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Princípios: características e funções

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5 Do conflito entre regras e entre princípios.

Não obstante a importância de todos os critérios tratados no item anterior, grande parte da doutrina assinala que a diferença entre regras e princípios reside na forma como se solucionam os conflitos entre dois (ou mais) princípios, entre duas (ou mais) regras e entre seres destas espécies normativas.

Inicialmente, a natureza das regras (direcionar diretamente a conduta) já indicaria sua propensão a ter um âmbito restrito e predeterminado de aplicação41. Nesse aspecto, os conflitos entre regras de direito se solucionariam a partir de dois critérios: a inserção de uma cláusula de exceção e a declaração da nulidade de uma das regras42.

A primeira solução evidencia a pragmaticidade própria dos conflitos entre duas regras de Direito. A cláusula de exceção permite que duas regras, aparentemente antagônicas, coexistam em um sistema jurídico. O seu mecanismo de atuação consiste em confinar a validade de uma delas a uma circunstância específica ao passo que a outra será tida por inaplicável ao caso concreto. É importante notar que, por este critério, a regra preterida não será considerada inválida em todo e em qualquer caso: a cláusula de exceção implica em dizer que uma regra não vale naquele caso, mas sim em outro (ainda que hipotético).

Já o segundo critério de solução implica na declaração de nulidade da regra preterida diante do caso concreto. Na verdade, o que acontece é a análise da validade da regra e, conseqüentemente, da sua aplicabilidade. Assim, se uma regra não vale, é impossível que gere efeitos jurídicos.

Atentando para os desdobramentos dos dois critérios acima, percebe-se que o conflito entre regras se resolve na esfera da validade.

Diferentemente, o mecanismo de solução de conflitos entre princípios seria totalmente diverso. O fundamento disso seria a própria natureza destas entidades normativas, que não estariam confinadas a um campo restrito de aplicação. De fato, segundo Robert Alexy43, os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Assim, diante de um caso concreto, a situação normal é a colisão entre princípios, que não se resolve no âmbito da validade, mas da sua importância44.

Nestas situações, reclama-se a aplicação da técnica da ponderação ou, conforme preferem alguns doutrinadores, do superprincípio da proporcionalidade45. Nessas situações, não se pode dizer que um deles seja válido ou inválido, nem que o outro seja ou não aplicável.

Nas hipóteses em que dois princípios concorrem em determinada situação, exemplificativamente, quando algo é vedado por um deles, mas permitido por outro, entende-se que um dos dois deve recuar. Porém, deve-se esclarecer que a preferência de um deles não acarreta a nulidade do outro, nem mesmo na inserção de uma cláusula de exceção. Poder-se-ia traduzir esta solução pela afirmação de que num conflito entre princípios, ambos poderiam prevalecer naquela situação. Contudo, terá preferência somente aquele que melhor se adequar à situação.

Com isso pode-se afirmar que, enquanto as normas são aplicáveis à proporção do tudo ou nada, os princípios de Direito possuem uma importância valorativa diferente em alguns casos concretos. Conseqüentemente, aquele que detiver o maior peso sobrepujará os demais.

A par disso tudo, pode-se afirmar que os conflitos de regras se dão na esfera da validade, ao passo que os de princípios se desenvolvem fora de tal dimensão, já que somente princípios válidos podem colidir46.

Não obstante estas considerações serem endossadas por grande parte da doutrina, observa-se que alguns autores têm importantes ressalvas a fazer.

Nesse sentido, Humberto Ávila pontifica que as regras não tem necessariamente um âmbito de aplicação predeterminado:

“(...) há regras que contém expressões cujo âmbito de aplicação não é (total e previamente) delimitado, ficando o intérprete encarregado de decidir pela incidência ou não da norma diante do caso concreto. Nessas hipóteses, o caráter absoluto da regra se perde em favor de um modo mais ou menos de aplicação. O livro eletrônico é um bom exemplo de que somente um complexo processo de ponderação de argumentos a favor e contra sua inclusão no âmbito da regra de imunidade permite decidir pela imunidade relativa a impostos”.

“Todas essas considerações demonstram que a afirmação de que as regras são aplicadas ao modo do tudo ou nada só tem sentido quando todas as questões relacionadas à validade, ao sentido e à subsunção final dos fatos já estiverem superadas. Mesmo no caso de regras essas questões não são facilmente solucionadas. Isso porque a vagueza não é traço distintivo dos princípios, mas elemento comum de qualquer enunciado prescritivo, seja ele um princípios, seja ele uma regra”47 (grifos do original).

Prosseguindo, afirma o autor que o método da ponderação é também aplicável ao conflito entre regras:

“Com efeito, a ponderação não é método privativo de aplicação dos princípios. A ponderação ou balanceamento (weighing and balancing, Abwägung), enquanto sopesamento de razões e contra-razões que culmina com a decisão de interpretação, também pode estar presente no caso de dispositivos hipoteticamente formulados, cuja aplicação é preliminarmente havida como automática (no caso de regras, consoante o critério aqui investigado)...”48.

Para tornar mais clara a sua posição, o autor formula o exemplo de conflito entre duas regras: a primeira, a de que o juiz não pode conceder liminar que esgote o objeto litigioso contra a Fazenda Pública (art. 1.º da Lei 9494/97); a segunda, a que determina que o Estado deve fornecer gratuitamente medicamentos excepcionais para pessoas que não puderem custeá-las (art. 1.º da Lei 9.908). Nesse caso em específico, analisa Humberto Ávila:

“Embora essas regras instituam comportamentos contraditórios, uma determinando o que a outra proíbe, elas ultrapassam o conflito abstrato mantendo a sua validade. Não é absolutamente necessário declarar a nulidade de uma das regras, nem abrir uma exceção a uma delas. Não há a exigência de colocar uma regra dentro e outra fora do ordenamento jurídico. O que ocorre é um conflito concreto entre as regras, de tal sorte que o julgador deverá atribuir um peso maior a uma das duas, em razão da finalidade que cada uma delas visa a preservar: ou prevalece a finalidade de preservar a vida do cidadão, ou se sobrepõe a finalidade de garantir a intangibilidade da destinação já dada pelo Poder Público às suas receitas. Independentemente da solução a ser dada – cuja análise é ora impertinente –, trata-se de um conflito concreto entre regras, cuja solução, sobre não estar no nível da validade, e sim no plano da aplicação, depende de uma ponderação entre as finalidades que estão em jogo”49 (grifos do original).

Dessa forma, o autor afirma que “não é coerente afirmar que somente os princípios possuem uma dimensão de peso”50. Esta análise se divide em dois aspectos. O primeiro se remete à sobredita circunstância de que também a aplicação das regras exige o sopesamento de razões. Assim, “a dimensão axiológica não é privativa dos princípios, mas elemento integrante de qualquer norma jurídica”51.

No segundo, o autor nega que a dimensão de peso seja algo já incorporado aos princípios:

“As normas não regulam sua própria aplicação. Não são, pois, os princípios que possuem uma dimensão de peso: às razões e aos fins aos quais eles fazem referência é que deve ser atribuída uma dimensão de importância. A maioria dos princípios nada diz sobre o peso das razões. É a decisão que atribui aos princípios um peso em função das circunstâncias do caso concreto. A citada dimensão do peso (dimension of weight) não é, então, atributo abstrato dos princípios, mas qualidade das razões e dos fins a que eles fazem referência, cuja importância concreta é atribuída pelo aplicador. Vale dizer, a dimensão de peso não é um atributo empírico dos princípios, justificador de uma diferença lógica relativamente às regras, mas resultado de juízo valorativo do aplicador”52 (grifos do original).

Dessa forma, o autor conclui que a diferença entre o modo de aplicação de regras e de princípios (e a conexa problemática dos conflitos entre espécies normativas) não reside na dicotomia entre a regra do tudo ou nada (regras) ou da medida máxima (princípios), mas apenas no grau de predeterminação da conduta esperada:

“Ambas as espécies de normas devem ser aplicadas de tal modo que seu conteúdo de dever-ser seja realizado totalmente. Tanto as regras quanto os princípios possuem o mesmo conteúdo de dever-ser. A única distinção é quanto à determinação da prescrição de conduta que resulta da sua interpretação: os princípios não determinam diretamente (por isso prima-facie) a conduta a ser seguida, apenas estabelecem fins normativamente relevantes, cuja concretização depende mais intensamente de um ato institucional de aplicação que deverá encontrar o comportamento necessário à promoção do fim; as regras dependem de modo menos intenso de um ato institucional de aplicação nos casos normais, pois o comportamento já está previsto frontalmente pela norma”53.

Além de todas estas considerações, importa mencionar que os conflitos entre princípios e entre regras exigem a intervenção de normas processuais.

Conforme se explicitou, uma vez aceita a subsunção de certos fatos a uma regra, inevitavelmente decorrem as conseqüências jurídicas nela previstas, salvo se elas não sejam válidas por conflitarem com outras de um grau superior. Nessas situações, diversamente do que se dá com princípios, que ainda que contraditórios não deixam de integrar a ordem jurídica, a regra de grau inferior é derrogada54.

Nesse contexto, é óbvio que pode haver dissensão quanto à subsunção dos fatos à hipótese legal. Para dirimir tal problema é que são indispensáveis mecanismos processuais que proporcionem (e imponham) a formulação de um consenso racional: instituições que estabeleçam um procedimento a ser adotado, em que se franqueie a oportunidade de demonstrar fatos e argumentos a propósito de interpretações divergentes55.

Quanto aos princípios, porém, há uma sutil distinção. Eles próprios já são produto de um consenso a respeito da adoção de certos valores. Assim, o conflito só pode ser democraticamente solucionado com a “garantia do dissenso, do debate sobre eles, na instância competente do Poder Público”56. Aqui, o processo não é apenas um método destinado a concretizar os valores contidos nos princípios, mas é ele próprio o resultado de uma valoração: a efetivação da democracia, finalidade que com ele se pretende alcançar57.

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Diz-se que situação diversa das tratadas até aqui é o caso de confronto entre princípio e regra. Nessas hipóteses, há quem sustente que o princípio sempre deve prevalecer, desde que previsto expressamente.

Esclarecem estes que somente haveria o consenso necessário sobre o princípio quando ele estivesse explicitamente formulado em um texto legal. Caso contrário, o princípio “poderia ser objeto de aceitação por uns e não-aceitação por outros”58. Assim, eventual dificuldade de identificação dos princípios normatizadores de determinado ramo do Direito poderia causar grave insegurança jurídica.

É importante notar a situação contraditória, já que o próprio princípio da segurança jurídica não está expressamente consagrado, tendo sido deduzido a partir da finalidade mesma da edificação do Estado – a solução das controvérsias dentro da sociedade a ele correspondente.

Marcus Orione Gonçalves Correia se ocupa da questão:

“No entanto, entendemos que, além dos princípios normatizados, aqueles que são consensualmente aceitos pela doutrina – ainda que não provenientes de norma expressa – deveriam prevalecer quando da interpretação ou integração do direito. Assim, mantém-se intacta a tão propagada segurança jurídica -, já que há uma consensualidade em relação ao princípio –, além de se prestigiarem os princípios em detrimento de normas que se encontram em incompatibilidade com estes (ainda que não normatizados)”59.

Apesar de todo o esforço despendido na formulação de teses a respeito da prevalência de um princípio sobre uma regra no caso de conflito, toda esta discussão pode ser colocada em outros termos. Na verdade, conforme bem assinala Willis Santiago Guerra Filho, quando se chocam regra e princípio “é curial que este deva prevalecer, embora aí, na verdade, ele prevalece, em determinada situação concreta, sobre o princípio em que a regra se baseia”60. Assim, o conflito entre regra e princípio deve ser tecnicamente traduzido pelo confronto entre dois princípios. Conseqüentemente, a solução será dada pelos já analisados critérios próprios a esta espécie normativa.

Diante do exposto, é possível afirmar que é relativamente mais fácil verificar se uma regra foi descumprida. Isto porque, num conflito entre duas regras, necessariamente uma delas deve ser tida por inválida, mediante a aplicação dos critérios de integração próprios de cada sistema normativo.

Em contrapartida, os princípios são proporcionalmente muito mais gerais (se considerarmos os indivíduos a que eles se referem) e abstratos (quanto aos fatos juridicizados) do que as regras. Isto permite que, num embate entre princípios, um ceda espaço a outro, sem que o primeiro se tenha por totalmente violado.

Desta sorte, surgem como notas individualizadoras dos princípios o seu maior grau de abstração e a sua maior necessidade de um ato institucional que os concretizem. Ademais, afirma-se o processo como condição indispensável para a aplicação de regras e princípios e mais especificamente, como instrumento de efetivação da democracia.


6 Funções dos princípios no ordenamento jurídico.

Fixados os contornos conceituais a propósito dos princípios, superadas as objeções acerca da sua normatividade e discriminados das normas-regras, importa investigar as funções por eles desempenhadas dentro do ordenamento jurídico.

Já de início, deve-se mencionar a versatilidade funcional das entidades jurídicas ora em comento. Tal circunstância é afirmada por grande parte da doutrina e especialmente pela jurisprudência dos princípios. No presente trabalho, serão especificadas as funções diretiva ou programática, integrativa, fundamentadora, interpretativa, supletiva e limitativa, tidas por mais relevantes61.

Dentre os papéis desempenhados pelos princípios, um mais evidente e freqüentemente lembrado é o papel diretivo ou programático.

Juristas importantes, tais como José Afonso da Silva62, evitam empregar o vocábulo programático ao especificar esta função dos princípios. Tal cuidado leva em conta a carga semântica negativa dada àquela denominação à época em que se negava aos princípios o atributo da normatividade. Pretendendo evitar tal incômodo, tais autores preferem chamar tal função de diretiva.

A propósito deste cuidado com a denominação desta função, é de se lembrar que o próprio conceito de norma programática foi reformulado, afastando-se da clássica noção de mera enunciação (portanto, desprovida de qualquer eficácia) de um projeto a ser ultimado pelo Estado. Escrevendo a respeito dos direitos fundamentais – particular espécie de princípios jurídicos – Willis Santiago Guerra Filho lembra que a aptidão vinculativa das normas programáticas consiste em:

“servir de imposições legiferantes ou de imposições constitucionais fundamentadoras de um dever concreto de o Estado e poderes públicos dinamizarem, dentro das possibilidades de desenvolvimento econômico e social, a criação de instituições, procedimentos e condições materiais indispensáveis à realização e exercício efetivo dos direitos fundamentais”63.

Quanto ao significado da função diretiva ou programática, importa dizer que ela se refere à circunstância de que os princípios direcionam todo o sistema normativo para o atingimento de um objetivo específico. Esta meta assume diversas facetas: social, econômica, religiosa, cultural ou qualquer outra. A programaticidade freqüentemente exprime, além dos objetivos, os caminhos pelos quais o ordenamento jurídico (e o Estado) devem enveredar para atingi-los.

José Afonso da Silva, lembrando Ugo Natoli, ensina:

“... a Constituição, sob o plano histórico, aparece como a resultante de um acordo de respeito recíproco entre forças políticas diversas e, sob vários aspectos, contrastantes. E pode afirmar-se, com suficiente tranqüilidade, que os momentos fundamentais de tal acordo são indicados precisamente nas normas programáticas, com as quais se determinam os fins e as linhas de desenvolvimento da nova ordem, caracterizando o tipo de regime, que lhe está na base e que ela consagra, ou seja, um regime misto, que se exprime através das constituições convencionais, nas quais estão presentes forças políticas contrapostas”64.

De fato, a função programática era tradicionalmente o mote das teorias que negavam a normatividade dos princípios. Apesar de prejudicar a aplicabilidade imediata do mandamento neles encerrados a programaticidade não cassa esta característica fundamental àqueles entes normativos.

Prosseguindo, sublinhe-se que os princípios jurídicos são responsáveis pela integração entre as normas do sistema jurídico. É o desempenho satisfatória desta função que faz com que se enxergue uma unidade no complexo ordenamento jurídico. São os princípios que permitem o correlacionamento de normas aparentemente distantes, agrupando-as em torno de um propósito único.

Já a função fundamentadora se evidencia ao analisar que os princípios são uma fonte material básica e primária, dotados de força suficiente para gerar a lei e o costume, esculpi-los ou invalidá-los. Assim, eles chegar a se tornar fontes sustentadoras e fundamentadoras de outros princípios. Analisando esta capacidade, Paulo Bonavides concluiu que “os princípios são o oxigênio das Constituições na época do pós-positivismo”, pois graças a eles “os sistemas constitucionais granjeiam a unidade de sentido e auferem a valoração de sua ordem normativa”65.

Sobre este aspecto, José Joaquim Gomes Canotilho identifica esta função como característica dos princípios:

“(...) carácter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito: os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex.: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex.: princípio do Estado de Direito); (...) ‘proximidade’ da idéia de direito: os princípios são ‘standards’ juridicamente radicados nas exigências de ‘justiça’ (Dworkin) ou na ‘ideia de direito’ (Larenz); as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional; (...) natureza normogenética: os princípios são fundamento de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante”66 (grifos do original).

Além disso, os princípios também desempenham uma função interpretativa, auxiliando os juristas a fixar corretamente o conteúdo das normas positivadas.

De fato, por mais cauteloso e meticuloso que seja o trabalho legislativo, é impossível prever todas as situações reais em que aquela regra se preste a interpretações diametralmente opostas. Nestas hipóteses, o objetivo do exegeta deve ser o significado objetivo da norma, e não a vontade do legislador, Exatamente nestas situações é que os princípios acodem aos juristas na sua tarefa de espancar todas as incertezas e ambigüidades.

Com esteio em considerações similares a estas, Paulo Bonavides entende que todo sistema jurídico deve dedicar altivez aos princípios aos quais as regras se vinculam. Isto porque “os princípios clarificam o entendimento das questões jurídicas, por mais complicadas que estas sejam no interior de um sistema de normas”67. Os princípios não exprimem apenas o que é ou o que parece ser, mas o que deve ser ou o que é permitido que seja.

A par destas funções, as espécies normativas em análise desempenham o papel limitativa. Paulo Bonavides explica que “o princípio exige que tanto a lei como o ato administrativo lhe respeitem os limites e que, além do mais, tenham o seu mesmo conteúdo, sigam a mesma direção, realizem o seu mesmo espírito”68.

Assim, os princípios fixam os parâmetros materiais do pensar e do agir jurídicos. Ao servirem de substrato valorativo, delimitam os limites dentro dos quais se podem movimentar as expressões deônticas.

A função supletiva evidencia a característica da normatividade própria dos princípios. Nesse sentido, eles se identificam como fonte de direito quando a lei ou os costumes estão ausentes ou quando são insuficientes para solucionar determinado caso.

Vale salientar que a discussão doutrinária sobre as funções exercidas pelos princípio está longe de ser pacificada. De fato, vários autores apresentam classificações um pouco distintas da apresentada até aqui.

A saber, Wladimir Novaes Martinez69, associa cinco funções aos princípios.

A primeira delas seria a informadora: entende o autor que os princípios orientam a elaboração da norma.

Além disso, afirma que os princípios têm função normativa. Assim “quando se encontram contidos nas normas jurídicas, os princípios possuem poder de comando; não só o comando expresso da norma como o extraído do conjunto de normas”70.

Outro aspecto fundamental seria a indicação do sentido de orientação da legislação superveniente.

Conclui o precitado autor que as funções que mais interessam ao intérprete do direito são a integrativa e a interpretativa. A primeira expressaria a utilização dos princípios para preencher as lacunas deixadas pela lei; a segunda, para auxiliar nas técnicas de interpretação71.

Por sua vez, Willis Santiago Guerra Filho defende classificação específica para os princípios constitucionais. Entende o autor que existem princípios fundamentais estruturantes, princípios fundamentais gerais e princípios constitucionais especiais72.

Especifica o doutrinador que o princípio da dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental geral, que a doutrina demarca como “núcleo essencial dos direitos humanos”73. Os demais direitos fundamentais seriam princípios fundamentais especiais, derivados daquele princípio fundamental geral, que representariam a sua concretização.

Justifica-se a preocupação do autor pelo fato de que o ordenamento jurídico se apresenta ao intérprete sob a forma piramidal, de sorte que as normas que se situam à sua base buscam sua legitimidade em outras que estejam mais ao topo.

Nesse sentido, o grau de generalidade e de abstração das normas jurídicas aumenta quando migramos da base em direção ao topo. Sendo as normas-princípios institutos marcados por elevado grau de generalidade e de abstração, seu ambiente natural é a Constituição – diploma legal que ocupa o ponto mais alto do ordenamento jurídico.

Desta forma, as normas que consagram direitos fundamentais têm no texto constitucional seu habitat natural e na sua natureza principiológica sua nota identificadora74.

Embora estas classificações apresentem um número maior ou menor de funções, é possível verificar que elas gravitam em torno das que foram apresentadas na primeira classificação. Obviamente, não há especiações melhores ou piores, já que todas elas tratam de características inegavelmente atribuíveis aos princípios. Assim, o que se verifica é apenas é a maior ou menor atenção dada a cada uma delas por cada doutrinador.

Em verdade, o que realmente importa é entender que os princípios de Direito não exercem uma função específica no mundo jurídico, mas assumem os mais variados atributos. Desta sorte, evidencia-se a grande importância de investigar cientificamente as implicações de um princípio sobre o ordenamento jurídico.

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Sobre o autor
Alexandre Magno Borges Pereira Santos

Mestre em Direito Público, Pós-graduado em Direito Processual Civil, Procurador Federal (AGU)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Alexandre Magno Borges Pereira. Princípios: características e funções. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3964, 9 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28072. Acesso em: 20 abr. 2024.

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