5. CONCLUSÃO
A busca em se propor uniformidade ao procedimento judicial do agravo em execução, baseando-se, principalmente, no procedimento do agravo do processo civil e tendo como corolário valores como a efetividade, o formalismo-valorativo e o devido processo legal, preocupado com a finalidade da reintegração social e apto a buscar a realização da justiça material e da paz social, deve ser o norteamento do crítico intérprete do direito.
O processo penal, o processo de execução penal e o processo civil possuem sim certas questões em comum. Sendo assim, a tendência atual deve ser a de juntar os sistemas processuais existentes entre os vários ramos do direito dentro de uma sistemática processual uniforme, racional, adequada e célere, sem se descurar, por certo, dos princípios processuais insculpidos na Constituição Federal.
Entretanto, é importante que haja dispositivos legais específicos para moldar o rito procedimental do recurso em estudo. Nessa linha de entendimento resta configurado o Projeto de Lei do Senado nº 156/2009, que busca reformar o Código de Processo Penal brasileiro e veio a incorporar muitos outros projetos no mesmo sentido. Contudo, ainda é um projeto, sem qualquer expectativa certa, definitiva, para a data do advento do novo CPP – se for convertido em lei, registra-se.
É claro que não se pode optar pela escolha do procedimento do agravo de instrumento do CPC ao agravo da LEP apenas porque a nomenclatura é a mesma, conforme outrora entendia Julio Fabbrini Mirabete51. Muitas questões vão além, principalmente o fato de se imaginar, à época da elaboração da Lei 7.210/84, que estaria perfeitamente disciplinado o procedimento do agravo no futuro Código de Processo Penal, cujo advento seria no mesmo momento que o da LEP, mas que nunca veio à luz.
Por outro lado, consoante magistério de Paulo Lúcio Nogueira,
[...] dada a divergência jurisprudencial a respeito de certas questões e mesmo sobre interposição de recursos apropriados, não pode o réu ser prejudicado de forma alguma, devendo prevalecer não só a corrente que lhe for favorável, como ainda a fungibilidade recursal52 (destacou-se).
Frisa-se este ponto: não pode o réu ser prejudicado de forma alguma. Ou seja, mesmo que possa se pensar que o CPC regulamente assuntos “estranhos” ao Direito Penal, veja-se que a execução penal não cuida propriamente de matérias estritamente ligadas ao âmbito penal material.
Aqui, no processo de execução penal, não se discute se houve ou não crime, se o acusado é ou não inocente, se houve ou não materialidade do fato delituoso. Por isso, deve-se desmitificar, como foi buscado neste estudo (embora sucintamente), os seguintes dogmas: i) a execução penal não faz parte do direito penal material ou processual, sendo, pois, disciplina autônoma a ambos, embora não inteiramente independente; ii) a execução penal é o ramo do direito onde mais se sobressaem os princípios constitucionais, bem como os direitos e garantias insertos na Constituição da República de 1988; iii) a execução penal possui seu processo, assim como outros ramos do direito também possuem, devendo, assim, ser concedido à ela seu devido procedimento jurisdicional.
Destarte, a problemática do recurso de agravo em execução não deve mais prosperar no ordenamento jurídico brasileiro, devendo, até ulterior advento de lei específica que esteja condizente com uma maior aproximação entre os sistemas recursais e com os princípios processuais constitucionais, seguir o procedimento do agravo de instrumento do CPC nos aspectos que lhe tocam.
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Notas
1 Como critica Aury Lopes Junior, trata-se de uma autofagia do sistema, uma necrofilia jurídica em grau máximo: “o manual cita a jurisprudência, que cita o manual, que volta a citar a jurisprudência, que volta a citar o manual... e assim o ciclo se repete” (LOPES JUNIOR, 2010, p. 245).
2 NOGUEIRA, 1996, p. 325-326.
3 MARCÃO, 2010, p. 357.
4 NUNES, 2009, p. 173-174.
5 OLIVEIRA, 2008, p. 734-735.
6 NUCCI, 2008, p. 882-884.
7 DEZEM et al, 2010, p. 119.
8 MORAES, 1990, p. 382.
9 Idem, ibidem.
10 MESQUITA JÚNIOR, 2010, p. 486-489.
11 CONSTANTINO, 2010, p. 236-237.
12 MACHADO, 2010, p. 718-719.
13 GRINOVER et al, 2009, p. 153-154.
14 JESUS, 2002. p. 658-659.
15 TOURINHO FILHO, 2007, p. 547-549.
16 DEL CARMEN, 1998, p. 49-50.
17 TOURINHO FILHO, 2007, p. 549.
18 NUCCI, 2008, p. 883.
19 GRINOVER et al, 2009, p. 153.
20 Araújo Cintra, Ada Pellegrini e Cândido Dinamarco citam os pontos altos do Projeto: “a simplificação dos procedimentos, principalmente nos crimes de competência do tribunal do júri; a instituição do rito sumaríssimo, o julgamento conforme o estado do processo e o saneamento deste; a racionalização em matéria de nulidades e de recursos, a dignificação da função do Ministério Público” (CINTRA et al, 2010, p. 119).
21 Geraldo Prado se incumbiu de discorrer sobre os dispositivos na matéria de recursos e ações autônomas de impugnação do PL 4.206/2001, destacando a consagração, no que tange ao agravo, do princípio da paridade de armas e igualdade de tratamento entre o recorrente e o recorrido, além da busca pela simplificação, celeridade e regularidade formal do agravo (formação do instrumento a fim de permitir o adequado conhecimento da matéria pelo órgão julgador) (PRADO, 2009, p. 382-387). Igualmente, Fauzi Hassam Choukr destaca a racionalidade que o projeto tem pretendido conceder à parte recursal do processo penal, em evidente aproximação com o sistema dos recursos cíveis – sistema este “saudado pela doutrina como bem organizado e racional” (CHOUKR, 2002).
22 TOURINHO FILHO, 2007, p. 548.
23 MACHADO, 2009, p. 109. Utilizando de grande exposição doutrinária sobre o assunto, o autor procurou também trazer à baila as sempre magníficas lições de Luigi Ferrajoli na grandiosa obra Direito e Razão: teoria do garantismo penal, 2010, p. 379-380.
24 Para Álvaro de Oliveira, “se o processo não obedecesse a uma ordem determinada, cada ato devendo ser praticado a seu devido tempo e lugar, fácil entender que o litígio desembocaria numa disputa desordenada, sem limites ou garantias para as partes, prevalecendo ou podendo prevalecer a arbitrariedade e a parcialidade do órgão judicial ou a chicana do adversário” (OLIVEIRA, 2006, p. 8) (destaque nosso).
25 CINTRA et al, 2010, p. 349.
26 JORGE, 2009, p. 35.
27 Princípio este, aliás, que é constantemente violado quando da apuração de falta grave na execução penal, como observado por Amilton Bueno de Carvalho (2007, p. 167-171) e Cláudio do Prado Amaral (2009, p. 185-187), para quem a apuração de ocorrência de falta grave deveria se desenvolver perante o próprio juízo da execução penal, e não perante a autoridade administrativa (direção do presídio), pois uma vez reconhecida a falta grave as consequências negativas irão interferir em importantes direitos positivados tanto pela LEP quanto pela CF/88.
28 Sobre a razoável duração do processo, Aury Lopes Junior (2007, p. 218) utiliza a expressão “(de)mora jurisdicional” para denominar a injustificada procrastinação do dever/obrigação claramente definido de adimplemento de prestação da tutela jurisdicional devida.
29 Conferir julgados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul inserto pelo Prof. Amilton em sua obra Garantismo aplicado à execução penal, 2007, de cuja relatoria lhe coube nos respectivos processos.
30 NUCCI, 2008, p. 1006.
31 BIANCHINI et al, 2009, p. 47-48.
32 Importante registrar a indispensável presença de defesa técnica como garantia ao preso, pois a capacidade postulatória que a LEP lhe garante se trata de uma falsa vantagem, sendo falacioso o discurso de que na execução todos seus personagens (juiz da execução, Ministério Público, etc.) são advogados do condenado. Compreende-se, assim, que a ausência de defesa técnica compromete de forma vital as garantias do contraditório e da igualdade de armas, encontrando-se o preso muitas vezes em uma situação de extrema inferioridade e de completo abandono (nesse sentido: LOPES JÚNIOR, 2010, p. 246-247).
33 Cláudio do Prado Amaral, em uma visão totalmente realista, destaca que o sistema de cumprimento de penas não é percebido como um sistema pertencente à democracia (quiçá dizer, então, acerca da democracia processual!), pois “é socialmente visto como situado à margem do próprio sistema de justiça. [...] Logo, é visto como um sistema que não faz jus a garantias constitucionais como as do contraditório, defesa, publicidade, par conditio etc.” (destaque nosso) (AMARAL, 2009, p. 189).
34 CARVALHO, 2003, p. 177.
35 CINTRA et al, 2010, p. 344.
36 MIOTTO, 1975, p. 702-704.
37 Nessa linha, conferir: MACHADO, 2010a.
38 MACHADO, 2010a.
39 MESQUITA JÚNIOR, 2010, p. 487-488.
40 Sobre a problemática a respeito da “ressocialização”, envolvendo inclusive os discursos contrários e favoráveis à dita reintegração social do preso, vide: MACHADO, 2010b.
41 Escrevendo acerca da interpretação conforme a Constituição e da supremacia da Lei Fundamental sobre todo o ordenamento jurídico, Manoel Messias Peixinho (2003, p. 109) frisa que é fundamental interpretar a legislação ordinária de acordo com as normas constitucionais superiores, jamais o contrário, sob pena de se cair em inconstitucionalidade. Também nesse sentido escreve Aury Lopes Junior (2010, p. 36-42), mas especificamente em relação ao processo penal (constitucional).
42 OLIVEIRA, 2006, p. 3-4.
43 Nesse sentido: ZANETI JÚNIOR, 2007, p. 4-11.
44 Nesse sentido: JORGE, 2009, p. 224.
45 Petrônio Calmon sintetiza bem a questão da Lei nº 11.187/2005 em ter proporcionado um sistema adequado e equilibrado dentro da parte dos recursos cíveis, uma vez que concilia a possibilidade de interpor recurso com a tentativa de sua rápida apreciação, acabando, inclusive, com aquele falso dogma de que o recurso há de ser sempre apreciado e julgado por um órgão colegiado (CALMON, 2007, p. 42).
46 O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já teve a oportunidade em expressar a situação “eloquente da movimentação de presos entre unidades prisionais dos Estados”, sendo que tal fato foi agravado ainda mais com a criação dos presídios federais. Continua o CNJ relatando: “Na prática, as Varas das Execuções Penais culminam na troca incessante de processos de execução, experimentando dificuldades várias com o recebimento de ‘diferentes’ tipos de autos, cada qual com processamento próprio do respectivo Estado” (Em “Planos de Gestão para Funcionamento de Varas Criminais e de Execução Penal”, documento redigido pelo CNJ, disponível no site: www.cnj.jus.br).
47 MEZZOMO, 2007.
48 MORAES, 1990, p. 382.
49 Vide os “Planos de Gestão para Funcionamento de Varas Criminais e de Execução Penal”, redigido pelo CNJ, disponível no site: www.cnj.jus.br.
50 É o pensamento também de Aury Lopes Junior, que, embora se referindo essencialmente sobre a questão problemática do tempo no processo penal, sinaliza e insiste na diminuição de tempo burocrático “através da inserção de tecnologia e otimização de atos cartorários e mesmo judiciais” (LOPES JUNIOR, 2007, p. 247).
51 Na obra do falecido Julio F. Mirabete, do ano de 1997, o mesmo salientava o seguinte: [...] “Tendo o legislador utilizado a denominação específica de ‘agravo’, não previsto no Código de Processo Penal vigente, é correto recorrer à analogia com o Código de Processo Civil, que prevê tal espécie de recurso”. Atualmente, ao atualizar seu livro, seu filho Renato Fabbrini apenas destacou que existe discussão sobre a natureza e aplicação do agravo em execução, escrevendo, inclusive, que o entendimento quase pacífico na jurisprudência é o que deve seguir o rito do recurso em sentido estrito (MIRABETE, 2007, p. 818-819).
52 NOGUEIRA, 1996, p. 324.