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Rede Nacional de Emergência de Radioamadores:

evolução, procedimentos e aspectos legais

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A existência de uma rede de radioamadores não é exclusividade do Brasil. Países como Estados Unidos da América, Japão, México, Espanha, Colômbia e Argentina também mantêm radioamadores em integração com autoridades competentes, sempre disponíveis e operantes nos casos de emergência e calamidades públicas.

Resumo: Este artigo busca facilitar o acesso às informações primordiais à execução do Serviço de Radioamador enquanto parte do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil. Tratando inicialmente do Radioamadorismo como atividade de importância para a Defesa Civil, discorre-se sobre a evolução desta forma de comunicação e sua legislação no cenário nacional, passando pela criação da Rede Nacional de Emergência de Radioamadores e suas normas técnico-operacionais. Abordam-se também as fases de atuação da Defesa Civil. Uma explanação sobre alguns aspectos jurídicos relacionados à atividade, como o poder de polícia administrativo, por exemplo, finaliza este artigo.

Palavras-chave: Defesa Civil; Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil; Rener; aspectos legais.


1. INTRODUÇÃO

As ações de defesa civil, assim como outros serviços públicos, estão previstas no ordenamento jurídico brasileiro.

A Rede Nacional de Emergência de Radioamadores (Rener) foi criada pela Portaria do Ministério da Integração Nacional (MI) nº 302, de 24 de outubro de 2001, e faz parte do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (SINPDEC), regido pela Lei Federal nº 12.608, de 10 de abril de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil.

Seu objetivo é prover ou suplementar os meios de comunicações usuais, quando estes não puderem ser acionados, em virtude de desastre, situação de emergência ou estado de calamidade pública (BRASIL, 2001).

Veremos um pouco as atribuições dos radioamadores integrantes da Rener quando no exercício das funções de agentes de defesa civil, além de alguns aspectos legais relacionados a esta modalidade de voluntariado.


2. RADIOAMADORISMO

Não há como tratar de radioamadorismo sem passarmos pela história do rádio.

O porto-alegrense Roberto Landell de Moura, padre e cientista-inventor, construiu o primeiro equipamento sem fio capaz de transmitir mensagens, em 1892. Antes de seu colega inventor italiano Guglielmo Marconi iniciar os testes com aparelhos congêneres (ALENCAR, M.; LOPES; ALENCAR, T., 2012).

Em 1894, Landell de Moura realizou, entre o alto da Avenida Paulista e o alto de Santana (cerca de oito quilômetros), em São Paulo, a primeira transmissão pública por meio de ondas hertzianas (ALENCAR, M.; LOPES; ALENCAR, T., 2012). Este aparelho foi patenteado no Brasil em 9 de março de 1901, sob o número 3279 (RODRIGUES, 2009).

A execução do Serviço de Radioamador é regulamentada no Brasil pela Resolução nº 449, de 17 de novembro de 2006, da Agência Nacional de Telecomunicações - Anatel.

A resolução tem por objetivo disciplinar as condições para execução do Serviço de Radioamador e a obtenção do Certificado de Operador de Estação de Radioamador (Coer).

O Serviço de Radioamador, por definição legal é:

(...) o serviço de telecomunicações de interesse restrito, destinado ao treinamento próprio, intercomunicação e investigações técnicas, levadas a efeito por amadores, devidamente autorizados, interessados na radiotécnica unicamente a título pessoal e que não visem qualquer objetivo pecuniário ou comercial. (BRASIL, 2006)

Tem-se aí então que o serviço, cuja regulamentação compete à Anatel, é de caráter voluntário e não visa vantagem pecuniária ou comercial qualquer.

Segundo Mauro Cerri Neto, 2007:

O voluntariado exerce extrema importância para o sucesso de uma Defesa Civil. É com o auxílio de trabalhos voluntários que o Estado presta serviços concernentes às atividades de defesa civil com maior facilidade. O profissional, de qualquer área, que é voluntário da Defesa Civil, além de estar exercendo a cidadania, está contribuindo para que os problemas existentes em sua comunidade sejam resolvidos.

Desse modo, fica fácil compreender como uma rede, formada por exclusivamente por voluntários, faz parte do SINPDEC, se colocando à disposição do interesse público quando da ocorrência de desastres. Porém, as especificidades serão vistas mais a frente.


3. DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA RENER

A Rener, apesar de criada em 2001, é fruto indireto do Decreto-Lei nº 5.628, de 29 de junho de 1943, quando o então Presidente da República Getúlio Vargas determinou que os radioamadores constituiriam a Reserva dos Serviços de Transmissões do Exército e de Radiocomunicações da Aeronáutica.

À época, período de guerra, ficou reconhecida a importância dos radioamadores nas telecomunicações brasileiras por meio daquele Decreto-Lei.

Possuindo as qualificações necessárias – o ingresso no Serviço de Radioamador também se dava por exames no antigo Departamento de Correios e Telégrafos –, o radioamador era classificado como radiotelefonista, radiotelegrafista ou radiotécnico, sendo nos dois últimos casos incorporado, no caso de convocação, como 3º Sargento e Subtenente, respectivamente.

Adianta-se que, com a Lei do Serviço Militar e o Estatuto dos Militares, além do advento da nova Constituição Federal de 1988, o Decreto-Lei nº 5.628/43, ainda que não revogado expressamente, o foi de forma tácita.

Em 2001, com a edição da Portaria MI nº 302, acompanhada das novas legislações de proteção e defesa civil e do novo Regulamento do Serviço de Radioamador, novamente se tem uma Rede, cuja convocação visa, conforme visto na introdução, prover ou suplementar as telecomunicações usuais prejudicadas por desastres, situações de emergência ou estado de calamidade pública.


4. INGRESSO E TREINAMENTOS

Poderão participar da Rede Nacional de Emergência de Radioamadores, em caráter voluntário, todo cidadão portador do Coer e as estações de rádio detentoras da Licença de Estação de Radioamador, expedida pela Anatel (BRASIL, 2001).

Caberá aos órgãos de Defesa Civil estadual ou municipais o treinamento dos radioamadores voluntários da Rener nos seguintes assuntos: comunicações de emergência, tráfego dirigido de mensagens pela rede ou repetidores, conhecimento técnico e ética operacional geral e específica para respostas aos desastres.

É previsto o exercício simulado anual, a fim de aperfeiçoar os voluntários da Rede, sob coordenação da Estação Federal da Rener, administrada pela Liga de Amadores Brasileiros de Rádio Emissão – Labre e pela Sedec.

A Coordenadoria Estadual de Defesa Civil, órgão subordinado à Casa Militar do Governo do Estado de São Paulo, por exemplo, promove os Cursos de Administração de Emergências para Radioamadores.

A Universidade Federal de Santa Catarina, através de seu Centro de Estudos e Pesquisas sobre Desastres – Ceped/UFSC, em parceria com a Sedec, realiza cursos gratuitos de Ensino à Distância para capacitar os agentes de defesa civil e população de forma geral. Alguns, por exemplo: Capacitação Básica em Defesa Civil; Curso de Gestão de Riscos e de Desastres: Contribuições da Psicologia; Capacitação em Prevenção, Controle e Atendimento Emergencial em Acidentes com Produtos Perigosos; dentre outros.


5. DA SUBORDINAÇÃO E ATIVAÇÃO DA RENER

Subordina-se operacionalmente à Sedec, especificamente ao Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres – Cenad, a quem também compete mobilizar recursos para pronta resposta às ocorrências de desastres.

A Rener se ativa de forma coordenada, seguindo o disposto em portaria ministerial1. Poderá ser ativada nos estados e municípios afetados por desastres, através dos Órgãos Estaduais de Defesa Civil e das Coordenadorias Municipais de Defesa Civil – Comdec, apoiadas pela Labre.

A ativação da rede pode se dar por qualquer radioamador cadastrado independente de instrução superior. A Anatel, a Labre, as estações coordenadoras federal, estadual e municipal deverão ser comunicadas sobre a ativação e o término de qualquer rede de emergência pelo responsável pela ativação.


6. PROCEDIMENTOS ÉTICOS, TÉCNICOS E OPERACIONAIS

Para um bom funcionamento da rede, deverão ser observados alguns procedimentos éticos, previstos na Portaria MI nº 331, de 7 de agosto de 2009, além dos previstos no Regulamento do Serviço de Radioamador (BRASIL, 2006).

Os integrantes da Rede deverão se familiarizar com outros radioamadores, objetivando conhecer o funcionamento de redes, suas normas e características de operação, evitando fazer críticas ou comentários de natureza alarmante.

Não colocar em risco de vida pessoas ou grupo de pessoas com informações de caráter pessoal, dando “a posteriori”, as informações necessárias.

A não veiculação de mensagens de cunho comercial ou pessoal de qualquer natureza, de caráter político-partidário ou de caráter religioso, como prevê a Resolução nº 449 da Anatel.

O cumprimento, de forma rigorosa, das frequências e dos horários estabelecidos pelo comando da Rener, a fim de não dispersar as comunicações.

A obrigação de efetuar salvamentos, resgates e outros auxílios à população atingida pela emergência é de exclusiva competência das autoridades constituídas, exceto nos casos de socorro pessoal e humanitário.

De forma técnica, os radioamadores providenciarão materiais, como fontes de alimentação elétrica de emergência, cabos, conectores, aparelhos complementares e outros, a fim de não suspender as comunicações quando uma Rede já formada.

Como padronização de frequências, a Portaria MI nº 331/09 estabeleceu:

(...) 3- Frequências

3.2.1.- Fonia

3.2.1.1- 3.765 kHz

3.2.1.2- 7.080 kHz (prioritária), 7130 kHz

3.2.1.3- 14.180 kHz

3.2.1.4- 21.230 kHz

3.2.1.5- 28.290 kHz

3.2.1.6- 146520 kHz e repetidores

3.2.1.7- 439000 kHz e repetidores

3.2.2- Digitais

3.2.2.1- 3.550 kHz

3.2.2.2- 7.040 kHz

3.2.2.3- 21.040, 21.070, 21340 kHz

3.2.2.4- 28.040, 28.120, 28.680 kHz

3.2.2.5- 145100 kHz e repetidores

3.2.2.6- 432080 kHz e repetidores (...) (BRASIL, 2009)

Assim, em qualquer local do Território Nacional, em caso de emergências, tem-se o referencial, observando-se que, conforme a demanda ou características técnicas (interferências estáticas, por exemplo) poderão ser utilizadas outras.

Observa-se ainda que, no caso de ativação da Rener, somente os radioamadores voluntários poderão fazer uso das frequências acima listadas, ou as destinadas ao tráfego de emergência, sob fiscalização prevista em lei pela Anatel, de acordo com a Portaria MI nº 307/09 (BRASIL, 2009).


7. FASES DE ATUAÇÃO

Defesa Civil é doutrinariamente definida como o conjunto de ações preventivas, de socorro, assistenciais e reconstrutivas, destinadas a evitar ou minimizar os desastres, preservar o moral da população e restabelecer a normalidade social (CASTRO, 1998).

Segundo o Plano Nacional de Defesa Civil, o objetivo geral da Defesa Civil é a redução de desastres, diminuindo as ocorrências e intensidade dos mesmos.

As ações de proteção e defesa civil possuem caráter amplo, com ações antes, durante e após a ocorrência, abrangendo ações de caráter preventivo às práticas e emergenciais2. Doutrinariamente dividem-se em: prevenção de desastres, preparação para emergências e desastres, resposta aos desastres e reconstrução.

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Tais ações, como ensina a Tenente-Coronel PM Eliane Nikoluk Scachetti, desenvolvem-se em duas situações: de normalidade e de anormalidade, caracterizando-as por ações que podem desdobrar-se de acordo com as características de atendimento, para estabelecer-se uma sequência pormenorizada das principais atividades de cada situação (SCACHETTI, 2007).

Como dito anteriormente, as fases são uma divisão doutrinária, posto que durante as ocorrências, as ações funcionam como ciclo e não de forma linear.

A Rener, a fim de cumprir com seu objetivo, costuma ser ativada:

  1. Em situação de normalidade, na fase preventiva, em um estado de pré-calamidade, onde as autoridades já tomam medidas de observação, alerta e mobilização, especialmente.

  2. Em situação de anormalidade, nas fases de socorro e assistência.

Seja em uma fase ou em outra, a Rede visa facilitar as comunicações de emergência de forma a cooperar com as atividades desenvolvidas pelos órgãos governamentais.

Algumas das atuações mais recentes e de conhecimento público ocorreram em Santa Catarina, em 2008; em São Luiz do Paraitinga e Cunha, São Paulo, em 2010; e no estado do Rio de Janeiro, em 2011.

Em Santa Catarina, os radioamadores instalaram diversas bases nas localidades atingidas pelos desastres, conforme o relatório de Plácido Marcondes:

Vários trabalhos foram desenvolvidos pelos radioescotistas de Santa Catarina, a saber:

3.1 – Região de Itajaí – Navegantes – Gaspar – Braço do Baú: A partir do dia 25 NOV 2009 em apoio a Defesa Civil Estadual, Municipal e da Força Nacional, sob a Coordenação de PLÁCIDO MARCONDES – PP5PME foram instaladas 3 (três) Bases de Rádio:

a) Base no Comando da Força Nacional;

b) Base na Localidade do Braço do Baú;

c) Base junto a Defesa Civil do Estado. (MARCONDES, P., 2012)

A instalação dessas bases serviu para restabelecer a comunicação entre as Aeronaves e a Central de Comando da Força Nacional (rádio terra/ar), facilitando resgates, entrega de mantimentos e transferências de socorro (MARCONDES, P., 2012).

O relatório ainda diz:

(...) que durante os dias 25 a 28 NOV 2009 várias regiões não possuíam energia elétrica, a rede de comunicação de celular e telefones fixos não funcionou devido enchente, queda da energia, falta de bateria e destruição. Assim, as comunicações foram somente VIA RÁDIO VHF/HF, operados com baterias portáteis ou com as viaturas móveis. (MARCONDES, P., 2012)

Na região de Ilhota, Gaspar e do Morro do Baú, as comunicações eram ineficazes e inexistentes, conforme apontou o relatório. Uma equipe formada por radioamadores-escoteiros deu início aos trabalhos de Defesa Civil na área, sendo que suas principais ações foram:

Implantar uma Central de Comunicação de Rádio que suprisse as necessidades de apoio nas áreas afetadas, utilizando Repetidoras e o Sistema Simplex;

Instalar 2 (duas) repetidoras de Rádio Comunicação, sendo 1 (uma) em Luiz Alves/SC e 1 (uma) em Ilhota/SC;

Estabelecer uma sistemática de comunicação entre os diversos órgãos envolvidos com a Defesa Civil (inexistente até a chegada da equipe);

Coordenar e orientar os colaboradores no preenchimento dos formulários de desastres: AVADAN (Avaliação de Danos), Avaliação de Riscos e Pedidos de Socorro;

Acompanhar e promover a evacuação das pessoas em áreas de risco. (MARCONDES, P., 2012)

Marcus Vinicius Nogueira, por ocasião dos trabalhos em S. Catarina, disse:

Estamos fazendo parte de uma equipe multidisciplinar que entre outras tarefas busca a humanização dos abrigos, o estabelecimento de uma linha de apoio psicológico e social, o atendimento às necessidades físicas e emocionais e a superação e o resgate da história de quem tem (por exemplo) sua casa, seus familiares, sua história e todos os seus pertences sob uma camada de mais de 10 (dez) metros de lama. (NOGUEIRA apud MARCONDES, P., 2012)

Além do apoio técnico, com a montagem e operação dos equipamentos, os radioamadores agentes de defesa civil devem estar preparados a contribuir com as vítimas no quesito psicológico já que se pode observar que, quando a magnitude do desastre é muito grande, a probabilidade de dano psíquico aumenta, de uma maneira geral (BRASIL, 2010). Desta forma, vê-se que não é simples a atuação do radioamadorismo como órgão do SINPDEC: a multidisciplinaridade é requisito aos seus agentes!


8. ASPECTOS LEGAIS DO VOLUNTARIADO

Disciplina o serviço voluntário no Brasil, a Lei Federal nº 9.608, de 18 de fevereiro de 1998. Tal serviço é definido como a atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade (BRASIL, 1998).

Importante ressaltar que o legislador definiu, no parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 9.608/98, que o voluntariado não gera vínculo empregatício, nem obrigações trabalhistas, previdenciárias ou afins.

No caso dos voluntários de Defesa Civil, classificados como agentes honoríficos, exercem uma função pública. Hely Lopes Meirelles nos ensina que função pública:

É a atribuição ou conjunto de atribuições que a Administração confere a cada categoria profissional ou comete individualmente a determinados servidores para a execução de serviços eventuais (...). Diferencia-se, basicamente, do cargo em comissão pelo fato de não titularizar cargo público.” (n.g.) (MEIRELLES apud CERRI NETO, 2007)

8.1. PODER DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA

Aquele que exerce missão de interesse público, como o caso dos radioamadores a serviço da Rener, recebe também uma parcela do poder público. Logo, o voluntário deverá observar os princípios constitucionais que regem a Administração Pública, tanto quanto os servidores de carreira. Todos seus atos deverão se pautar pela legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (BRASIL, 1988).

Destaca-se aqui o princípio da legalidade, onde o agente deve se sujeitar aos mandamentos da lei, visando ao bem comum, conforme disposto no artigo 5º, II, da Magna Carta, que diz “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

A parcela de poder recebida pelo agente se define como poder de polícia administrativa, tal como exposto no Código Tributário Nacional:

Considera-se poder de polícia a atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (BRASIL, 1966)

O poder de polícia administrativa possui algumas características próprias ao seu exercício, como a discricionariedade, a autoexecutoriedade e a coercibilidade.

A discricionariedade faculta à Administração Pública a liberdade de estabelecimento, de acordo com a conveniência e oportunidade, de limitações que serão impostas ao exercício dos direitos individuais e as sanções aplicáveis nesses casos; também sendo livre a fixação de condições para exercício de determinados direitos (MOREIRA, 2012).

Aqui, os integrantes do SINPDEC tem o poder-dever de agir em nome da Administração Pública e no interesse público, conforme preconiza C. R. Marcondes:

Os Agentes de Defesa Civil estão obrigados ao exercício do Poder de Polícia em toda a sua amplitude (e limites) desde que o façam objetivando o zelo da saúde e segurança da população, prevenindo e evitando a ocorrência de acidentes que possam por em risco o patrimônio e a integridade física dos demais cidadãos. (MARCONDES, C. R., 1989)

Já a autoexecutoriedade permite à Administração Pública o exercício do poder de polícia sem necessidade de intervenção do Poder Judiciário, sendo possível apenas quando expressamente prevista em lei ou nos casos de emergência, nos quais a intervenção por parte da Administração Pública é necessariamente imediata.

Por coercibilidade pode-se entender que os atos do poder de polícia se impõe aos particulares, mesmo que seja necessário o uso de força para o cumprimento (limitando-se pela proporcionalidade exigida a cada situação).

O agente de defesa civil, independente de ser voluntário ou servidor estatal (Cerri Neto define mui bem “agentes públicos”, dentre os quais os particulares em colaboração com o Poder Público – voluntários – e os servidores estatais – públicos e das pessoas governamentais de Direito Privado –, em seu trabalho sobre os Aspectos Jurídicos das Atividades de Defesa Civil, p. 47 a 52), recebe tal parcela quando no exercício das funções por serem, as atividades de Defesa Civil, consideradas serviço público propriamente dito. Os radioamadores, enquanto integrantes da Rener e no uso de suas funções de agente de defesa civil, recebem o poder de polícia administrativa. Assim, também estão sujeitos às sanções que são aplicáveis apenas aos servidores públicos como, por exemplo, o abuso de poder.

8.2. ABUSO DE PODER

O abuso de poder é caracterizado quando a autoridade, ainda que competente para praticar o ato, ultrapassa os limites de suas atribuições ou desvia-se das finalidades administrativas. Pode ser cometido de duas maneiras: excesso de poder ou desvio de finalidade, sendo, por isso, detentor de vícios de nulidade.

O excesso de poder se configura quando a autoridade se exorbita no uso de suas faculdades administrativas para praticar o ato, de forma diversa da prevista na norma jurídica – na forma dolosa ou culposa. Já o desvio de finalidade se dá quando a autoridade, embora atuando nos limites de sua competência, pratica o ato por motivos ou fins diversos daqueles objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse público (MEIRELLES, 1993).

Em ambos, o agente pode ter a conduta enquadrada na Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965 (Lei do Abuso de Autoridade), aplicando-se as punições nela previstas.

8.3. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

A responsabilidade pelos danos causados pelos agentes do Estado, ainda que exerçam a função transitoriamente, é de natureza objetiva, conforme prevê a Magna Carta em seu artigo 37, §6º: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa” (BRASIL, 1988).

Grande parte da doutrina administrativa classifica este posicionamento adotado pelo legislador como Teoria do Risco Administrativo. Venosa diz que a teoria do risco aparece na história do Direito tendo como base o exercício de uma atividade onde aquele que tirar proveito dessa, direta ou indiretamente, responderá pelos danos que essa causar. Assim, podemos entender que, qualquer atividade administrada pelo Estado é risco (VENOSA, 2007).

Venosa nos ensina também que, para o ressarcimento dos danos onde a responsabilidade civil é objetiva, basta a demonstração de existência desses, devendo ser comprovado o nexo de causalidade entre a conduta do agente do Estado e o resultado danoso.

O elemento culpa (no entendimento do Direito Civil) é dispensável nesses casos. Porém, deve-se atentar ao fato de que, conforme o artigo supracitado caberá direito de regresso por parte do Estado contra o agente que praticar a conduta, já que, em relação ao agente causador do dano opera-se a responsabilidade subjetiva (devendo-se aqui caracterizar os elementos: culpa, dano e nexo causal) (VENOSA, 2007). Esse direito de regresso será relativo, visto que, havendo urgência ou emergência, o agente causando dano ou “invadindo” uma casa com a finalidade de reduzir os impactos de um mal maior, apenas o Estado responderá.

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Sobre o autor
João Carlos Valentim Veiga Junior

Mestre em Direito pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL). Graduado em Direito pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL). Associado efetivo da Associação Brasileira de Redução de Riscos de Desastres (ABRRD). Técnico em Administração da Prefeitura de Chapecó/SC, lotado na Secretaria de Defesa do Cidadão e Mobilidade (Sedemob). Foi membro titular da Subcomissão de Estudos e Análise de Acidentes no Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos do Vale do Paraíba (Secretaria de Logística e Transportes do Estado de São Paulo), no período 06/2016-08/2017. Desempenhou, em 2016, a função de Secretário Executivo do Conselho Mun. Proteção e Defesa Civil de Taubaté/SP. Tem atuado na área do Direito, principalmente em Direito Ambiental, Internacional, Administrativo, Teoria Geral do Direito e Direito dos Desastres. Membro do Grupo de Pesquisa de Direito Ambiental (UNISAL).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VEIGA JUNIOR, João Carlos Valentim. Rede Nacional de Emergência de Radioamadores:: evolução, procedimentos e aspectos legais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3965, 10 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28110. Acesso em: 20 abr. 2024.

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