O simulacro de arma de fogo como majorante no crime de roubo

27/04/2014 às 23:11
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Busca-se com o presente trabalho, conhecer a divergência existente sobre a utilização do simulacro de arma de fogo como causa de aumento de pena no delito de roubo.

O SIMULACRO DE ARMA DE FOGO COMO MAJORANTE NO CRIME DE ROUBO:

Felipe Augusto dos Santos, Advogado, Graduado em Direito pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo – Unidade Lorena e Pós – Graduando em Direito Processual Penal pela Universidade Anhanguera em parceria com a Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes.

1 – INTRODUÇÃO:

            Objetiva-se com o presente trabalho, o conhecimento da problemática envolvendo o tema em questão, buscando-se identificar a possibilidade ou não do simulacro de arma de fogo ser utilizado para majorar a pena no delito de roubo.

2 – CAUSA DE AUMENTO DE PENA:

            Antes de debatermos o núcleo da questão, convém ressaltarmos que, em inúmeros casos, o termo, qualificadora, é erroneamente relacionado ao parágrafo 2º do artigo 157 do Código Penal Brasileiro, sendo que na verdade, tal dispositivo, traz causas de aumento de pena ou majorantes, como também são denominadas.

            Em síntese, podemos dizer causa de aumento de pena, pois ela na verdade, não modifica a pena base, mas sim, impõe certa quantidade a ser exasperada na reprimenda, senão vejamos:

§ 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade:

            Por outro lado, diz-se qualificadora, quando a pena base prevista no caput do tipo penal é alterada, passando a ser superior em determinadas situações descritas pela lei, como ocorre, por exemplo, na qualificadora do crime de homicídio.     

§ 2° Se o homicídio é cometido:

 I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;

...

        Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

            Esse é o entendimento de Fernando Capez:

“As agravantes previstas no § 2º, I a V do artigo 157 são erroneamente denominadas “qualificadoras”. Não é correto o emprego desse termo, pois, tecnicamente, trata-se de causa especial de aumento de pena, a incidir na terceira fase de aplicação da pena”. {C}[1]{C}

3 – SIMULACRO DE ARMA DE FOGO E A SÚMULA 174 STJ:

            Antigamente, era pacífico o entendimento de que a utilização de simulacro de arma de fogo era suficiente para majorar a pena do indivíduo, tendo inclusive o Superior Tribunal de Justiça formalizado a súmula nº 174, a qual informava:

STJ Súmula nº 174 - 23/10/1996 - DJ 31.10.1996 - Cancelada - RESP 213.054-SP - 24/10/2001

Roubo - Arma de Brinquedo

 No crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento de pena.

           

            Porém, como se nota logo acima, a referida súmula foi cancelada no ano de 2001, após ganhar força à corrente doutrinária contrária à caracterização da causa de aumento.

             O entendimento que antes era majoritário e pacífico, atualmente se tornou minoritário, mas ainda capaz de causar grandes dúvidas e divergências entre alguns estudiosos.

4 – CONFIGURA-SE CAUSA DE AUMENTO?

           

            Entendemos que sim. O tipo penal em questão utiliza o termo arma, com a intenção de conferir ao agente uma maior sensação de periculosidade e consequentemente, na vítima, um maior temor.

            É indiscutível que, o poder intimidatório que a arma, sendo simulacro ou não, causa à vítima, é suficientemente capaz de majorar a reprimenda, pois em alguns casos, ela se torna essencial para a consumação do delito.

            Imaginemos como exemplo, um indivíduo, franzino, que aborda uma vítima com o dobro de seu tamanho, saca um simulacro em perfeito estado e idêntico a uma arma de fogo e anuncia o assalto. Suas chances de consumação do delito serão muito maiores, do que se estivesse munido de um pedaço de madeira ou de ferro, devido à intimidação causada pelo artefato. Portanto, justa seria, a configuração da majorante prevista no parágrafo 2º, inciso I, do artigo 157 do Código Penal.

           

            Esse é o entendimento de Fernando Capez:

“O fundamento dessa causa de aumento é o poder intimidatório que a arma exerce sobre a vítima, anulando-lhe a sua capacidade de resistência. Por essa razão, não importa o poder vulnerante da arma, ou seja, a sua potencialidade lesiva, bastando que ela seja idônea a infundir maior temor na vítima e assim diminuir a sua possibilidade de reação. Assim, a arma de fogo descarregada ou defeituosa ou o simulacro de arma (arma de brinquedo) configuram a majorante em tela, pois o seu manejamento, não obstante a ausência de potencialidade ofensiva, é capaz de aterrorizar a vítima”. {C}[2]{C}

            No mesmo sentido, preleciona Nelson Hungria:

“A ameaça com uma arma ineficiente (ex. revólver descarregado) ou fingida (ex. um isqueiro com feitio de revólver), mas ignorando o agente tais circunstâncias, não deixa de constituir a majorante, pois o ratio desta é a intimidação da vítima”. {C}[3]{C}

            Este também é o entendimento do presente julgado:

 

 

0013023-93.2004.8.26.0609   Apelação  

Relator(a): Airton Vieira

 

Comarca: Taboão da Serra

 

Órgão julgador: 1ª Câmara Criminal Extraordinária

 

Data do julgamento: 10/03/2014

 

Data de registro: 17/03/2014

 

Outros números: 130239320048260609

 

Ementa: APELAÇÃO. ROUBO DUPLAMENTE MAJORADO. EMPREGO DE ARMA DE FOGO. CONCURSO DE AGENTES. AUTORIA COMPROVADA. REGIME FECHADO. IMPROVIMENTO DO RECURSO. 1. A autoria do crime restou comprovada pelas provas coligidas aos autos, bem móvel que fora encontrado na posse do comparsa delator do réu, além de farto material probatório oferecido pelas testemunhas. Depoimento da vítima. Validade. Em nada macula o fato da vítima não ter reconhecido o réu um dia depois do fato, na delegacia, e, em Juízo, muito tempo depois, ter apontado o réu como uns dos autores do crime. Pois a versão apresentada pela vítima encontra-se harmonicamente filiada com os outros elementos trazidos aos autos. Além do mais, não há indicação de que a vítima viesse a apontar pessoa estranha e potencialmente inocente, de forma gratuita, de crime tão grave, ainda mais quando o único interesse dela é contribuir para a efetiva prestação jurisdicional. Testemunho de policiais. Aceito. Os depoimentos dos policiais, no caso, militares, merecem total credibilidade e servem, perfeitamente, para supedâneo da prolação de sentença condenatória, depoimentos estes que, em Juízo, harmônicos entre si, sintonizaram-se com os seus depoimentos prestados extrajudicialmente, bem como com o depoimento judicial da vítima. Inexiste qualquer impedimento ou suspeição nos depoimentos, judiciais que sejam, prestados por policiais, sejam civis ou militares, mesmo porque seria um contrassenso o Estado, que outrora os credenciara para o exercício da repressão criminal, outorgando-lhes certa parcela do poder estatal, posteriormente, quando os chamassem à prestação de contas, perante o Poder Judiciário, não mais lhes emprestasse a mesma credibilidade no passado emprestada. 2. Reconhecimento da arma de brinquedo simulacro para fins de reconhecimento da majorante prevista no art. 157, §2º, I, do Código Penal. Cabimento. O Código Penal, no caso sob luzes, reclama que a grave ameaça decorra do emprego de "arma" e nas circunstâncias do caso concreto, ainda que se aceite que a arma de fogo, confessadamente usada pelo réu, fosse de brinquedo, não se pode negar que ela assumiu o conceito de "arma", que é todo instrumento que, sob o ponto de vista da pessoa para quem ele é mostrado, pode produzir-lhe mal, pode feri-la, ainda que apenas sob o critério subjetivo, no caso, da vítima, que desconhece tratar-se, como no caso presente, de simulacro de arma de fogo. 3. Concurso de agentes devidamente comprovado pela palavra da vítima e confissão dos menores partícipes do crime. Causa que mantém a majorante do crime de roubo. Sentença que fixou em 1/3 pelo mínimo legal. 4. A imposição de regime inicial fechado para cumprimento de pena fundamentou-se em fato concreto, tendo em vista as graves circunstâncias da hipótese vertente, bem como o "quantum" da pena definido e a reincidência do acusado. Manutenção. 5. Improvimento do recurso.

 

                Por outro lado, parte da doutrina (majoritária) defende a impossibilidade de configuração da causa de aumento de pena. Para os adeptos, um dos motivos seria a potencialidade lesiva que a arma real traz e o simulacro não.

            É o que preleciona Mirabete:

“Realmente, embora o instrumento utilizado, simulacro de arma, seja idôneo para intimidar, quando a vítima se julga diante de arma verdadeira, não é apto para causar risco à vida ou danos à integridade física da vítima, razão da existência da qualificadora. Arma fictícia, se é meio idôneo para a prática de ameaça, o que é elemento do crime de roubo, não é bastante para qualificar o delito”.  {C}[4]{C}

            Outrossim Celso Delmanto:

“Se à qualificadora bastasse a intimidação subjetiva da vítima com a arma de brinquedo, coerentemente não se deveria reconhecê-la quando o agente usa arma real, mas o ofendido acredita ser ela de brinquedo... Além, do mais, não se pode equiparar o dolo e a culpabilidade do agente que emprega arma de brinquedo, descarregada ou imprópria ao disparo, com o de quem utiliza arma verdadeira, carregada e apta”. {C}[5]{C}

            Por fim, Claudia Viana Garcia:

“Princípio da lesividade: arma de brinquedo, por não possuir nenhuma capacidade lesiva, não representa, quando empregada, maior grau de ofensividade (lesão ou perigo concreto de lesão) aos bens jurídicos tutelados pela norma ínsita no tipo descrito no caput do art. 157 (roubo simples), que aliás já prevê a “grave ameaça” como seu elemento. Assim, somente a arma verdadeira, em face de sua concreta periculosidade, pode ensejar o especial aumento de pena no delito de roubo”. {C}[6]{C}

            Respeitando-se os nobres posicionamentos acima elencados, entendemos que a intenção do legislador ao inserir a causa de aumento de pena (artigo 157, Parágrafo 2º, inciso I) foi a de, no mínimo, causar um maior temor à vítima, e não necessariamente colocar sua vida em risco.

            Igualmente, com relação à problemática levantada por Delmanto, referente à equiparação do dolo e da culpabilidade do agente que emprega a arma de brinquedo, com a de quem utiliza arma verdadeira e apta, ao nosso sentir, não é capaz de afastar a existência da majoração, pois, basta o magistrado na terceira fase da fixação da pena, variar o aumento a ser fixado na reprimenda, do mínimo ao máximo, de acordo com as circunstâncias do caso concreto.  

            Portanto, para os adeptos de tal posição, a utilização de simulacro de arma de fogo, somente serviria para realizar a grave ameaça exigida no caput, respondendo o agente pelo delito na sua forma simples.

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            É o que entende Luiz Regis Prado, ao dissertar que, a utilização de arma de brinquedo na prática de roubo configura tão somente o delito insculpido no artigo 157, caput (roubo simples), sendo inidônea para determinar o aumento de pena. {C}[7]{C}

            Vejamos agora, alguns julgados nesse sentido:

 

Ementa: APELAÇÃO CRIME. ROUBO. CRIME CONSUMADO. GRAVE AMEAÇA. SIMULACRO DE ARMA DE FOGO. REINCIDÊNCIA. 1 - Tendo o acusado sido detido quando ainda estava em fuga - após exitosa perseguição feita pela testemunha presencial, com auxílio de policiais -, tem-se que não consolidou a posse tranquila e indisputada do bem subtraído. Assim, a manutenção da desclassificação para a forma tentada do delito se impõe. 2 - O fato de anunciar assalto e simular a utilização de arma de fogo bastam para configurar a grave ameaça descrita no tipo do artigo 157 do CP , já que causam o temor à vítima exigido pela elementar. 3 - É constitucional a aplicação da reincidência, que inclusive decorre de previsão expressa da lei e em relação a qual inexiste declaração de inconstitucionalidade pelo Pretório Excelso. Ao revés, o Plenário do STF assentou a constitucionalidade da aplicação da referida agravante quando do julgamento do RE 453.000/RS, cuja repercussão geral foi reconhecida. APELO DEFENSIVO IMPROVIDO. POR MAIORIA, APELO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70057076267, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francesco Conti, Julgado em 04/12/2013).

TJ-SP – Apelação Criminal com Revisão ACR 1127494320000000 SP (TJ-SP) – Data da Publicação: 03/02/2009. Ementa: Apelação: Roubo qualificado com emprego de simulacro de arma - Conjunto probatório suficiente a condenação - Agente preso após a prática delitiva, sem a res furtiva, que se encontrava com os comparsas, os quais fugiram - Afastamento da tentativa e da qualificadora do simulacro de arma - Absolvição - Impossibilidade - Alteração do regime fixado para o semi-aberto, tendo em vista a certidão constante dos autos, que não demonstra maus antecedentes, nem reincidência - Apelo parcialmente provido, para afastar a qualificadora do emprego de arma e, conceder-lhes o regime semi- aberto para o início do cumprimento da pena, condenando-o à pena de 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, além do pagamento de 13 (treze) dias-multa, no valor mínimo legal, como incurso nas sanções do artigo 157 , § 2a , inciso II , do Código Penal .

           

5 – CONCLUSÃO:

            Portanto, apesar de agora minoritária, ainda entendemos que o emprego do simulacro de arma de fogo no delito de roubo, é apto a configurar a causa de aumento de pena prevista no parágrafo 2º do artigo 157 do Código Penal Brasileiro, levando-se em consideração, o temor causado à vítima e não necessariamente a periculosidade causada à sua vida.

6 – REFERÊNCIAS:

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal Parte Especial. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

CUNHA, Rogério Sanches. Direito Penal Parte Especial. 3. ed. São Paulo: RT, 2010.

MIRABETE, Julio Fabbrini. FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal Parte Especial. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

DELMANTO, Celso et al. Código Penal Comentado. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

PRADO, Luis Regis. Comentários ao Código Penal. 5. ed. São Paulo: RT, 2010.

GARCIA, Claudia Viana. Emprego de Arma de Brinquedo não Qualifica o Delito de Roubo. Disponível em: < http://atualidadesdodireito.com.br/claudiaviana/2011/10/18/emprego-de-arma-de-brinquedo-nao-qualifica-o-delito-de-roubo/>. Acesso em: 25 de abril de 2014.


[1] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal Parte Especial. Volume 2. 10ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 470.

[2] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal Parte Especial. Volume 2. 10ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 470.

[3] Apud, CUNHA, Rogério Sanches. Direito Penal Parte Especial. Volume 3. 3ª Edição. São Paulo: RT, 2010, p. 144.

[4] MIRABETE, Julio Fabbrini. FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal Parte Especial. Volume 2. 26ª Edição. São Paulo: Atlas, 2009, p. 205.

[5] DELMANTO, Celso et al. Código Penal Comentado. 8ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 573.

[6] GARCIA, Claudia Viana. Emprego de arma de brinquedo não qualifica o delito de roubo. Em: < http://atualidadesdodireito.com.br/claudiaviana/2011/10/18/emprego-de-arma-de-brinquedo-nao-qualifica-o-delito-de-roubo/>. Acesso em: 25 de abril de 2014.

[7] PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal. 5ª Edição. São Paulo: RT, 2010, p. 534.   

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Felipe Augusto dos Santos

Advogado. Graduado em Direito pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo - Unisal Lorena. Pós - Graduando em Direito Processual Penal pela Universidade Anhanguera em Parceria com a Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes.<br>

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