Sequestro: provavelmente o crime mais repugnante da humanidade

05/05/2014 às 14:15
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Tema inspirado no filme "3096 Dias de Cativeiro"

Antes de discorrer sobre o assunto propriamente dito, permita-me um breve comentário pessoal. Sempre que termino um artigo, me faço a mesma indagação: Qual será o próximo tema? Eram muitos em minha mente, mas como quase sempre o assunto surge de algum noticiário que assisto, ou de alguma coisa que vejo, ou até mesmo de uma sugestão de alguém, desta vez não foi diferente.

Feriado de Páscoa, resolvi ir à uma vídeo locadora, como há muito tempo não fazia e alugar um filme. Dentre os vários títulos disponíveis, um deles chamou muito a minha atenção: “3096 Dias de Cativeiro”. Não tive dúvida, seria aquele não só o filme da vez, como também o tema que deu causa à este artigo.

Sem delongas, mas necessário se faz comentar o filme. Para quem ainda não teve o prazer de assistir, fica então a dica. O filme, basicamente, retrata o sequestro de uma menina de dez anos de idade, chamada Natasha, que após um desentendimento com sua mãe, sai de casa sozinha com destino à sua escola, sendo que durante o trajeto, é interceptada por um indivíduo que a sequestra e a leva para o cativeiro, onde permanecerá por exatos 3096 dias. Calma... por óbvio que não vou contar o final do filme, pois algum leitor pode não ter tido o prazer de assisti-lo ainda.

Os comentários do filme em destaque, tem por finalidade apenas tornar a leitura deste artigo mais convidativa e prazerosa.

Pois bem, incialmente, destaca-se que o crime de sequestro e cárcere privado, encontra-se tipificado no ordenamento jurídico, inserido no artigo 148 do Código Penal, no capítulo que trata “Dos crimes contra a liberdade individual”.
A pena para este crime é de reclusão e pode variar entre 1 e 3 anos.

Para a configuração do delito em questão, exige-se a privação de liberdade de ir e vir, que deve perdurar por um lapso temporal razoável.

Assim, se a intenção é de reter a vítima por pouco tempo, estamos diante do delito de constrangimento ilegal e não de sequestro.

Também, se a finalidade da restrição visa a exigência de alguma vantagem, o crime é de extorsão mediante sequestro.

Destaca-se ainda que, para alguns casos específicos, o legislador quis punir mais severamente o agente, com pena de reclusão de 2 à 5 anos. São eles, previstos no parágrafo primeiro, à saber:

1º) se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 anos.

Optou o legislador neste caso por punir mais gravemente em casos de relações familiares, pois entendeu que deve haver o dever de mútua assistência e amparo e não o cometimento de crimes. Guilherme de Souza Nucci destaca que o parentesco neste caso, pode ser natural ou civil, pois a lei não faz diferença.

Em se tratando de pessoas idosas, necessário se faz uma pena mais grave, em razão de sua fragilidade em defender-se da crueldade em comento.

2º) se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital.

Não são raras as vezes, em que o agente vale-se de pretensa doença mental, até mesmo de forma simulada para através do emprego de substâncias entorpecentes, conseguir que a vítima seja internada, quando na realidade não é enferma.

Caso o agente interna a própria mãe, dever-se-á considerar duas qualificadoras (itens 1º e 2º).

3º) se a privação de liberdade da vítima dura mais do que 15 dias.

A reprovação neste caso, também merecedora de uma punição mais grave, deve-se ao fato de que quanto maior o tempo de duração da privação de liberdade de uma pessoa, maior serão os danos físicos e psíquicos resultantes para ela.

4º) se o crime é praticado contra menor de 18 anos.

Aqui, o legislador importou-se com àqueles que estão em fase de formação física e mental, ou seja, crianças e adolescentes.

5º) se o crime é praticado com fins libidinosos.

Com a extinção do crime de rapto pela lei 11.106/95, incluiu-se a qualificadora “para fins libidinosos” ao delito de sequestro. Tal crime é formal e se consuma com o cerceamento da liberdade, independentemente de atingir-se o fim objetivado.

No tocante ao parágrafo segundo, preocupou-se o legislador, quando para as vítimas resultarem maus-tratos ou quando da natureza da detenção, acarretar grave sofrimento físico ou moral.

Neste caso, a pena será de 2 a 8 anos de reclusão.

Entende-se nesta situação, que o agente que priva a liberdade de outrem e, além disso, submete a vítima a maus tratos, como por exemplo, espancando-a ou ameaçando-a constantemente, ou ainda, colocando-a em lugar imundo e infecto causando-lhe sofrimento físico e mental, merece maior reprimenda.

Por último, observa-se que, resultando lesão corporal, esta não será absorvida pelo crime de sequestro e cárcere privado, havendo neste caso concurso material.

Considerações finais do Autor: O caso de sequestro mais famoso, aconteceu na Áustria, na cidade de Amstetten, em que Josef Fritzl, um engenheiro elétrico de 73 anos, manteve a filha, Elisabeth Fritzl, durante 24 anos presa em cativeiro. Além do sequestro, o pai confessou ter engravidado a vítima sem que a sua própria mulher e os vizinhos desconfiassem. Ela teve sete filhos durante o tempo que teve sua liberdade privada em um cativeiro localizado no porão de sua residência. O caso foi descoberto quando uma de suas filhas, que também era mantida no cárcere, adoeceu e precisou receber atendimento médico.

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Raros são os casos como este. O que mais se vê, são os casos de privação de liberdade com a finalidade de extorquir a vítima, geralmente com exigências em pecúnia. Tem-se aqui a extorsão mediante sequestro, elencado no artigo 159 do Código Penal Brasileiro, inserido no “Título II – Dos crimes contra o patrimônio”, diferentemente do sequestro e cárcere privado, que está capitulado nos crimes contra a liberdade individual.

Vale a pena relembrarmos alguns casos de extorsão mediante sequestro, que causaram grande repercussão, por envolverem pessoas famosas. São eles:

  •  Wellington de Camargo, um dos irmãos da dupla sertaneja Zezé de Camargo e ‘Luciano, foi sequestrado no Paraná. Neste caso, para forçar a família a pagar o resgate, os sequestradores chagaram a cortar parte da orelha da vítima. Welington passou 94 dias em poder dos sequestradores até ser liberado (1998).
  • A filha do apresentador Silvio Santos, Patrícia Abravanel, foi liberada pelos sequestradores, após a família efetuar o pagamento de cerca de R$ 500 mil pelo resgate (2001).
  • O publicitário Washington de Olivetto passou 53 em poder dos sequestradores em uma casa no bairro do Brooklin, zona sul de São Paulo. Os sequestradores planejaram o crime por dez meses. Foi descoberto, no momento em que gritava pedindo socorro, por uma menina que morava na casa ao lado do cativeiro, que chamou a polícia, resultando na liberação da vítima (2002).

Cabe ainda tecer um breve comentário a respeito do “sequestro relâmpago”, incluído no Código Penal, artigo 158, parágrafo §3º, com advento da lei 11.923/2009. Trata-se de uma circunstância de execução do crime de extorsão. Tal fato ocorre, quando a restrição de liberdade da vítima é utilizada como forma de pressão para a obtenção de vantagem econômica, exigindo-se a participação da vítima. Sem esta colaboração, não é possível obter-se o almejado. Por exemplo, é necessário que a vítima forneça a senha bancária para que o agente consiga efetuar o saque.

Seja lá qual for a modalidade do sequestro, sempre tem-se presente crueldade e violência empregada contra a vítima, seja ela física ou psíquica, razão pela qual considero este crime como provavelmente o mais repugnante da humanidade. Além do que, a família da vítima, também torna-se vítima do crime, pois passa todo o tempo em que perdura o cerceamento da liberdade, por períodos de ansiedade e angústia, resultando em sofrimento físico e moral, diante do desgaste que é causado pelo sequestro.

Por fim, esclareço que prezo pelo Estado Democrático de Direito, em que opiniões contrárias à estas são aceitas e consideradas.

Referência Bibliográfica: Código Penal Comentado - Guilherme de Souza Nucci - Ed. RT - 13ª Edição

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Sobre o autor
Fábio Fernandes

Formado em Direito pela Unimesp em 1998. Atuei como advogado regularmente inscrito na OAB/SP entre 1999 e 2010. Atualmente exercendo o cargo de Escrivão de Polícia do Estado de São Paulo. Pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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