Resumo: O presente artigo abordará a responsabilidade civil subjetiva do advogado público no exercício da atividade contenciosa, explicitando seus pressupostos, analisando o entendimento da doutrina e da legislação correlata. Primeiramente será analisada a responsabilidade civil do agente público e, após, a do advogado público, pontuando especialmente a diferenciação na análise do elemento subjetivo.
Palavras-chave: Responsabilidade civil subjetiva. Advogado público. Atividade contenciosa.
I – INTRODUÇÃO
A responsabilidade civil é atualmente um dos temas mais debatidos no meio jurídico, ocasionando diversas reflexões. É nesse cenário que se revela a responsabilidade civil do advogado público, tema pouco explorado pela doutrina pátria.
O advogado público é espécie do gênero advogado, mostrando-se importante a análise e delimitação de sua responsabilidade civil, identificando parâmetros doutrinários e jurisprudenciais em suas principais atividades, especialmente, a representação judicial, a assessoria ao gestor público e a consultoria a administração pública direta e indireta.
A Constituição da República de 1988 (CR/88) estabeleceu expressamente no art. 133 a advocacia como função essencial à justiça e concedeu a prerrogativa de independência funcional do advogado, declarando-o “inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. O estatuto da advocacia, Lei nº. 8.906/94 traz dispositivos que asseguram a liberdade, autonomia e independência do exercício profissional. Seu objetivo advém do valor e relevância social da advocacia, revelando a parte final do mencionado dispositivo constitucional – “nos limites da lei” – a relatividade dessa imunidade.
A norma garantidora visa assegurar liberdade técnica ao advogado, além de autonomia e independência no exercício de seu ministério, entendendo-se, portanto, que o advogado público não pode ser punido civil, administrativamente ou na esfera penal por manifestar sua interpretação técnico-jurídica em seus pareceres, pois age amparado pela tutela legal e, sobretudo, constitucional, tornando-o inviolável por seus atos e manifestações, denominado pela doutrina de prerrogativa profissional.
O mesmo se diz da atividade de representação judicial do ente federado, na qual a liberdade de atuação é bem mais restrita que na consultiva e enseja discussões mais simples, uma vez que deve sempre atuar na defesa dos interesses do ente representado, seja no polo passivo ou no ativo.
Ressalte-se, por oportuno, que o advogado exerce obrigação de meio, sendo a sua responsabilidade subjetiva, fundada na teoria da culpa e tendo como requisitos a ação ou omissão do agente, a culpa em sentido lato sensu, o dano e o nexo de causalidade entre o dano e a conduta.
Assim, compatibilizando-se a teoria da culpa com a imunidade constitucional do advogado, chega-se à conclusão de que para a caracterização da culpa em sentido estrito não basta simplesmente a imperícia ou negligência, mas sim um erro grave e inescusável.
Dessa forma, a responsabilização de um advogado público somente se figura possível caso seja provado o dolo ou erro grave e inescusável no exercício de seu múnus público que, se verificado, poderá atrair a responsabilidade civil, administrativa, criminal e também por improbidade administrativa.
A seguir serão analisados os pressupostos da responsabilidade civil do agente público.
II – A RESPONSABILIDADE CIVIL DO AGENTE PÚBLICO
No tocante à responsabilidade civil do agente público, preleciona a Constituição da República de 1988 em seu art. 37, § 6º que
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Na lição de Alexandre de Moraes1 a responsabilidade prevista no dispositivo constitucional acima transcrito exige a presença dos seguintes requisitos: ocorrência do dano; ação ou omissão administrativa; existência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa e ausência de causa excludente da responsabilidade estatal.
É o que se verifica, também, da leitura conjunta dos arts. 186 e 927 do Código Civil de 2002:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Destaque-se que cabe a administração pública dentro das suas particularidades apurar as infrações e aplicar as penalidades cabíveis, levando em consideração os fundamentos da culpabilidade, o dolo, a imperícia, a imprudência, a negligência e os princípios da solidariedade.
Logo, não somente em caso de dolo, mas também em caso de culpa stricto sensu o servidor deve responder pelo dano a que deu causa. Nesse sentido, preceitua o art. 122 da Lei nº. 8.112/90 que a responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros, revelando, destarte, sua natureza subjetiva.
Portanto, a responsabilização civil não tolera qualquer imposição meramente objetiva de reparar o dano ou perda, sem a comprovação do ânimo subjetivo do responsável. Para tanto, é necessária a comprovação, com ampla defesa e contraditório, seja em via administrativa ou judicial, de que o servidor, no exercício do seu cargo, agiu com culpa ou dolo no evento.
Feitas essas considerações, passa-se a analisar a responsabilidade civil do advogado público.
III – DA RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO ADVOGADO PÚBLICO NO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE CONTENCIOSA
A responsabilidade civil do advogado foi identificada, primeiramente, nas Ordenações Filipinas (Livro 1, Título XLVIII) como o fundamento histórico para sua responsabilização, cujo texto destacava: “se as partes por negligência, culpa, ou ignorância de seus Procuradores receberem em seus feitos alguma perde, lhes seja satisfeito pelos bens deles”2.
No tocante ao aspecto privado, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, explicam que o Código Civil trouxe dois sistemas de responsabilidade civil: o geral e o subsidiário. O primeiro reflete a responsabilidade civil subjetiva, enquanto o segundo, a responsabilidade civil objetiva. Como regra geral, o sistema utilizado é o primeiro, salvo nos casos em que a legislação afirmar que a responsabilidade é objetiva ou em que o tipo de atividade, por sua natureza, crie risco a outrem3.
No exercício da atuação contenciosa, é dizer, na condução de processos judiciais, o advogado exerce obrigação de meio e sua responsabilidade é subjetiva, fundando-se na teoria da culpa. Tem a liberdade técnico-funcional de defendê-la com todo e qualquer argumento que lhe convier, mas deve sempre atuar na defesa dos seus interesses do ente federado representado, seja no polo passivo ou no ativo.
Sílvio de Salvo Venosa acrescenta que “a responsabilidade do advogado, na área litigiosa, é uma obrigação de meio (...) não se obriga pelo resultado, que sempre é falível e sujeita às vicissitudes intrínsecas ao processo4”.
Nesse sentido é o escólio de Diniz, para quem a obrigação de meio:
(...) é aquela em que o devedor se obriga tão-somente a usar de prudência e diligência normais na prestação de certo serviço para atingir um resultado, sem, contudo, se vincular a obtê-lo. Infere-se daí que sua prestação não consiste num resultado certo e determinado a ser conseguido pelo obrigado, mas tão-somente numa atividade prudente e diligente deste em benefício do credor. (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direto Civil Brasileiro, 2º Volume. 16ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 184).
Rui Stoco acrescenta que há obrigação de meio
... quando o profissional assume prestar um serviço ao qual dedicará atenção, cuidado e diligência exigidos pelas circunstâncias, de acordo com o seu título e com os recursos que dispõe e com o desenvolvimento atual da ciência, sem se comprometer com a obtenção de um certo resultado5.
Sendo assim, o resultado do litígio não gera responsabilidade do advogado público. A derrota em alguma causa que o Estado litigava mesmo de extrema relevância para o ente federado, não resulta em punição, desde que realizada com o devido zelo e diligência. Se o advogado público laborou com diligência e presteza suficiente, não há qualquer responsabilidade em função de não alcançar a vitória.
Contudo, essa regra geral comporta uma exceção, qual seja, a comprovação de dolo ou culpa grave e inescusável, bem como de nexo causal entre essa conduta e o dano efetivo do Estado. Para a delimitação dessa culpa, a título de exemplo, impende ressaltar que peças sem citação de jurisprudência atual, sem a disponibilização de doutrina para embasar a argumentação apresentada, ou que para um advogado mediano não estariam bem feitas, não dão ensejo à responsabilização, uma vez que somente se mostra possível a responsabilização do advogado diante da prova cabal dessas ocorrências que demonstram sua culpa.
Anote-se, ademais, que não é qualquer erro que enseja o dever de indenizar, pois este deve ser grosseiro, de fato ou de direito, fruto da ignorância do texto expresso da lei, da doutrina ou da jurisprudência dominante. Nesse sentido, novamente preleciona Rui Stoco:
A primeira observação que se deve fazer é que não se indenize por qualquer erro, pois este há de ser irrecusável. E mais, que não se indenize pelo resultado adverso da demanda, pois a sua obrigação é de meio, regra que comporta, contudo, algumas exceções. O que é erro irrecusável? É o chamado erro grosseiro. É o erro de quem desconhece a ciência do Direito; o standard da doutrina e da jurisprudência, desfigurando a pessoa do profissional. Assim, só se poderá responsabilizar o advogado quando, por dolo e intenção manifesta de prejudicar ou locupletar-se, cause prejuízos ao cliente, ou obre com culpa manifesta, atuando de modo tão insatisfatório, atabalhoado, displicente e imperito que a relação causal entre esse agir e o resultado fique manifesta. (STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. São Paulo: RT, 4ª edição, 1999, p. 265). Grifei.
A perda de prazos recursais ou de prazos preclusivos também é uma situação que possibilita a responsabilização do advogado público por erro grave e inescusável ou por dolo, caso configurados.
Nesses casos, deve ser provado, sobretudo, o dano, vez que, mesmo objetivamente provada a perda do prazo, os requisitos da responsabilidade continuam. A perda do prazo de contrarrazões em processo que transita em julgado com decisão favorável à Fazenda Pública é um exemplo que não gera qualquer prejuízo ao ente federado.
Além disso, mesmo com a perda de prazo caracterizada, os pressupostos para a configuração da responsabilidade civil devem ser comprovados para a responsabilização do advogado público, devendo-se analisar, outrossim, a existência de alguma causa excludente da responsabilidade, tais como o excesso de trabalho, a falta de estrutura física e de pessoal, por vezes presentes no cotidiano desses profissionais.
Derradeiramente, anote-se que o art. 34, inciso IX da Lei nº. 8.906, de 04 de julho de 1994, Estatuto da Advocacia e Ordem dos Advogados do Brasil, é expresso ao prever que constitui infração disciplinar prejudicar, por culpa grave, interesse confiado ao seu patrocínio. Nesses casos, devem ser respeitados o contraditório e a ampla defesa.
IV – CONCLUSÃO
Conclui-se, portanto, que o advogado público no exercício da atividade contenciosa exerce obrigação de meio, sendo a sua responsabilidade subjetiva, fundada na teoria da culpa e tendo como requisitos a ação ou omissão do agente, a culpa em sentido lato sensu, o dano e o nexo de causalidade entre o dano e a conduta.
No tocante ao elemento subjetivo, resta exigida a comprovação de dolo ou culpa, consistente em erro grave e inescusável, bem como de nexo causal entre essa conduta e o dano efetivo ao Estado.
Com efeito, não é qualquer erro que enseja o dever de indenizar, devendo este ser grosseiro, de fato ou de direito, fruto da ignorância do texto expresso da lei, da doutrina ou da jurisprudência dominante. É que incide sobre a sua atuação a imunidade profissional constitucional, insculpida no art. 133, da CR/88.
Configurados os elementos da responsabilidade civil do advogado público, bem como a ausência de causa excludente de responsabilidade, pode (e deve) o ente federado representado adotar as medidas de ressarcimento cabíveis, visando a recomposição do prejuízo causado pela má atuação do causídico.
REFERÊNCIAS
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direto Civil Brasileiro. 2º Volume. 16ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002
FERNANDES, Ricardo Vieira de Carvalho. Regime jurídico de responsabilidade do advogado público. Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI. Fortaleza/CE, 09 a 12 jun. 2010, p. 2255/2265.
LOBO, Paulo Luiz Neto. Comentários ao novo estatuto da advocacia e da OAB. Brasília: Brasília Jurídica, 1994, p. 120.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 904. Nesse sentido, conferir também RE 109.615, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 02/08/96.
NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil anotado e legislação extravagante. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 239-240.
STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. São Paulo: RT, 4ª edição, 1999.
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6ª ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria das obrigações e teoria dos contratos. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.
NOTAS
1 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 904. Nesse sentido, conferir também RE 109.615, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 02/08/96.
2 LOBO, Paulo Luiz Neto. Comentários ao novo estatuto da advocacia e da OAB. Brasília: Brasília Jurídica, 1994, p. 120.
3 NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil anotado e legislação extravagante. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 239-240.
4 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria das obrigações e teoria dos contratos. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 216.
5 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6ª ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 480.