4.POLICIAMENTO COMUNITÁRIO EM CAXIAS DO SUL/RS
A Brigada Militar foi criada em 18 de novembro de 1837, recebeu a denominação de Força Policial, tendo participado das principais revoluções e movimentos armados dos séculos XIX e XX, ocorridos no Rio Grande do Sul e no Brasil. Seus efetivos eram formados e treinados através de instruções com características militares, como nas Forças Armadas, mas a partir de 1967 a Brigada Militar assumiu uma nova missão: empregar nas ruas seus policiais militares, através do Policiamento Ostensivo, atribuição que era caracterizada pela presença nos principais locais de público na modalidade de duplas, conhecidas como “Pedro e Paulo”. (BRIGADA MILITAR, 2013).
No ano de 1980 a Brigada Militar realiza o policiamento preventivo com ênfase no PM de quarteirão, o qual desenvolvia suas atividades na mesma área, de forma a conhecer seus residentes e os principais problemas no seu posto de trabalho. O policiamento de quarteirão foi sendo substituído, gradativamente, pelo policiamento rádio-motorizado, em vista de que o contingente policial não cresceu na proporção em que cresceram as cidades. Por conta desse fenômeno, o policial acabou se afastando da comunidade; e o que antes acontecia com grande freqüência em razão da pequena extensão geográfica atribuída a um posto de serviço, deixou de existir. Os contatos diretos do policial com as mesmas pessoas; a possibilidade de melhor conhecê-las e de conhecer as rotinas do bairro com vistas a perceber, de relance, atitudes suspeitas ou a presença de indivíduos estranhos circulando por esses locais deixaram de ocorrer por conta desse distanciamento. O policial de quarteirão estabelecia uma relação de confiança e amizade que se efetivava através da troca de informações sobre segurança pública da comunidade onde atuava diretamente.
Em março de 2012 o município de Caxias do Sul recebeu o projeto piloto de polícia comunitária, a cidade figura entre os municípios que registram elevados índices de criminalidade e acentuado crescimento populacional, e também é um município onde os investimentos em segurança pública não acompanharam o crescimento local..
Caxias do Sul possui bairros em que participação popular é muito efetiva, ocorrendo através das associações de moradores que existem em praticamente todo o município. A cidade também registra uma incidência de crimes contra o patrimônio e contra a vida, nas diversas modalidades, notadamente crimes de furto e roubo, delitos que tendem a reduzir através da ação preventiva realizada pelo policiamento comunitário. 21
Mas este projeto não é constituído apenas de conceitos de outros projetos. É inovador em vários aspectos: inova quando traz para o perímetro urbano a ideia de tornar o policial um morador do local onde atua no policiamento, o que no Japão é feito apenas em pequenas comunidades do interior; inova quando cria um sistema destinado a fiscalizar o projeto; inova quando desenvolve um observatório de segurança voltado a mostrar os indicadores de violência e criminalidade das áreas atendidas visando corrigir os rumos à medida que desvios forem identificados, e também inova ao firmar convênio com o poder público municipal a fim de possibilitar a inserção dos policiais nas comunidades através do pagamento de uma bolsa destinada a custear as despesas de aluguel.22
Os policiais que participam do projeto devem morar nos bairros onde atuam e o aluguel das casas é pago pela prefeitura por meio de uma bolsa-auxílio-aluguel no valor de R$ 600,00. Todos policiais devem realizar o curso de Promotor de Polícia Comunitária, desenvolvido pelo Departamento de Ensino e Treinamento (DET), da Secretaria de Segurança Pública (SSP).
Pioneiro no Rio Grande do Sul, o projeto está presente em 18 bairros de Caxias do Sul e conta com 34 profissionais nos 10 núcleos do programa. Atualmente, cerca de 114 mil moradores são beneficiados com os núcleos de policiamento comunitário. A segunda fase, com mais quatro equipes, atingirá outras de 38 mil pessoas.
Essas reuniões são feitas, inicialmente, com os líderes comunitários e presidentes de entidades que representam os moradores de cada local, mas podem ocorrer entre outros segmentos instalados nos bairros de tal forma que a comunidade esteja amplamente representada quando forem discutidos os problemas de segurança pública dos locais onde essas pessoas residem e trabalham.
O quadro a seguir apresenta a evolução dos indicadores criminais comparando-os antes e depois da implantação do policiamento comunitário em Caxias do Sul. Os dados foram coletados a partir do atendimento e registro das ocorrências atendidas no Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (CIOSP):
Indicador Criminal |
90 dias de 2011 |
90 dias de 2012 |
Diferença (90 dias) |
Ano anterior ao policiamento comunitário (Mar 11 - Fev 12) |
Ano posterior ao policiamento comunitário (Mar 12 - Fev 13) |
Diferença (1 ano) |
Variação (%) |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Roubo a estabelecimento comercial |
107 |
46 |
-61 |
173 |
111 |
-62 |
-35,8% |
Furto em veículo |
149 |
103 |
-46 |
274 |
238 |
-36 |
-13,1% |
Roubo a motorista |
15 |
13 |
-2 |
30 |
24 |
-6 |
-20,0% |
Roubo a pedestre |
253 |
186 |
-67 |
468 |
385 |
-83 |
-17,7% |
Roubo a posto de gasolina |
13 |
5 |
-8 |
37 |
14 |
-23 |
-62,2% |
Roubo de veículo |
157 |
143 |
-14 |
307 |
272 |
-35 |
-11,4% |
Porte ilegal de arma |
30 |
17 |
-13 |
43 |
29 |
-14 |
-32,6% |
Lesão corporal |
245 |
227 |
-18 |
514 |
411 |
-103 |
-20,0% |
Homicídio |
9 |
5 |
-4 |
21 |
9 |
-12 |
-57,1% |
Fonte: CIOSP Caxias do Sul
Desde março de 2012, os arrombamentos a residências e assaltos no comércio caíram mais de 30%, e o número de homicídios caiu pela metade. Os ataques a postos de gasolina apresentaram redução de 62%. Importante ressaltar que alguns crimes apresentaram aumento no número de registros, como a perturbação do sossego alheio e a perturbação da tranquilidade, que tiveram um aumento de 147,5% e 68,8%, respectivamente. Neste caso específico, crimes que antes não eram registrados passaram a ser noticiados pelo cidadão, motivados pelo efetivo trabalho de integração e confiança desenvolvidos entre a comunidade e a polícia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verificamos os desafios da transição da polícia tradicional para polícia cidadã e constatamos que as velhas práticas de policiamento tradicional e a política de mais policiais nas ruas, mais viaturas, mais repressão, se revelaram ineficazes na inibição do crime, contribuindo para aumentar a descrença dos cidadãos com relação à polícia. .
No modelo profissional, a formação do policial também contribuiu para a relação negativa entre polícia e sociedade que temos hoje. O militar com ideologias guerra, de segurança nacional, via sempre o cidadão como um inimigo, não era permitido o policial conversar, interagir com a comunidade local. O policial em um modelo tradicional engessado afastava-se do seu cliente que é a população
O policiamento comunitário traz a perspectiva de mudança, na atuação dos policias e no seu papel junto da comunidade. Reforça a idéia de que o cidadão deve ser coautor nas estratégias de policiamento, responsável pela segurança de sua comunidade. Realiza uma mudança de valores nos policiais e nos cidadãos, trazendo maior comprometimento e consciência de suas obrigações e responsabilidades
No projeto desenvolvido em Caxias do Sul/RS pela Brigada Militar podemos encontrar soluções e boas perspectivas na implementação do policiamento comunitário. Onde se conquistou o apoio e participação da comunidade, através de reuniões nas associações dos moradores, bem como recurso financeiro em parceria com a prefeitura através da bolsa moradia, motivação para o policial tem uma forma de incentivo para participar do projeto do policiamento comunitário e se engajar no projeto.
O policiamento comunitário gera segurança pública e diminui as taxas de criminalidade, reduz o medo do crime e faz o público se sentir menos desamparado, refaz a conexão da polícia com o público desinformado, levanta o moral policial, e torna a policia mais sujeita a prestação de contas. Por fim o policiamento comunitário surge como principal alternativa estratégica para as práticas tradicionais, em toda parte, atualmente consideradas um fracasso.23
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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DA MATTA, Roberto. Carnavais malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6ed. Rio de janeiro: Rocco, 1997.
DIAS NETO, Theodomiro. Comunitário e controle sobre a Polícia: a experiência norte americana. São Paulo, IBCCRIM, 2000.
Huggins, Martha Knisely; Zimbardo, Philip G.; Haritos-Fatouros, Mika. Operários da Violência- policiais torturadores e assassinos reconstroem as atrocidades brasileiras. Brasília: Unb, 2006.
KANH, Túlio. Velha e nova polícia: polícia e políticas de segurança pública no Brasil. São Paulo. Editora Sicurezza, 2002.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, CURSO NACIONAL DE MULTIPLICADOR DE POLÍCIA COMUNITÁRIA.- 5º ed.Brasília, Secretaria Nacional de Segurança Pública.2012.
NETO, Paulo de Mesquita. Ensaios sobre segurança Cidadã. São Paulo: Quartier Latin, Fapesp, 2011..
NETO, Paulo de Mesquita. Policiamento comunitário: A experiência em São Paulo. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 7. N.25 jan-mar/1999.
PINHEIRO, Paulo Sérgio. Polícia e consolidação democrática: o caso brasileiro. In Pinheiro et al. São Paulo sem medo: um diagnóstico da violência urbana. Rio de Janeiro: Garamond, 1998, p. 175/190
SKOLNICK, Jerome H.; BAYLEY, David H. Policiamento Comunitário: Questões práticas através do Mundo. Trad. Ana Luísa Amêndola Pinheiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002.-( Série Polícia e Sociedade; n.06 / Organização: Nancy Cardia).
TROJANOWICZ, Robert; e Bucquerouxe, Bonnie. Policiamento Comunitário: como começar. Rio de Janeiro: policialerj, 1994.
Notas
1 PINHEIRO, Paulo Sérgio. Polícia e consolidação democrática: o caso brasileiro. In Pinheiro et al. São Paulo sem medo: um diagnóstico da violência urbana. Rio de Janeiro: Garamond, 1998, p. 175/190.
2 DA MATTA, Roberto. Carnavais malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6ed. Rio de janeiro: Rocco, 1997, p. 175.
3 Huggins, Martha Knisely; Zimbardo, Philip G.; Haritos-Fatouros, Mika. Operários da Violência- policiais torturadores e assassinos reconstroem as atrocidades brasileiras. Brasília: Unb, 2006, p. 379.
4 “A definição de Segurança Nacional é a capacidade que o Estado dá à Nação para impor seus objetivos a todas as forças oponentes. Essa capacidade é, naturalmente, uma força. Trata-se portanto da força do Estado, capaz de derrotar todas as forças adversas e de fazer triunfar seus Objetivos Nacionais. “ Vide: Comblin, Joseph. A ideologia de segurança nacional: o poder militar na América latina. Trad. A. Veiga Fialho. Rio de Janeiro: Civilização Braileira. 1978, p.54.
5 Huggins, Martha Knisely; Zimbardo, Philip G.; Haritos-Fatouros, Mika. Operários da Violência- policiais torturadores e assassinos reconstroem as atrocidades brasileiras. Brasília: Unb, 2006, p. 275.
6 NETO, Paulo de Mesquita. Ensaios sobre segurança Cidadã. São Paulo: Quartier Latin, Fapesp, 2011
7 SKOLNICK, Jerome H.; BAYLEY, David H. Policiamento Comunitário: Questões práticas através do Mundo. Trad. Ana Luísa Amêndola Pinheiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002. (Série Polícia e Sociedade; n.06 / Organização: Nancy Cardia). p. 57
8 Ibid .p. 58
9 SKOLNICK, Jerome H.; BAYLEY, David H. Policiamento Comunitário: Questões práticas através do Mundo. Trad. Ana Luísa Amêndola Pinheiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002. (Série Polícia e Sociedade; n.06 / Organização: Nancy Cardia). p. 58
10 COSTA, Arthur Trindade Maranhão. Entre a Lei e a Ordem: violência e reforma nas polícias do Rio de Janeiro e Nova York. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. P.68-69.
11 Neto, Paulo de Mesquita. Ensaios sobre segurança Cidadã. São Paulo: Quartier Latin, Fapesp, 2011. P.146
12 SKOLNICK, Jerome H.; BAYLEY, David H. Policiamento Comunitário: Questões práticas através do Mundo. Trad. Ana Luísa Amêndola Pinheiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002. (Série Polícia e Sociedade; n.06 / Organização: Nancy Cardia). p. 18
13 TROJANOWICZ, Robert; e Bucquerouxe, Bonnie. Policiamento Comunitário: como começar. Rio de Janeiro: policialerj, 1994, p 04.
14 DIAS NETO, Theodomiro. Comunitário e controle sobre a Polícia: a experiência norte americana. São Paulo, IBCCRIM, 2000, p.55.
15 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, CURSO NACIONAL DE MULTIPLICADOR DE POLÍCIA COMUNITÁRIA.- 5º ed. Brasília, Secretaria Nacional de Segurança Pública.2012, p.94-95.
16 SKOLNICK, Jerome H.; BAYLEY, David H. Policiamento Comunitário: Questões práticas através do Mundo. Trad. Ana Luísa Amêndola Pinheiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002. (Série Polícia e Sociedade; n.06 / Organização: Nancy Cardia). p. 72
17 Ibid. .p. 85
18 NETO, Paulo de Mesquita. Policiamento comunitário: A experiência em São Paulo. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 7. N.25 jan-mar/1999. P.283
19 KANH, Túlio. Velha e nova polícia: polícia e políticas de segurança pública no Brasil. São Paulo. Editora Sicurezza, 2002, p.40
20 BORDIN, Marcelo. POLÍCIA COMUNITÁRIA: entre a retórica do Estado e a prática cotidiana. Vigilância, Segurança e Controle Social na América Latina, Curitiba, p. 349-368.
21 Projeto piloto de Policiamento Comunitário de Caxias do Sul/RS. 1º janeiro 2012.
22 Coronel Júlio César Marobin, Coordenador Estadual do Policiamento Comunitário, da Brigada Militar.
23 SKOLNICK, Jerome H.; BAYLEY, David H. Policiamento Comunitário: Questões práticas através do Mundo. Trad. Ana Luísa Amêndola Pinheiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002. (Série Polícia e Sociedade; n.06 / Organização: Nancy Cardia). p. 119