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Execução e efetivação das medidas de urgência:

responsabilidade civil por medidas de urgência indevidas

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O exequente assume a responsabilidade pessoal pelo uso indevido das tutelas de urgência que causem prejuízos àquele que sofre as medidas. Trata-se de modalidade de responsabilidade civil objetiva, fundamentada na teoria do risco.

1.INTRODUÇÃO

É reconhecido até mesmo no âmbito religioso que não se deve buscar o Judiciário para tutelar lides temerárias, conforme pode ser verificado nas palavras do próprio JESUS CRISTO1 que recomendou aos seus seguidores a auto-composição para evitar os riscos de uma decisão judicial desfavorável quando há no íntimo a falta de convicção do próprio direito.

Tal ensinamento encerra a idéia de risco na propositura de demandas.

Se de um lado há a recomendação de prudência na conciliação dos interesses quando há dúvida acerca do direito, de outro, há responsabilidade patrimonial no uso indevido da tutela jurisdicional de urgência.

Assim, o pronto atendimento aos pedidos de tutelas emergenciais deve ser correspondido com alto grau de certeza acerca dos fatos (ausência de má-fé) e do direito invocados por seu titular, seguindo-se a responsabilidade civil como um corolário lógico para os desvios desse standard.

Mas será que a simples revogação da tutela de urgência levará sempre e em qualquer caso ao dever de indenizar a parte contrária? A responsabilidade civil obviamente não deve ser um obstáculo ao acesso à justiça especialmente nos casos de hipossuficiência onde a solução jurisdicional propicia a única via de correção de ilegalidades que geralmente afetam direitos fundamentais, surgindo evidente a necessidade de delineamento dos contornos desse modelo.


2. MODOS DE EFETIVAÇÃO DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

Nos termos do artigo 273, § 3o do C.P.C., “ a efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A.” O texto legal remete à execução provisória e ao cumprimento de sentença para a obrigação de fazer e não fazer, conforme a natureza do provimento jurisdicional.

A primeira questão que se coloca é a de saber se para a “efetivação” do provimento antecipatório é necessário o processo de execução típico com a citação do devedor, embargos, etc.

A resposta parece evidenciar a desnecessidade dessa medida e talvez aqui a locução “efetivação” tenha substituído a “execução” que anteriormente constava do texto legal para indicar claramente que não deve haver confusão.

Com efeito, o cumprimento da decisão concessiva da tutela antecipada não necessita do processo executivo típico em face da incompatibilidade entre os princípios da efetividade e celeridade que informam o instituto da antecipação da tutela. Assim, a efetivação se realiza no bojo da mesma relação processual de conhecimento ou em autos apartados exigindo, quando muito, a formação de um instrumento para contemplar os atos processuais necessários, o que pode ser alcançado por meio de autos suplementares ou carta de sentença.

Sujeitar o autor a uma nova relação processual de natureza executiva para a satisfação da antecipação concedida não atende ao escopo da reforma introduzida pela Lei nº 8.952/94 e muito menos a garantia constitucional de acesso a justiça por meio da duração razoável do processo. A doutrina parece unânime nesse ponto conforme apontam Teori Albino Zavascki; Athos Gusmão Carneiro e Luiz Fux.

A efetivação obedece, então, a natureza da tutela conforme seja: a) declaratória (CPC, art. 475-O); b) constitutiva (CPC, art. 461); c) condenatória (CPC, art. 461-A); d) executiva.

O rol de medidas de apoio para a efetivação das tutelas de urgência é grande e não exaustivo. O grande objetivo desse aparato é obter do devedor a conduta desejada, ou seja, o adimplemento pessoal e/ou voluntário da obrigação veiculada na tutela jurisdicional, para isso, não se ressente em admitir a imposição dessas medidas até mesmo de oficio (CPC, art.461, § 5º).

Para isso é possível desde a imposição de multas diárias até a determinação de outras medidas necessárias, tais como, mas não exclusivamente, a busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial (CPC, art. 461).

Assim, o cumprimento das antecipações de tutela que versam sobre as obrigações de fazer e não fazer oferece campo fértil e desafiam a criatividade judicial para conseguir o comportamento pessoal do devedor a fim de adimplir a obrigação exposta na tutela jurisdicional.

Além das medidas de apoio em comento, em algumas hipóteses a conduta do devedor pode configurar uma resistência injustificada considerada atentatória à dignidade da justiça rendendo ensejo a aplicação das penalidades previstas no art. 14, parágrafo único, do C.P.C. já que uma das obrigações do devedor (inciso V) é a de “cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.”

A multa processual está limitada a vinte por cento do valor da causa e poderá ser executada após o trânsito em julgado, tendo o Estado como seu credor.

Noutro sentido caminha a solução da efetivação das tutelas que exigem o levantamento de dinheiro e alienação de propriedade. Nesses casos o modo de execução das tutelas obedece ao disposto no art. 475-O do C.P.C., ou seja, a execução provisória.

Na prática essa execução provisória transfere ao autor a responsabilidade civil pelos atos executivos além de exigir caução para autorizar o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem em alienação de propriedades que possam gerar grave dano ao devedor.

O artigo 475-O, I, é claro ao dispor que “corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido”.

A exigência de caução idônea praticamente inviabiliza a efetivação da antecipação da tutela nestes casos, sendo criticável sob vários aspectos. Uma das críticas sustentáveis é que o hipossuficiente nunca terá acesso a essa antecipação vez que dificilmente possuiria patrimônio para suportar essa garantia.

Objurga-se tal entendimento com as hipóteses de dispensa de caução nos casos do art. 475-O, § 2º, I, ou seja, créditos alimentares até o limite de sessenta (60) salários mínimos ou em tutelas decorrentes de atos ilícitos.

Outra hipótese em que o legislador disse mais do que deveria é aquela tratada no art. 475-O, § 2º, II, ou seja, quando esteja pendentes recursos de agravos perante o STJ e STF. Nesses casos, a rigor, as decisões impugnadas não sofreriam nenhum efeito suspensivo, portanto, a execução seria definitiva afastando-se a exigência de caução. Entretanto, o dispositivo em comento autoriza a exigência da garantia quando da “dispensa possa manifestamente resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação”.

A casuística demonstra que raramente se dispensa a caução nessas hipóteses autorizando-se a conclusão de que a efetivação de uma tutela de urgência não ocorrerá nessas situações. Seria necessária uma dose de ousadia que o Judiciário parece não estar disposto a experimentar mesmo diante das garantias constitucionais de efetividade de suas decisões.

O cumprimento do provimento de antecipação de tutela pode ser impugnado por meio de pedido de revogação ou modificação da decisão com fulcro no art. 273, § 4º do C.P.C. e por meio de agravo.


3. EFETIVAÇÃO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONCEDIDA COM FUNDAMENTO NO ART. 273. § 6º, CPC. PEDIDO INCONTROVERSO.

Nos casos de efetivação das antecipações de tutela concedidas com fundamento no art. 273, § 6º, do C.P.C. Não haveria a lide em sentido estrito, já que o réu concordaria com o pedido formulado pelo autor que desde logo poderia render ensejo a extinção do processo (CPC, art. 269, II) permitindo-se concluir que a decisão concessiva da tutela ostentaria um inegável traço de definitividade que deveria receber um tratamento diferente.

No entanto, mesmo nesta situação a execução ou o cumprimento é provisório uma vez que embora diante da incontrovérsia do pedido, poderá haver julgamento de mérito que não reconheça o direito ao autor, conforme aponta José Roberto dos Santos Bedaque:

Reconsiderei meu entendimento. Hoje, parece-me adequada a opção legislativa. Simples antecipação de efeitos não gera resultado definitivo, pois nada obsta que o juiz, durante a instrução, entenda inexistente o direito, embora incontroversa a afirmação do autor. É claro que a contestação parcial torna altamente provável o acolhimento da pretensão não atacada, mas não está afastada a improcedência do pedido, cujos efeitos foram antecipados por força do § 6º. Essa alternativa não retira do juiz a possibilidade de adequar o resultado do processo à realidade substancial, se demonstrada a ausência de direito à tutela jurisdicional definitiva mesmo em relação à parte incontroversa. E confere ao autor todas as vantagens práticas do reconhecimento definitivo, pois permite-lhe usufruir imediatamente do suposto direito (cf. José Roberto Bedaque, tutela cautelar e tutela antecipada, Malheiros Editores, 2006).2


4. RESPONSABILIDADE CIVIL NA EFETIVAÇÃO DE TUTELAS DE URGÊNCIA.

Com efeito, o Código de Processo Civil prevê duas hipóteses de responsabilização civil, a primeira de natureza subjetiva e a segunda de natureza objetiva. No primeiro caso (responsabilidade subjetiva) encontram-se, v.g, as previsões punitivas para a litigância de má-fé (CPC, arts. 16 a 18). Já na segunda hipótese, estão as disposições acerca dos ônus da sucumbência, da execução de medida cautelar posteriormente revogada e da execução de antecipação de tutela.

Várias são as previsões normativas acerca da responsabilidade civil no cumprimento das tutelas jurisdicionais de urgência, conforme se tratem de antecipação de tutela, medidas cautelares ou procedimentos específicos, como a busca e apreensão prevista na lei de alienação fiduciária.

Em todas elas se atribui a responsabilidade aquele que provocou a tutela ou foi beneficiado pela utilização indevida desses provimentos de urgência e somente em casos raríssimos é possível alcançar a responsabilização estatal.

Principiemos pela execução das medidas relativas às tutelas antecipadas.

4.1. Responsabilidade civil pelo cumprimento indevido das antecipações de tutela.

Já se observou que o cumprimento das tutelas antecipadas concedidas com fundamento no artigo 273 do C.P.C. se faz, nos termos do artigo 461-O, I, do mesmo diploma, “por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido”.

Ou seja, o exeqüente assume a responsabilidade pessoal pelo uso indevido das tutelas de urgência que venham causar prejuízos àquele que sofre as medidas. Trata-se na espécie de modalidade de responsabilidade civil objetiva fundamentada na teoria do risco. Esse, ao menos, é o entendimento pacifico da doutrina, conforme sintetiza JOSÉ OLYMPIO DE CASTRO FILHO ao comentar o artigo 811 do C.P.C.:

[...] aqui está consagrado, em exemplos, nada mais, nada menos, do que o princípio da sucumbência, que o Código adotou na sua parte inicial, com relação às custas e aos honorários de advogado. Agora, no Código atual, se no processo principal a sentença for desfavorável ao requerente do processo cautelar, tenha este agido ou não, com culpa, dolo, erro ou fraude, responderá pelo prejuízo causado, no arresto, no seqüestro, na busca e apreensão etc. Quer dizer, é, sem dúvida, a consagração, neste Código, do princípio da responsabilidade processual objetiva: não se cuida mais da intenção de lesar, da fraude ou dolo, mas, apenas se cuida de verificar se aquele que requereu um arresto, uma busca, uma exibição de livros ou um protesto etc., decaiu ou não, da sentença, na ação principal.3

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O mesmo raciocínio aplica-se ao caso do cumprimento das tutelas de urgência de natureza antecipatória, conforme anota GALENO LACERDA ao afirmar que “vincula-se à idéia de ônus ou de risco processual, comum não apenas às ações cautelares, como à execução provisória da sentença. Neste sentido, a responsabilidade decorrente do art. 811 é da mesma natureza da derivada do art. 588, I.”4

Entretanto, não é a mera revogação ou modificação da tutela que leva automaticamente ao dever de reparação. Como ocorre em toda situação de responsabilidade civil, aqui também se exigem vários requisitos para sua configuração.

O primeiro deles é naturalmente a revogação ou modificação da decisão antecipatória da tutela. Por outras palavras, a tutela fora concedida de forma indevida. Em princípio uma análise perfunctória poderia levar à conclusão de se tratar de simples error judiciário, já que o juiz deveria analisar as hipóteses (estreitas) de cabimento da medida e somente na presença dos requisitos legais conceder a tutela.

Apenas o desvio desse modelo poderia gerar uma medida indevida. Nesta hipótese estaria configurado um erro judiciário, a responsabilidade civil deveria ser do próprio Estado (CF, art. 37, § 6o.) ou do Juiz nos casos previstos na Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN, art. 49) e no Código de Processo Civil (art. 133).

Tal responsabilidade repousaria na teoria do risco integral administrativo uma vez que a função jurisdicional é também uma atividade estatal sujeita a provocar danos em casos de erros ou desvios e, portanto, passível de reparação civil.

Acerca da responsabilidade do Estado por seus atos há sólido apoio para tal conclusão, consoante a lição do jurista argentino Roberto Drome:

“El fundamento jurídico de la responsabilidade del Estado se encuentra em la Constitución, toda vez que la actividad de alguno de sus órganos causa um perjuicio especial a un habitante de la Nación, en violación de los derechos que la misma Constitución consagra.”5

No mesmo sentido se posiciona José Cretella Junior ao escrever “se o Estado, direta ou indiretamente, é causa eficiente do dano, estamos diante da responsabilidade pública, regida por princípios publicísticos”.6

A adoção da responsabilidade civil objetiva com fundamento na teoria do risco criado por aquele que demanda a tutela de urgência, contudo, afasta essa conclusão porquanto o autor assume a responsabilidade sobre os danos que o provimento jurisdicional possa causar ao requerer perante o Poder Judiciário uma medida de urgência que ao final se revela indevida. Sobretudo, o seu cumprimento (execução), na forma já preconizada no texto processual, é de inteira responsabilidade do exeqüente. Essa conclusão é compartilhada pela doutrina de forma unânime.

Acerca da teoria do risco anotam-se os seguintes ensinamentos:

Savatier:

A responsabilidade, fundada no risco, consiste, portanto, na obrigação de indenizar o dano produzido por atividade exercida no interesse do agente e sob seu controle, sem que haja nenhuma indagação sobre o comportamento do lesante, fixando-se no elemento objetivo, isto é, na relação de causalidade entre o dano e a conduta do causador.7

Maria Helena Diniz:

A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de eqüidade, existente desde o direito romano: aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes (ubi emolumentum, ibi onus; ubi commoda, ibi incommoda).8

Caio Mario da Silva Pereira:

A teoria do risco criado importa em ampliação do conceito de risco proveito. Aumenta os encargos do agente, é; porém, mais eqüitativa para vitima, que não tem de provar que o dano resultou de uma vantagem ou de um benefício obtido pelo causador do dano. Deve este assumir as conseqüências de sua atividade. O exemplo do automobilista é esclarecedor: na doutrina do risco proveito a vítima somente teria direito ao ressarcimento se o agente obtivesse proveito, enquanto que na do risco criado a indenização é devida mesmo no caso de o automobilista estar passeando por prazer. (cf Alex Weili e François Terré, Droit Civil, Les obligations, nº 590, p. 605).9

Os argumentos mais importantes para justificar esse entendimento acerca da responsabilização de quem demanda pela tutela, todavia, provem dos ensinamentos de Carnelutti10 no sentido de que a atividade da parte no processo é que gera o resultado danoso, portanto, quem verdadeiramente dá causa ao prejuízo.

Chiovenda11 expõe uma conclusão semelhante partindo de outras premissas, no sentido de que a parte que tem razão não pode sofrer o dano da utilização do processo, cabendo a quem requereu a medida a responsabilidade por sua execução.

Assim anotou o mesmo autor em outra passagem transcrita por Galeno Lacerda:

A ação de segurança é, portanto, ela própria, uma ação provisória, o que importa se exerça, em regra, a risco e perigo do autor, isto é, que este, em caso de revogação ou desistência, seja responsável pelos danos causados pela medida, tenha ou não culpa: pois é mais équo que suporte o dano aquele dentre as partes que provocou, em sua vantagem, a providência a final tornada sem justificativa, do que a outra, que nada fez para sofrer o dano e nada poderia fazer para evitá-lo (grifos do original).12

Com efeito, para esses juristas não há em princípio responsabilidade estatal pelos efeitos negativos que a tutela jurisdicional é capaz de provocar sobre o patrimônio daquele que sofre a medida, atribuindo-se à parte beneficiada ou que requereu a providência toda a responsabilidade civil.

Trata-se, como já afirmado alhures, de responsabilidade objetiva fundamentada no risco. Mas, há ainda outro argumento válido para sustentar essa posição. A necessidade de se restabelecer ao demandado o status quo (alterado pela concessão da medida) com a posterior revogação ou modificação da tutela.

É provável que em muitas circunstâncias esse restabelecimento da situação anterior a propositura da demanda não possa ser conseguido em espécie o que importará, evidentemente, na reparação correspondente em pecúnia. Tal hipótese foi bem percebida por Pontes de Miranda quando anotou: “O ato de executar provisoriamente entra no mundo jurídico como ato-fato lícito, que dá causa à reparação, por se ter de repor o status quo ante"13

No mesmo sentido apontou o Supremo Tribunal Federal em vetusto aresto colacionado por Humberto Theodoro Junior:

"o exeqüente, na execução provisória, assume o risco de não ser vencedor na via recursal. A volta ao status quo ante por vezes acarreta indenização de danos, inclusive morais. Não se indaga se houve dolo, ou culpa.14

Trata-se claramente de uma opção legislativa já que no direito comparado há soluções em sentido contrário, exigindo o elemento subjetivo para se admitir a responsabilização do Autor, assim como ocorre nos casos de indenização pela litigância de má-fé.

São conhecidas algumas posições contrárias ao modelo adotado no Brasil conforme apontam v.g. os escritos de Valternei de Melo Souza (A tutela de urgência e a responsabilidade objetiva: algumas reflexões; in: Amaral, Guilherme Rizzo & Carpena, Marcio Louzada (coord.) Visões críticas do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005). Ou, então, a posição de Fabio Luiz Gomes compartilhada por Ovídio Batista expressa nos seguintes termos:

Aliás, a manutenção da responsabilidade objetiva, tal como está posta em nosso Código de Processo Civil, caracteriza inequívoca ofensa ao princípio constitucional da isonomia, de forma que o mesmo não a estabelece para um réu que sustenta um direito na sentença final reconhecido como inexistente, mas apenas para o autor que "acelera" a efetivação do direito por ele deduzido mercê de antecipações depois revogadas.15

Para esse jurista não são diferentes ontologicamente as responsabilidades do Autor e do Réu no processo. Ou seja, quando este último se utiliza de forma inadequada dos mecanismos de defesa processuais também deveria responder pelos danos causados no caso da antecipação dos efeitos da tutela.

Todavia é de ser observado que o Réu tem um ônus de reagir a pretensão do autor decorrente da teoria da relação jurídica processual, de modo que sua conduta não somente é licita como também é compreendida como um exercício absolutamente regular do direito de defesa.

Ademais, o réu tem uma postura passiva, ou seja, não é ele quem aciona a atividade jurisdicional, portanto, não dá causa em última análise aos prejuízos decorrentes da tutela concedida de forma indevida, razão pela qual incabível qualquer idéia de responsabilização civil pela concessão da tutela de urgência.

Evidente que o Réu não é imune a responsabilizações civis no processo quanto ao cumprimento da tutela antecipada. Verifique-se, v.g, o disposto no art. 14, V, e parágrafo único do C.P.C.

Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo:

[...] 

V - cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.

Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado

Parece claro, portanto, que o sistema brasileiro ao dispor sobre a responsabilidade objetiva da parte que demanda a tutela antecipada fundamentada na teoria do risco é aderente a idéia de justiça.

Porém, a responsabilização civil na espécie exige mais do que a simples revogação ou modificação da decisão e a responsabilidade objetiva. Há a necessidade da presença do prejuízo efetivo assim como ocorre nos demais casos de responsabilidade civil tradicional.

A reparação deve ser a mais ampla e irrestrita possível, o que compreende os prejuízos efetivos compreendidos nos clássicos conceitos de danos materiais (danos emergentes e lucros cessantes) e dos danos morais.

A propósito desse tema, Carlos Alberto Carmona anota:

Trata-se, portanto, de dimensionar a responsabilidade integral do exeqüente pelos prejuízos que poderão decorrer de sua atividade açodada, com a eventual reforma da sentença em instância superior. E tal responsabilidade é total, integral e absoluta, ou seja, diz respeito tanto aos danos materiais (com todos os seus corolários) como também a eventuais danos morais: sim, pois a execução, embora provisória, permite a expropriação, com a alienação de bens, e o executado, sujeito a execução injusta, poderá ser submetido a humilhações que afetem sua honra e seu bom nome (imagine-se a alienação em hasta pública de biblioteca de um renomado professor universitário, ou de objetos de família – quadros, jóias, prataria – que estarão para sempre perdidos, pois a reforma da sentença exeqüenda não tornará inválidos os atos de alienação!)16.

Evidente, de outra parte, que há nexo de causalidade na espécie já que os prejuízos decorrem diretamente dos atos expropriatórios praticados pelo requerente da medida e beneficiado direto dos efeitos da antecipação da tutela.

A liquidação dos prejuízos se fará “nos mesmos autos por arbitramento”, conforme dispõe o Código de Processo Civil em seu art. 475-O, II.

Ou seja, não há necessidade de nova relação processual e nem tampouco titulo judicial. A execução se processa nos meus autos invertendo-se as polaridades e apurando-se o quantuam debeatur por arbitramento ou qualquer outra modalidade de liquidação exigida para o caso, conforme entendimento jurisprudencial aplicável ao caso das ações cautelares (CPC, art. 811).

4.2. Responsabilidade civil por execução de medidas cautelares indevidas

Em relação às medidas cautelares o Código de Processo Civil à semelhança das antecipações de tutela, contém disciplina própria prevista no art. 811 nos seguintes termos:

Art. 811. Sem prejuízo do disposto no art. 16, o requerente do procedimento cautelar responde ao requerido pelo prejuízo que Ihe causar a execução da medida:

I - se a sentença no processo principal Ihe for desfavorável;

II - se, obtida liminarmente a medida no caso do art. 804 deste Código, não promover a citação do requerido dentro em 5 (cinco) dias;

III - se ocorrer a cessação da eficácia da medida, em qualquer dos casos previstos no art. 808, deste Código;

IV - se o juiz acolher, no procedimento cautelar, a alegação de decadência ou de prescrição do direito do autor (art. 810).

Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos do procedimento cautelar.

Com efeito, a responsabilidade civil envolvendo a execução de tutela cautelar concedida indevidamente tem maior vivência na prática forense, porquanto o dispositivo é mais antigo.

Nesse caso, o legislador se preocupou em especificar as hipóteses nas quais seriam tipificadas como medidas indevidas. Em todas elas é pressuposto que a medida fora concedida indevidamente por provocação do autor.

Todas as afirmações concernentes a responsabilidade civil de natureza objetiva e fundamentada no risco acerca da antecipação da tutela (satisfativa) são aplicáveis ao caso das medidas cautelares.

Sobressai da leitura do dispositivo legal que o mecanismo de responsabilização e liquidação dos danos previstos pelo código para as medidas cautelares concedidas indevidamente serviu de inspiração para o art. 475-O do mesmo diploma.

Dessa forma, o estudo desse tema obtém resultado melhor quando realizado em conjunto, ou seja, o que se aplica para os procedimentos cautelares também se aplica para as antecipações de tutela num movimento sincrético que orienta para um conceito genérico de tutelas de urgência como pontifica Humberto Theodoro Junior:

Por fim, impende concluir que a responsabilidade objetiva, é a solução imposta pela lei para as medidas cautelares e para a execução provisória de sentença, com igual intensidade terá de ser observada também nas antecipações de tutela, dada a substancial identidade de razões que as justificam no plano normativo. Medida cautelar (conservativa) e medida antecipatória (satisfativa) são espécies distintas de um mesmo gênero – a tutela de urgência – porque ambas têm em comum a força de quebrar a seqüencia normal do procedimento ordinário, ensejando, sumariamente, provimentos que, em regra, só seriam cabíveis depois do acertamento definitivo do direito da parte. É bom lembrar que no direito comparado sequer se faz separação entre medida cautelar e a medida antecipatória. Ambas se incluem no poder geral de cautela, onde, como, v.g., no direito italiano, no francês, no alemão, etc.17

Contudo dois aspectos relativos às medidas cautelares merecem destaque diante da controvérsia que suscitam. O primeiro relaciona-se com a concessão de oficio da medida e o segundo com a sentença de parcial procedência no processo principal. Nestas duas hipóteses quais seriam as responsabilidades do autor?

Mesmo na concessão de oficio da medida cautelar, o autor continua sendo responsável pelos danos que o provimento causar ao demandado. Isto ocorre por dois fundamentos: o primeiro deles repousa na teoria da responsabilidade objetiva pelo risco beneficio.

Por essa teoria, aquele que foi beneficiado com a medida deve responder pelos danos causados para que essa vantagem tivesse lugar. Tem fundamento, ainda, na vedação do enriquecimento sem causa, pois se afigura absolutamente contrário ao bom senso que o autor seja enriquecido com um provimento de antecipação de tutela em detrimento do réu.

É bem verdade que existem posições contrárias pugnando pela responsabilização do estado ou do próprio juiz pessoalmente nos casos de dolo ou fraude (CPC, art. 133) diante da ausência de pedido do autor e atuação ex officio.

Todavia, a adoção da teoria da responsabilidade civil objetiva pelo risco criado ou pelo risco-benefício justifica com maior aderência à justiça nesta solução. Afinal, o autor deu causa em última analise a atuação jurisdicional na pretensão de uma tutela definitiva contra o réu. Assim, o mero deslocamento no tempo da tutela pretendida ou as medidas cautelares necessárias para garantir esse direito, não fazem transmudar essa realidade, razão pela qual, a atuação do estado (exceto nos casos do art. 133 do C.P.C.) continua sendo realizada sob a responsabilidade do autor.

Quanto ao segundo aspecto relacionado com a hipótese do art. 811, I, do C.P.C. especificamente quando o processo principal receber o decreto de provimento parcial dos pedidos há necessidade de alguma ponderação.

Neste caso deverá ser apurado se houve excesso de execução da medida cautelar. Por outras palavras, se o Autor sucumbiu na parte do pedido relacionado com o provimento cautelar respectivo, terá inegavelmente responsabilidade objetiva pela reparação dos danos correspondentes.

Noutro sentido, ou seja, se a sucumbência parcial no processo principal não afetar o provimento cautelar usufruído pelo autor não haverá nenhum dever de reparação.

A solução pregada por Humberto Theodoro Junior parece equânime e bem fundamentada:

Em sede de doutrina, já tivemos oportunidade de concluir que a responsabilidade civil em matéria de medidas cautelares ou provisórias rege-se, simplesmente pelo princípio da sucumbência (HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, Processo cautelar. 19. ed., São Paulo: Leud, 2000, p. 176). Mesmo que nenhum ato ilícito pratique o autor da ação cautelar ou da execução provisória, julgada improcedente a ação principal, ou extinta a eficácia da medida concedida, por alguma das causas arroladas no art. 811, injustos tornaram-se os efeitos dos atos executivos provisórios para a parte contrária. Tudo se passa à semelhança do ato danoso praticado em estado de necessidade. O agente tinha o direito reconhecido de praticá-lo, mas, se a vítima não tinha o dever de suportar o prejuízo, cabe ao agente proceder ao competente ressarcimento, embora tenha agido na licitude (Código Civil, arts. 160, 1.519, 1.520).18

Evidente que a aplicação desses princípios não pode impedir o acesso à justiça. Por essa razão só podem se verificar a posteriori, ou seja, quando efetivamente comprovada a ocorrência dos danos e a injustiça da pretensão deduzida.

Essa idéia de correlação entre a aceleração da tutela jurisdicional contrabalanceada pela responsabilidade civil do autor aparece também sob outras figuras processuais.

Confiram-se, v.g. as responsabilidades do autor que demanda a busca e apreensão com fulcro nas disposições acerca da alienação fiduciária (DL 911/69):

Art 3º. O Proprietário Fiduciário ou credor, poderá requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciàriamente, a qual será concedida liminarmente, desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor.

[...]

§ 6º Na sentença que decretar a improcedência da ação de busca e apreensão, o juiz condenará o credor fiduciário ao pagamento de multa, em favor do devedor fiduciante, equivalente a cinqüenta por cento do valor originalmente financiado, devidamente atualizado, caso o bem já tenha sido alienado. (Redação dada pela Lei 10.931, de 2004)

§ 7º A multa mencionada no § 6º não exclui a responsabilidade do credor fiduciário por perdas e danos.

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Sobre o autor
Hamilton Donizeti Ramos Fernandez

Mestrando em Direito pela FADISP - Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo. Advogado em São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDEZ, Hamilton Donizeti Ramos. Execução e efetivação das medidas de urgência:: responsabilidade civil por medidas de urgência indevidas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3940, 15 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27716. Acesso em: 19 abr. 2024.

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