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Municípios x taxistas: a problemática nos alvarás de estacionamento

29/04/2014 às 08:44
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O presente artigo pretende esclarecer a problemática semântica que houve na interpretação da norma Constitucional e a efetiva aplicabilidade do ato administrativo autorizador do alvará de estacionamento pertencente aos taxistas profissionais.

I. INTRODUÇÃO

Em virtude das inúmeras pelejas judiciais em trâmite em diversos Municípios do país, elaboramos o presente artigo com o fito de esclarecer a problemática semântica que houve na interpretação da norma Constitucional e a efetiva aplicabilidade do ato administrativo autorizador do alvará de estacionamento pertencente aos taxistas profissionais.


I. A SEMÂNTICA DO ATO ADMINISTRATIVO DE AUTORIZAÇÃO

Irrelevante se mostra o NOMEN IURIS dado pelas Municipalidades para a atividade econômica conferida ao serviço de táxi, pois trata-se de um ato administrativo denominado “autorização”, como muito bem explanado, pelo juízo “a quo”, na sentença de mérito da AÇÃO CIVIL PÚBLICA[1] que tramita na 13º Vara da Fazenda Pública da Cidade de São Paulo.

O julgador da 13º vara da Fazendo Pública explica que:

“Devemos lembrar que o que caracteriza um serviço público é o fato de o Estado assumir a prestação destes serviços e colocá-la sob a regência do direito público. O fato de uma determinada função não ser caracterizada como serviço público não a eximirá de regulação estatal se esta for de interesse coletivo, não prescindindo da fiscalização ou autorização por parte da Administração.

No âmbito do Município de São Paulo, não obstante o interesse público que cerca a atividade, as Leis Municipais n° 7.329/69 e 10.308/87 conferem ao serviço de táxi o tratamento de atividade econômica. A exploração deste serviço, embora seu exercício encontre-se condicionado à prévia expedição de autorização, não o transforma em serviço público.

Trata-se de atividade econômica de relevante interesse público (art. 1º da Lei Municipal n° 7.329/69) que por isto é intensamente disciplinada e regulamentada, no exercício das limitações administrativas (“poder de polícia”), por meio do ato administrativo denominado autorização.”

Inicialmente, antes de adentrarmos à fundo na questão, devemos esclarecer alguns pontos semânticos, apenas à título de explanações, para que seja evitado qualquer divergência ou dubiedade de entendimentos.

O ato administrativo, segundo o respeitável Celso Antonio Bandeira de Mello[2], é:

“declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes - como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional.”

A partir desta brilhante conceituação, partimos da premissa de que um ato administrativo é, também, uma manifestação de vontade do estado, como bem delimita Marçal Justen Filho[3]:

“Ato administrativo é uma manifestação de vontade funcional apta a gerar efeitos jurídicos, produzida no exercício de função administrativa.”

Tal exercício de função administrativa possui veículos instrumentais escritos próprios para que possa ser efetivado diante dos particulares, direta ou indiretamente. São eles, por meio de: Decreto, Regimento, Instrução, Resolução, Alvará, dentre outros.

O instrumento escrito à ser utilizado pela administração para efetivar o ato administrativo dependerá da identidade do sujeito titular da competência e de seu conteúdo. No caso em tela, temos a presença do instrumento denominado Alvará, o qual é, segundo Marçal Justen Filho, o “instrumento utilizado pela Administração, usualmente, para formalizar a outorga de uma autorização ou licença a um particular para o desempenho de atividades sujeitas à regulação estatal”[4] (grifo nosso). Desta feita, verificamos, aqui, que, quanto à instrumentalidade procedimental do ato Administrativo, correto se fez o entendimento do douto juiz de primeiro grau quando prolatou a negativa dos efeitos da tutela antecipada, e, mais adiante, da sentença de mérito, pois compartilha de nossa linha de entendimento, a qual trata– se, em verdade, de uma autorização de um serviço público e não uma permissão ou concessão, como defendido pelo Respeitável Ministério Público.

A partir dessas explicações sobre a matéria, se faz necessário distinguir a classificação dos atos administrativos. Agora, quanto ao seu conteúdo, para que possamos delimitar, ainda mais, a ideia aqui defendida. Classificam-se os atos, quanto aos seus conteúdos, em sendo: Regulamento, Licença, Autorização, Permissão, Concessão, Homologação, Aprovação, Certidão, Atestado. Destes nove, limitemo–nos nas três possibilidades possíveis e cogitadas de ato para o caso, aqui examinado, que são: Concessão, Permissão e Autorização.

A Concessão de serviço público é o contrato administrativo pelo qual a Administração (Poder Concedente), em caráter não precário (pouca duração), faculta a alguém (Concessionário) o uso de um bem público, a responsabilidade pela prestação de um serviço público ou a realização de uma obra pública, mediante o deferimento da sua exploração econômica submetido ao regime de direito público.

Marçal Justen Filho[5], sobre concessão, explica que:

“Concessão é expressão genérica, abrangente de inúmeras e heterogêneas manifestações administrativas. O ponto em comum entre todas elas, como bem apanhado por Celso Antônio Bandeira de Mello, é se constituírem em "atos ampliativos da esfera jurídica de alguém".- Na origem, mesmo vocabular, da ideia de concessão está a atribuição a um sujeito privado de faculdade de que ele não era, até então, titular. Mas a proliferação de regimes jurídicos para as diversas hipóteses de concessão tornou inviável seu tratamento unitário. Assim, por exemplo, é impossível tratar de modo unitário a concessão de cidadania e a concessão de serviço público.”

Sendo assim, concluímos que Concessão é uma espécie de contrato administrativo através da qual se transfere a execução de serviço público para particulares, por prazo certo e determinado. Os prazos das concessões são maiores que os dos contratos administrativos em geral. O Poder Público não poderá desfazer a concessão sem o pagamento de uma indenização, pois há um prazo certo e determinado. Assim, a concessão não é precária (não pode ser desfeita a qualquer momento). Distanciando-se do objeto de estudo, a partir destas conclusões.

Enquanto a Permissão não passa de um contrato pelo qual o Poder Público (Permitente), em caráter precário, faculta a alguém (Permissionário) o uso de um bem público ou a responsabilidade pela prestação de um serviço público.

Helly Lopes Meirelles[6], explica que:

“Permissão é o ato administrativo negocial, discricionário e precário, pelo qual o Poder Público faculta ao particular a execução de serviços de interesse coletivo, ou o uso especial de bens públicos, a título gratuito ou remunerado, nas condições estabelecidas pela Administração. Não se confunde com a concessão, nem com a autorização: a concessão é contrato administrativo bilateral; a autorização é ato administrativo unilateral. Pela concessão contrata-se um serviço de utilidade pública; pela autorização consente-se numa atividade ou situação de interesse exclusivo ou predominante do particular; pela permissão faculta-se a realização de uma atividade de interesse concorrente do permitente, do permissionário e do público.”

Ambos institutos, Concessão e Permissão, embora distintos, se assemelham no que diz respeito a serem formas de contratação com a administração pública, por esse motivo são regulados pelo Art. 175 da Constituição Federal e, consequentemente, pela Lei 8.987/95, devendo, obrigatoriamente, serem precedidos de certame licitatório.

Entretanto devemos tomar certos cuidados ao enquadrar, equivocadamente, autorizações administrativas no texto legal do artigo 175 de nossa Carta Maior, pois tal enquadramento fere a legalidade da forma que um ato administrativo possuí.

Autorização nada mais é que um ato administrativo unilateral discricionário pelo qual o Poder Público faculta a alguém, em caráter precário, o exercício de uma dada atividade material (não jurídica),ou seja, para autorizar um taxista, portador do CONDUTAX à exercer suas atividades na cidade de São Paulo, será necessário requerer à municipalidade uma AUTORIZAÇÃO de um ponto fixo, o qual terá caráter precário – validade de um ano – para, então, exercer uma atividade material – ter o direito de se alocar num ponto fixo – concedido pela autoridade administrativa – agente público – de forma discricionária (preenchido os requesitos pré-determinados em lei e apurados por agente legalmente investido no poder público.

O sábio Helly Lopes Meirelles[7] ensina que pela autorização consente-se por ato administrativo uma atividade ou situação de interesse exclusivo ou predominante do particular que não contraria o interesse público.

No agravo de instrumento, interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, muitas são as justificativas para solicitar a cessação, a não transferências e as expedições dos alvarás de estacionamento aos taxistas, todas elas sob alegações de eventuais irregularidades cometidas pelo poder público ao longo dos anos. Entretanto, há que se ressaltar, que a motivação do pedido está equivocado, pois apresenta vício de conexão entre o pedido e a causa de pedir, visto que, conforme já demonstrado anteriormente, o alvará é uma forma pela qual são expedidas as licenças e autorizações, ou seja, estas são conteúdo e àquela são a forma.

Para embasar o argumento acima apresentado, podemos enfatizar o dito pelo douto julgador de primeiro grau, na setença que resolveu o mérito da Ação Civil Pública, quando diz que:

“Entendo que os serviços de táxi atendem a uma necessidade de interesse geral, uma necessidade coletiva, mas que, por serem atividades privadas e exercidas por particulares, dependem de autorização do Poder Público, sendo por ele regulamentadas e fiscalizadas. Não se trata de atividade própria da Administração ou de serviço essencial, mas sim de atividade de interesse coletivo, que pode, portanto, dispensar o processo licitatório sem que haja nenhuma violação a princípio constitucional. Não se pode negar a sua utilidade e relevância para a coletividade, daí a necessidade de fiscalização e regulamentação, mas não há a aplicação do regime jurídico administrativo às autorizações concedidas pelo Poder Público Municipal.

O doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello assim definiu:

'... hipóteses existirão em que, por força de lei, uma dada atividade econômica, isto é, pertinente aos particulares e não ao Estado -, deva ser precedida de autorização; ou seja, de uma prévia manifestação administrativa, destinada a verificar, no exercício de polícia administrativa, se será desempenhada dentro de condições compatíveis com o interesse coletivo...' (in: Curso de Direito Administrativo, 30ª Edição, Malheiros Editores, São Paulo: 2013 pág. 701).

Outro ponto que devemos ressaltar é o da concessão da autorização para que a atividade seja realizada. A prof.ª Maria Sylvia Zanella di Pietro, assim definiu a autorização:

'... designa o ato unilateral e discricionário pelo qual a Administração faculta ao particular o desempenho de atividade material ou a prática de ato que, sem esse consentimento, seriam legalmente proibidos.' (in: Direito Administrativo, 26ª Edição, Ed. Atlas, São Paulo: 2013 pág. 234).

A precariedade do Alvará de Estacionamento concedido pela Prefeitura apresenta a indicação de que se trata de um serviço particular controlado e fiscalizado pela Administração Pública. Esta precariedade está presente no artigo 6º da Lei Municipal 10.308/87, que introduziu alterações na Lei 7.329/69: Art. 6º - A Prefeitura poderá, a qualquer tempo, cassar a inscrição no Cadastro Municipal de Condutores de Táxi, o Alvará de Estacionamento e o Termo de Permissão sem qualquer direito de indenização ao permissionário (…)

Como se denota na lei, este Alvará tem natureza jurídica de autorização, pode ser revogado a qualquer tempo, é unilateral e não tem caráter contratual, o que não se encaixa na definição de permissão de serviço público, sujeita aos ditames da Lei 8.666/93, que institui as normas do procedimento licitatório e que não deve ser utilizada para situações precárias, sem caráter contratual que devem ser regidas por meio de autorizações.

Diante do exposto, não nos parece acertada a pretensão do autor em declarar nulas todas as autorizações concedidas desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, bem como o de obrigar o Município a instaurar o processo licitatório para a autorização de novos alvarás de estacionamento.”

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No momento que cita brilhantes doutrinadores para explicar que a atividade exercida pelos taxistas não se trata de uma permissão e sim de uma autorização, o julgador encontra amparo doutrinário para embasar o seu entendimento que, à nosso ver, é corretíssimo no que tange ao Direito Administrativo pátrio.

Mais adiante, ainda na mesma linha de raciocínio, o sábio julgador justifica o não cabimento da revogação parcial dos artigos 19 e 20 da Lei Municipal 7.329/69, se não vejamos:

“Também nos parece infundada a declaração, incidenter tantum, da revogação parcial dos artigos 19 e 20 da Lei Municipal n. 7.329/69 e dos arts. 26 e 27 do Decreto n. 8.439/69. A transferência do Alvará de Estacionamento a que se referem os artigos mencionados está sujeito à autorização e regulamentação do Poder Público, uma vez que há diversos requisitos para que esta transferência aconteça, preservando o 'poder de polícia' da Administração. Além disso, a recente edição da Lei 12.587/12, com alteração na Lei 12.865/13, veio a encerrar a discussão sobre a possibilidade da transferência dos referidos Alvarás e a competência dos Municípios em fazê-lo, em seus artigos 12 e 12-A:

Art. 12. Os serviços de utilidade pública de transporte individual de passageiros deverão ser organizados, disciplinados e fiscalizados pelo poder público municipal, com base nos requisitos mínimos de segurança, de conforto, de higiene, de qualidade dos serviços e de fixação prévia dos valores máximos das tarifas a serem cobradas. (Redação dada pela Lei nº 12.865, de 2013)

Art. 12-A. O direito à exploração de serviços de táxi poderá ser outorgado a qualquer interessado que satisfaça os requisitos exigidos pelo poder público local. (Incluído pela Lei nº 12.865, de 2013)

§ 1o É permitida a transferência da outorga a terceiros que atendam aos requisitos exigidos em legislação municipal. (Incluído pela Lei nº 12.865, de 2013)

§ 2o Em caso de falecimento do outorgado, o direito à exploração do serviço será transferido a seus sucessores legítimos, nos termos dos arts. 1.829 e seguintes do Título II do Livro V da Parte Especial da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). (Incluído pela Lei nº 12.865, de 2013)

§ 3o As transferências de que tratam os §§ 1o e 2o dar-se-ão pelo prazo da outorga e são condicionadas à prévia anuência do poder público municipal e ao atendimento dos requisitos fixados para aoutorga. (Incluído pela Lei nº 12.865, de 2013)

Fica clara a necessidade de anuência do Poder Público Municipal e a necessidade de que os requisitos impostos à expedição de autorização devem ser atendidos, não cabendo, portanto, a revogação dos artigos acima referidos.”

Para finalizar a ideia aqui defendida, trazemos os ensinamentos de Marçal Justen Filho[8], quando explica sobre os tipos da atividade administrativa, mais especificamente, os serviços públicos, que diz:

“...existem serviços que não são públicos, mas que atendem a relevantes interesses. Costuma-se utilizar a expressão serviço público virtual e se propôs, acima, a expressão serviços de interesse coletivo. A hipótese abrange os casos de transporte por meio de táxi, profissões regulamentadas, atividades de hotéis, bancos, seguros etc.

A hipótese está prevista no art. 170, parágrafo único, da CF, que faculta à lei subordinar o exercício de certas atividades a uma autorização estatal prévia. O ato estatal destina-se a verificar o preenchimento pelo particular dos requisitos necessários. A intervenção do Estado, nesses casos, não atinge a natureza do serviço nem altera O regime jurídico sob o qual se desenvolve, ainda que se imponham requisitos para o desempenho das atividades e se as subordine a controle de intensidade variável.

Todo aquele que preencher os requisitos previstos em lei terá direito a desenvolver as atividades pertinentes. Portanto, a intervenção estatal não apresenta um cunho constitutivo do direito ao exercício da atividade, mas se trata de um ato de cunho declaratório. Bem por isso, não se trata de transferir ao particular o exercício de uma atividade pública.

Enfim, concedem-se serviços públicos; autorizam-se serviços privados. A autorização de serviço público é juridicamente possível, mas apresenta relevância reduzida...”

Sendo perfeito o entendimento jurídico de que o objeto aqui discutido trata-se de uma autorização e não de uma permissão ou, quiçá, de uma concessão de serviço público. Perfeitamente passível a recepção dos respectivos artigos da Lei 7.329/69, que trata do assunto em pauta, para com nosso texto Constitucional. Assim como é perfeitamente justificador a impetração de um remédio constitucional para que os detentores deste direito deixe de tê–lo tolido, por um equivoco semântico.


II. PRINCÍPIO SOCIAL DO TRABALHO

Sob o aspecto legal, não se tem dúvida de que a decisão que nega a concessão e quaisquer transferências de alvarás, exarada pela 4º Câmara de Direito Público, no exame do Agravo de Instrumento, trazida ao caso pelo DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES PÚBLICOS, Sr. JOÃO MASSAYUKI SAKURAI, é ilegal, uma vez que é contrária ao livre exercício de trabalho, o qual é um direito fundamental, alcançado constitucionalmente, preceituado pelo inciso XIII, do artigo 5º da Carta Magna Brasileira, qual seja:

"XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

(grifos nossos)

No mesmo artigo, mais adiante, encontra-se o disposto no inciso LXIX, in verbis:

"LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus ou habeas-data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público".

Temos ainda, reiteração do referido direito, logo após, no artigo 6º da Carta Maior que diz:

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

(grifos nossos)

Insta salientar que o trabalho tem por finalidade, essencialmente, conferir dignidade ao ser humano, traduzindo uma das formas de exteriorização da cidadania, não se podendo considerá-lo apenas em seu aspecto econômico.

Ricardo Antunes[9] bem define o Princípio Social do Trabalho, quando diz que:

A história da realização do ser social, muitos já o disseram, objetiva-se através da produção e reprodução da sua existência, ato social que se efetiva pelo trabalho. Este, por sua vez, desenvolve-se pelos laços de cooperação social existentes no processo de produção material. Em outras palavras, o ato de produção e reprodução da vida humana realiza-se pelo trabalho. E a partir do trabalho, em sua cotidianidade. que o homem torna-se ser social, distinguindo-se de todas as formas não humanas.”

Ainda devemos ressaltar que estamos em ano de copa do mundo e a profissão aqui discutida é essencial numa época que, dificilmente, se repetirá tão cedo. Além da queda significativa de ganhos que a categoria vêm tendo, tal negativa impediria, ainda mais, o seu direito de laborar ascendentemente neste momento atípico e benéfico para seus resultados econômicos.

Numa remota hipótese de aceitação do dito pelo respeitável Ministério Público, tal preceito fundamental não poderia se opor ao princípio da obrigatoriedade de prévia licitação (como alegado pelo MP), pois numa gradação de princípios devemos observar àqueles que são necessários primariamente e àqueles que são necessários secundariamente, partindo da premissa de que ambos devem ser obedecidos.

Entendemos e respeitamos que através do Princípio da Obrigatoriedade de Licitação, todas as obras, serviços, compras e alienações contratadas pelo Poder Público devem ser feitos por meio procedimento licitatório, isto para que haja igualdade de condições entre os concorrentes. Entretanto, vemos no caso aqui estudado que, ao final, mesmo que aceito o dito no pedido da Ação Civil Pública, o objetivo da administração seria, tão somente, sanar um vício, por ela causado, pois os alvarás de estacionamento iriam para àqueles que sempre viveram do ofício. Claro que o procedimento licitatório é requisito de exigência do texto constitucional, para os casos de concessão e permissão de serviços públicos, mas o caos não pode ser instaurado, e, muito menos, os autorizados prejudicados por ter havido um, suposto, erro da administração.

Neste sentido, podemos apontar, por analogia, o dito no julgado do Resp do STJ, quanto aos contratos administrativos que não são precedidos de licitação, mas que ao final prosperam no mesmo resultado prático, como se licitados fossem, que diz:

“11. Ad argumentandum tantum, a teoria das nulidades, em sede de direito administrativo, assume relevante importância, no que pertine ao alcance dos efeitos decorrentes de inopinada nulidade, consoante se infere da ratio essendi do art. 59 da Lei nº 8.666/1991: “[...] A invalidação do contrato se orienta pelo princípio do prejuízo – vale dizer, aplica-se o princípio da proporcionalidade, para identificar a solução menos onerosa para o interesse público. Na ausência de prejuízo ao interesse público, não ocorre a invalidação. Suponha-se, por exemplo, que a contratação direta (sem prévia licitação) não tenha sido precedida das formalidades necessárias. No entanto e posteriormente, verifica-se que o fornecedor contratado era o único em condições de realizar o fornecimento. Não haveria cabimento em promover a anulação, desfazer os atos praticados e, em sequencia, praticar novamente o mesmo e exato ato realizado anteriormente [...]” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 9. ed. São Paulo: Dialética, 2002).” (STJ, REsp 658.130/SP, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, J. 05.09.2006, DJ 28.09.2006, p. 195 – grifos nossos)

Sendo assim, são perfeitamente legais as autorizações de novos alvarás de estacionamento, assim como as respectivas transferências dos alvarás já fornecidos, pois a legislação vigente não exige certame licitatório para tal categoria de ato administrativo, por tudo que já foi exposto, e, ainda, que o fosse, teríamos o advento da proteção ao princípio social do trabalho, sem que grandes prejuízos fossem suportados por uma categoria de profissionais que sustentam suas famílias com o ganho honesto da atividade laborativa em pauta, os quais foram, recentemente, impedidos por um equivoco semântico.

A conclusão que se pode extrair de tudo o que fora esposado, é que: (i) o alvará concedido aos taxistas nada mais é do que ato administrativo denominado "autorização"; (ii) perfeitamente viáveis as expedições de novos alvarás de estacionamento e suas respectivas transferências, pois tais atos não exigem certame licitatório, segundo determinação da legislação vigente; (iii) qualquer óbice ao exercício profissional dos taxistas configura afronta ao princípio social do trabalho.


Notas

[1]AÇÃO CIVIL PÚBLICA n. 0016639 – 80.2013.8.26.0053, da 13 ª Vara da Fazenda Pública da Capital de São Paulo/SP

[2]Mello, Celso Antônio Bandeira. CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO 30º ED., Editora Malheiros, 2013, pág. 389;

[3]Justen Filho, Marçal. CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO. 8º ED., Editora Fórum, 2012, pág. 343;

[4]Justen Filho, Marçal. CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO. 8º ED., Editora Fórum, 2012, pág. 375;

[5]Justen Filho, Marçal. CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO. 8º ED., Editora Fórum, 2012, pág. 380;

[6]Meirelles, Hely Lopes. DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO, Editora Malheiros, 2001;

[7]Meirelles, Hely Lopes. DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO, Editora Malheiros, 2001;

[8]Justen Filho, Marçal. CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO. 8º ED., Editora Fórum, 2012.

[9] ANTUNES, Ricardo. Trabalho e Estranhamento, in Adeus ao Trabalho? Ensaio Sobre as Metamorfoses e a Centralidade do Mundo do Trabalho, p. 123.

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Sobre a autora
Francine Delfino Gomes

Coordenadora do curso de Direito da Ung - Campus Itaqua. Advogada, Doutora e Mestre em Direito na Universidade Católica de Santos, Pós Graduada em Direito Tributário no IBET (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários), Pós Graduada em Direito Público. Professora Universitária nas matérias de Direito Público do curso de Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Francine Delfino. Municípios x taxistas: a problemática nos alvarás de estacionamento . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3954, 29 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27887. Acesso em: 25 abr. 2024.

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