidor acusado para que este possa se defender da acusação feita. Este detalhe é diferente da Lei 8.112/1990, tendo em vista que lá o servidor e notificado para se defender e somente ao final da instrução é citado para fazer a defesa. Tendo sido citado o servidor, como um dos primeiros atos expedido pelo presidente da comissão, é iniciada a fase de instrução do processo, onde a comissão processante irá colher as provas necessárias ao indiciamento do servidor acusado.
Ao termino da instrução, e estando nos autos a prova da materialidade e autoria do ilícito administrativo a comissão, logo após o interrogatório do servidor acusado indicia o servidor acusado e abre o prazo de dez dias, no caso de um acusado apenas, ou vinte se mais de um acusado, para a defesa, que necessariamente deve ser escrita. Recebida a defesa do servidor acusado a comissão está pronta para fazer o relatório final e devolver o processo a autoridade competente para que a mesma possa proferir decisão no prazo de vinte dias.
Evidentemente, que o prazo da autoridade competente, ao contrário dos prazos dados a comissão, é impróprio, ou seja, não há qualquer defeito se a autoridade competente não profere a decisão no prazo estipulado. Todavia, é de se ressaltar a emenda constitucional n.º 45 de dezembro de 2004 que determina que são a todos, no âmbito judicial e administrativo, assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. De tal forma, não há dúvida, que tal prazo deve ser despachado pela autoridade com vista ao princípio da proporcionalidade, já que não é justo vincular um servidor à eternidade a um procedimento administrativo.
Por fim, julgado o processo pela autoridade competente, e sendo o servidor sucumbente, terá ele direito a recurso administrativo no prazo de 30 dias. Evidentemente, podendo, a qualquer tempo buscar seus direitos no Poder Judiciário, respeitada a prescrição.