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Probatio diabolica e fato negativo:

a distribuição do ônus da prova

Leia nesta página:

O presente trabalho busca abordar a questão da distribuição do ônus da prova ante a alegação de fato negativo, no contexto da chamada prova diabólica.

1. INTRODUÇÃO

Esse ensaio propõe que seja analisado, à luz do sistema processual vigente, com arrimo em doutrina, se a prova de fato negativo é sempre diabólica, e como ficaria a distribuição do ônus de prova em tais situações.

2. DESENVOLVIMENTO

Preliminarmente, impende tecer breve nota acerca do papel assumido, no processo, pelo fato negativo e, apenas superada essa etapa, tratar de sua prova. Não se prescinde, nesse estirão, de certo grau de acuro terminológico: não é o fato negativo que se prova, mas as alegações acerca desse fato. É que, em processo, o objeto da prova não são os fatos per se, mas as alegações que os sujeitos processuais deduzem nos autos a seu respeito[1].

Nesse escorço, cumpre distinguir as negativas absolutas das relativas. Com efeito, negativas absolutas correspondem à afirmação tout court de um não-fato, indeterminado no espaço e/ou no tempo, ao passo em que as negativas relativas condizem com a afirmação de um não-fato, definido no espaço e/ou no tempo, confirmado por um fato outro, positivo, que se lhe contrapõe[2]. A distinção não é ociosa, e influi sobremodo na distribuição do ônus da prova.

Seria negativa absoluta assegurar, v.g., que “nunca li determinado livro” ou, inda, que “nunca estive em determinado lugar”. A respeito da negativa relativa, Marcus Vinícius Rios Gonçalves apresenta exemplo didático e autoexplicativo: “é possível que eu prove […] que não fui a determinada festa, porque estava em outro local, ou que não viajei em determinado período, pois estive trabalhando”[3]. Note que, nos cenários delimitados pelo autor, a negativa sempre encontra suporte em uma afirmativa (pontuada no espaço e/ou no tempo) que lhe subjaz.

Dando seguimento à discussão, “prova diabólica” é expressão que se dirige aos casos em que sua produção se revela impossível, ou, quando menos, excessivamente dispendiosa para a parte.

De posse dessas ideias preambulares, é possível seguir adiante.

Aprova de uma alegação sobre fato relativamente negativo nada tem de diabólica, bastando que o sujeito processual onerado pelo encargo probante se desincumba de demonstrar a substancialidadede um fato positivo que se lhe contrapõe. Basta, portanto, provar a ocorrência de um fato positivo antíctone ao fato negativo que se quer ver demonstrado.

A par desta peculiaridade, Fredie Didier leciona que “[...] nem todo fato negativo é impossível de ser provado, demandando prova diabólica – afinal, viu-se, acima, que os fatos relativamente negativos são perfeitamente susceptíveis de serem provados”.[4]

Dessarte, quando a parte deduz alegação de fato relativamente negativo, enquanto não-fato constitutivo de seu direito, incumbe a ela o ônus de atestar o fato positivo contraposto, como forma indireta de demonstrar o fato negativo. No mesmo sentido, quando deduz alegação de fato relativamente negativo, enquanto não-fato desconstitutivo do direito de seu adversário, incumbe-lhe comprovar sua ocorrência pela demonstração de um fato positivo que lhe é antípode.

Em casos tais, conforme aduz Didier, o juiz pode agir de duas formas diferentes: ou mantém a regra legal do onus probandi (cf. Código de Processo Civil, art. 333, I), ou, percebendo que aparte ex adversa tem melhores condições de atender ao encargo, redistribui, dinamicamente, o ônus da prova, invertendo-o no momento processual oportuno, sem olvidar do respeito ao devido processo legal.[5]

Pode ser diabólica, todavia, a prova de alegação acerca de fato absolutamente negativo. Essa qualidade decorre não de sua negatividade em si,mas de sua indeterminabilidade. É que a prova sempre deve recair sobre fato determinado.

Nesse diapasão, Daniel Amorim Assumpção Neves expõe que “[...] o problema é o fato negativo indeterminado (fatos absolutamente negativos), porque nesse caso é até possível a prova de que a alegação desse fato é falsa, mas é impossível a produção de prova de que ela seja verdadeira”[6].

Em hipóteses desse jaez, ante a impossibilidade ou excessiva dispendiosidade da produção probatória, é possível surgir duas situações avizinhadas, que escalam em grau de complexidade: i) a da prova unilateralmente diabólica (impossível ou extremamente difícil para uma das partes), e; ii) a da prova bilateralmente diabólica (impossível ou extremamente difícil para ambas as partes).

Quando se está diante de prova unilateralmente diabólica, impossível de ser produzida pela parte a quem dela se incumbe ordinariamente, mas susceptível de ser produzida pelo seu adversário processual, deve o julgador redistribuir dinamicamente o ônus da prova, com sua inversão na fase de saneamento, obrigando o sujeito capaz de ser cometido por essa tarefa processual[7].

É em face da prova bilateralmente diabólica que a situação ganha contornos de maior gravidade. Aqui, seria demasiadamente iníquo inverter o ônus da prova, pois qualquer das partes se desveste de meios para comprovar a “veracidade” daquilo que alega. Seria anti-isonômico e profundamente injusto aliviar o encargo de um sujeito em total detrimento do outro, que se encontra em situação analogamente desfavorável.

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Quando sucede deste modo, têm-se o que Marinoni[8]convencionou chamar de crise de inesclarecibilidade. Em situações desse viés, pode, o juiz, ao fim da instrução probatória, não chegar a um mínimo de convencimento acerca de como se passaram os fatos, estando proibido, entretanto, de pronunciar o non liquet. Diante disso, deve o magistrado distribuir dinamicamente o ônus da prova, proferindo decisão contrária àquele que, com sua conduta material, assumiu o ônus da inesclarecibilidade, definindo, em cada caso, a regra de julgamento aplicável.

3. CONCLUSÃO

Em apertada síntese, conclui-se que nem sempre será diabólica a prova de fato negativo, o que pode ocorrer quando se estiver diante da necessidade de comprovar alegações sobre fatos absolutamente negativos (indeterminados). Supondo que assim ocorra, deve, o magistrado, aplicar o ônus da prova dinamicamente, invertendo-o em desfavor do sujeito processual mais capacitado para dele se desincumbir, ou, não sendo isso possível, decidir em desfavor daquele que assumiu, inequivocamente, com sua conduta material, o risco da inesclarecibilidade.


4. NOTAS

[1] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 50. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 412-413. 

[2] DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de Direito Processual Civil. 6. ed. Salvador: Jus Podivm, 2011, p. 90.

[3] GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 496.

[4] DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de Direito Processual Civil. 6. ed. Salvador: Jus Podivm, 2011, p. 93.

[5] idem.

[6] NEVES, Daniel Aamorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 4. ed. São Paulo: Método, 2012, p. 420.

[7] DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. op. cit., p. 93.

[8] MARINONI, Luís Guilherme. Formaão da Convicção e Inversão do Ônus da Prova segundo as peculiaridades do caso concreto. Disponível em: <http://http://jus.com.br/artigos/8845/formacao-da-conviccao-e-inversao-do-onus-da-prova-segundo-as-peculiaridades-do-caso-concreto>. Acesso em: 20 abr 2014.


5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Cursode Direito Processual Civil. 6. ed. Salvador: Jus Podivm, 2011.

GONÇALVES,Marcus Vinícius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado.2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MARINONI,Luís Guilherme. Formaão da Convicção e Inversão do Ônus daProva segundo as peculiaridades do caso concreto. Disponível em:<http://http://jus.com.br/artigos/8845/formacao-da-conviccao-e-inversao-do-onus-da-prova-segundo-as-peculiaridades-do-caso-concreto>. Acessoem: 20 abr 2014.

NEVES,Daniel Aamorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil.4. ed. São Paulo: Método, 2012, p. 420.

THEODOROJÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geraldo direito processual civil e processo de conhecimento. 50. ed.Rio de Janeiro: Forense, 2009.

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Sobre o autor
Eduardo de Figueiredo Andrade Paz

Especialista em Direito Tributário, advogado militante, sócio do Escritório Campelo & Sá Advogados Associados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAZ, Eduardo Figueiredo Andrade. Probatio diabolica e fato negativo:: a distribuição do ônus da prova. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3948, 23 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27853. Acesso em: 20 nov. 2024.

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