5.Conclusão
A partir das informações aqui trazidas, conclui-se que:
1.a nova ordem Constitucional importou re-análise de toda a normativa infraconstitucional, o que inclui o Direito Penal e todos seus institutos;
2. a partir da noção de supremacia constitucional, estabelece-se a necessidade de se adequar a normatividade infraconstitucional à Norma fundante de todo o sistema. Embasada na noção de força normativa da Constituição e na noção de sistema constitucional entendido como sistema aberto de regras e princípios, procede-se a uma "filtragem constitucional", com o intuito de harmonizar valorativa e juridicamente, toda a ordem infraconstitucional, o que permite a não aplicação de uma série de normas conflitantes com a Constituição, não encontrando os dispositivos legais, com isso, o imprescindível suporte de validade;
3.a penal doutrina tradicional não procede a uma leitura da normatividade a partir de um "olhar constitucional" e de um prisma emancipatório, alicerçada numa noção garantista do Direito Penal, o que impede uma ampliação das garantias de um Estado Social e Democrático de Direito;
4.a partir desse instrumental prático-teórico, entende-se haver uma incompatibilidade vertical do instituto da reincidência em face da Constituição Federal de 1988, estando, com isso, desconforme com a Constituição (sendo, portanto, inválido), não podendo ser aplicado pelos Tribunais e devendo ser anulado o dispositivo legal que o prevê, pelo tribunal competente;
5.além de se analisar, de uma forma avançada, se os institutos previstos nas normativas infraconstitucionais discrepam da Constituição, devem os responsáveis pela sua aplicação e interpretação operarem como o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, o que permitirá, no caso concreto, aferir se o meio utilizado é compatível com o fim visado pelo legislador (sem se deixar de lavar em conta a legitimidade dos fins almejados pelos atos em geral), principalmente no que tange à aplicação do instituto da reincidência;
6.esse fenômeno de aplicação e interpretação diferenciada da encontrada majoritariamente na doutrina e nos tribunais, dos institutos de Direito Penal, permite que em outras oportunidades seja procedida a mesma atividade, estendendo os benefícios de um regime democrático a um maior número de cidadãos, sem nenhuma espécie de discriminação, o que nos parece totalmente condizente com um Estado que possui como um de seus objetivos fundamentais a construção de uma "sociedade livre justa e solidária"20 (grifo nosso), em que seu valor maior se encontra na dignidade da pessoa humana (crivo axiológico pelo qual deve perpassar a realidade normativa infraconstitucional).
6.Bibliografia
1.CANOTILHO, J. J. Gomes e MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra :Coimbra, 1991.
2.CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – parte geral - v. 1. 2ª ed. Revista. São Paulo :Saraiva, 2001.
3.CARVALHO, Márcia Dometila Lima de. Fundamentação Constitucional do Direito Penal. Porto Alegre, Fabris, 1992.
4.CARVALHO, Salo de. Comentário jurisprudencial: reincidência e antecedentes. Mensagem recebida por [email protected] em 20 out. 2000.
5.FRANCO, Alberto Silva. Código penal e sua interpretação jurisprudencial. 5ª ed. São Paulo :RT.
6.JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – parte geral. 21 ª. Ed. São Paulo : Saraiva, 1998.
7.KELSEN, Hans. Teoria pura do direito (trad. João Baptista Machado). 6ª. Ed. Coimbra :Coimbra, 1984.
8.LEITE, Eduardo de Oliveira. A monografia jurídica. Série métodos em direito vol. 1. 5ª ed. ver. atual. e ampl. São Paulo :RT, 2000.
9.MENDES, Gilmar Ferreira. Os direitos individuais e suas limitações. In: Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. IDP. Brasília :Brasília Jurídica, 2000.
10.MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Geral, v. 1.13 ª. Ed. São Paulo :Atlas, 1998.
11.SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem Constitucional: construindo uma nova dogmática jurídica. Porto Alegre : Sérgio Antônio Fabris Editor, 1999.
7.Notas
1 A expressão é utilizada por Luís Roberto Barroso em sua obra Interpretação e Aplicação da Constituição, p. 204, 1996.
2.BARROSO, Luís Roberto. O direito Constitucional e a efetividade de suas normas. O autor, em sua Nota Prévia assevera que "a reconstrução da dogmática jurídica constitucional envolveu diferentes esforços e recursos, que incluíram (i) a recupera,ao e releitura de conceitos e institutos clássicos; (ii) a elaboração e desenvolvimento de novas categorias jurídicas; (iii) a interação mais estreita com outros domínios jurídicos. A longa travessia, em suas prudências e ousadias, exigiu a superação de preconceitos ideológicos e dogmáticos (...). Em pouco tempo, quebrou-se o círculo vicioso da inércia generalizda me relação ao descumprimento da constituição."
3.KELSEN, Hans. Teoria pura do direito (trad. João Baptista Machado), p.310.
4.SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem Constitucional: construindo uma nova dogmática jurídica, p. 104.
5.CANOTILHO, J. J. Gomes e MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição, p. 45.
6.CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Geral, p. 434.
7.MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, p. 296.
8.JESUS, Damásio E. de. Direito Penal, p. 554.
9.MIRABETE, op. cit., p. 296.
10.FRANCO, Alberto Silva. Código penal e sua interpretação jurisprudencial, p.781.
11.CARVALHO, Márcia Dometila Lima de. Fundamentação Constitucional do Direito Penal. Porto Alegre, Fabris, 1992, p. 44
12. Texto do acórdão recebido de [email protected], juntamente com o artigo: CARVALHO, Salo de. Comentário Jurisprudencial – Reincidência e antecedentes. Mensagem recebida por [email protected] em 20 out. 2000.
13. FERRAJOLI, Luigi. "O direito como sistema de garantias", in "O novo em Direito e Política", Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 1997, p. 97
14. MENDES, Gilmar Ferreira. "Os direitos individuais e suas limitações". In. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. IDP. Brasília :Brasília Jurídica, 2000.
15. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. Saraiva, p. 204, 1996.
16. Id. ibidem, p. 200.
17. STRECK, Tribunal do Júri – Símbolos & Rituais, Livraria do Advogado Editora, 3ª edição, p. 63 a 68, Porto Alegre, 1998
18. ZAFFARONI, Rául Eugênio. "Reincidência: um conceito do direito penal autoritário", in Livro de Estudos Jurídicos n.º 3RJ, IEJ, 1991, p. 55 e 56.
19. CARVALHO, Salo de. Comentário Jurisprudencial: reincidência e antecedentes. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por [email protected] em 20 out. 2000.
20. Artigo 3º. Inciso II da Constituição Federal de 1988.