A compreensão amicus curiae no Brasil a partir da legislação sobre o CADE e a CVM

09/05/2014 às 13:39
Leia nesta página:

O artigo visa analisar o instituto processual amicus curiae, compreendendo a sua aplicabilidade e a sua finalidade a partir do tratamento jurídico fornecido pelo Brasil.

1.      Introdução

O artigo apresenta como finalidade especificar a intervenção de um terceiro no judiciário brasileiro, pode-se analisar o Amicus Curiae em dois momentos.

O primeiro na Lei nº 6.385/76 que discorre em seu artigo 31 sobre a obrigatoriedade da intimação da Comissão de Valores Mobiliários – CVM - em todos os processos que envolvem matéria de sua competência. O segundo na Lei nº 8.884/94 que estabelece em seu artigo 89 a obrigatoriedade de intimação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE – quando houver a aplicação da respectiva legislação.

Por fim, tenta realizar uma análise sobre este instituto processual, no sentido de averiguar se de fato a participação do terceiro integra a construção do provimento jurisdicional ou se há somente a ilusão da participação, visto que existe a não obrigatoriedade do julgador de analisar e acatar as argumentações fornecidas pelo  Amicus Curiae  para realizar seu julgamento da pretensão.

2.      Conceito e Origem do Amicus Curiae

O Amicus Curiae é oriundo do direito norte-americano e a sua utilização é justificada por ser considerado um instituto de matriz democrática no sentido em que permite que terceiros possam integrar a relação processual, para que em uma perspectiva juridicamente objetiva, possa se analisar teses de interesse abordadas em juízo. Há ainda uma problematização a cerca de sua compatibilidade com a processualidade constitucionalizada.         

Consoante Mirella Aguiar, os Estados Unidos o intitula de friend of the Court, que pode ser definido como uma manifestação que não faz parte do litigio, logo não está diretamente vinculada á lide, mas apresenta interesse no resultado da causa ou acredita que a decisão da Corte afetará seus interesses, portanto é admitida a sua intervenção para fornecer mais informações ao juízo. (AGUIAR, 2005)

O Amicus Curiae poderá ser qualquer pessoa que apresente interesse jurídico no objeto ou que apresente uma colaboração efetiva como apoio técnico ao magistrado. O julgador deverá apreciar todos os argumentos levantados pelo Amicus Curiae, só não serão consideradas alegações relativas à análise de pretensão. “É o amicus curiae verdadeiro auxiliar do juízo. Trata-se de uma intervenção provocada pelo magistrado ou requerida pelo próprio amicus curiae, cujo objetivo é o de aprimorar ainda mais as decisões proferidas pelo Poder Judiciário. A sua participação consubstancia-se em apoio técnico ao magistrado”. (DIDIER JUNIOR, 2003, p. 33).

3.      Amicus Curiae no Brasil

 

No Brasil, o  Amicus Curiae é analisado como um terceiro que tem a capacidade de intervir no processo por intermédio de convocação judicial ou por livre iniciativa, com o objetivo de esclarecer aspectos relevantes em juízo, para que o magistrado julgue o mérito da pretensão. É importante ressaltar que a intervenção do Amicus Curiae oriunda da livre iniciativa só poderá ser estabelecida quando o julgador deferir o pedido ao considerar conveniente e necessária. 

 Especifica-se mais esta intervenção de um terceiro no judiciário, ao analisar o Amicus Curiae, na Lei nº 6.385/76 que discorre em seu artigo 31 sobre a obrigatoriedade da intimação da Comissão de Valores Mobiliários – CVM - em todos os processos que envolvem matéria de sua competência.

A obrigatoriedade da intimação da CVM que atua como Comissão de Valores Mobiliários – Mercado de Capitais para o Poder Judiciário está definida na Lei nº 6.385/76, art. 31, com redação dada pela Lei nº 6.616, nos seguintes termos:

    “Art. 31 - Nos processos judiciários que tenham por objetivo matéria incluída na competência da Comissão de Valores Mobiliários, será esta sempre intimada para, querendo, oferecer parecer ou prestar esclarecimentos, no prazo de quinze dias a contar da intimação. (Incluído pela Lei nº 6.616, de 16.12.1978)

 § 1º - A intimação far-se-á, logo após a contestação, por mandado ou por carta com aviso de recebimento, conforme a Comissão tenha, ou não, sede ou representação na comarca em que tenha sido proposta a ação. (Incluído pela Lei nº 6.616, de 16.12.1978).

 § 2º - Se a Comissão oferecer parecer ou prestar esclarecimentos, será intimada de todos os atos processuais subseqüentes, pelo jornal oficial que publica expedientes forense ou por carta com aviso de recebimento, nos termos do parágrafo anterior. (Incluído pela Lei nº 6.616, de 16.12.1978).

§ 3º - A comissão é atribuída legitimidade para interpor recursos, quando as partes não o fizeram. (Incluído pela Lei nº 6.616, de 16.12.1978).

§ 4º - O prazo para os efeitos do parágrafo anterior começará a correr, independentemente de nova intimação, no dia imediato aquele em que findar o das partes. (Incluído pela Lei nº 6.616, de 16.12.1978).”

            Portanto, deve-se ater a importância da intervenção da CVM como amicus curiae em processos judiciais que tenha como objeto matéria incluída em sua competência, uma vez que possui a finalidade de assessorar a decisão do magistrado, ao oferecer provas; juntar pareceres; ou prestar esclarecimentos, no prazo de quinze dias a contar da intimação nesses. Se a CVM fornecer parecer ou prestar esclarecimentos, será intimada a todos os atos processuais subsequentes.

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Quando as partes não o fizerem, é atribuída legitimidade a Comissão para interpor recursos. Os esclarecimentos fornecidos serão a cerca de uma resolução de efeitos concretos, sem quaisquer aspectos a respeito de interpretação das leis que regem a matéria do Mercado de Capitais. A Comissão deve traduzir para o juiz as conclusões que lhes couberem na análise dos fatos do processo, para facilitar o entendimento do juiz sobre a matéria específica.  Contudo, o juiz poderá divergir das elucidações do técnico de Mercado de Capitais.

A intervenção na causa dessa entidade autárquica federal que fiscaliza os serviços de mercado de valores mobiliários só poderá ocorrer por provocação de uma das partes ou do juiz. Além disso, posteriormente a sua intimação, poderá ingressar no processo a qualquer momento que lhe for conveniente até que transite em julgado a sentença; visto que pode interpor recurso. A CVM não terá direito a repetição de ato já praticados para que não haja tumulto no processo. Além disso, possui o direito de recorrer quando é evidente o seu interesse jurídico.

Nesse sentido, pode-se averiguar outra legislação brasileira a qual o Amicus Curiae está presente, a Lei nº 8.884/94, que disciplina o Conselho Administrativo de Defesa Econômica. A Lei nº 8.884/94, art.89, estabelece: “Os processos judiciais em que se discuta a aplicação desta lei, o CADE deverá ser intimado para, querendo, intervir no feito na qualidade de assistente.”. Assim, a finalidade da intimação do CADE  é  fornecer elucidações técnicas, para possibilitar que o juiz a obter o seu convencimento de julgamento sem qualquer dúvida em relação aos aspectos técnicos. 

Apesar de a norma utilizar o termo “assistente”, a hipótese da norma é referente ao  Amicus Curiae, visto que o CADE  não apresenta interesse jurídico nas ações vinculadas a Lei nº 8.884/94, tampouco mantém relação jurídica com quaisquer dos litigantes. Por fim, a Lei nº 8.884/94, que transforma o CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica em autarquia, discorre sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica.

A legislação não afirma sobre a possibilidade de exercício do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e do duplo grau de jurisdição, visto que o legislador não foi expresso no sentido que possibilita o CADE propor recurso. O artigo 89 da Lei nº 8.884/94 foi revogado pela Lei nº 12.529, de 2011.

4.      Conclusão

Ao analisar o instituto do Amicus Curiae referente à legislação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica e da Comissão de Valores Mobiliários, pode  –se aduzir que o Amicus Curiae é um instrumento processual que tenta suscitar uma discussão democrática em juízo por intermédio da ampliação do conhecimento relativo a causa do processo.

Nesse sentido, o Amicus Curiae tenta viabilizar a participação de um terceiro no processo judicial, no entanto, não há a concretude da participação dos terceiros na construção do provimento jurisdicional. Uma vez que o juiz não possui a obrigação de acatar os argumentos levantados pelo instituto ao longo do procedimento, além de apresentar resguardado o direito de divergir das elucidações fornecidas.

Assim, é importante analisar se de fato pode – se afirma que esse instituto é garantidor da participação efetiva. A concretude desta participação só será alcançada mediante a implementação dos princípios, como: contraditório; ampla defesa; devido processo legal; e duplo grau de jurisdição. 

Referências Bibliográficas

 

AGUIAR, Mirella de Carvalho. Amicus CuriaeCoordenação: Fredie Didier Junior. Salvador: JusPodivm, 2005.

DIDIER JUNIOR, Fredie. Possibilidade de sustentação oral do amicus curiae. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, v. 8, 2003.

DEL PRÁ, Carlos Gustavo Rodrigues. Amicus Curiae – Instrumento de participação democrática e de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. Curitiba: Juruá Editora, 2008.

BRASIL, Lei nº 8.884, de 11 de Junho de 1994. Disponível : http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8884.htm. Data de acesso: 01 de Maio de 2009.

BRASIL, Lei nº 6.385, 7 de dezembro de 1976. Disponível : http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/anotada/2405543/art-31-da-lei-6385-76. . Data de acesso: 01 de Maio de 2009.

TAVARES, Osvaldo Hamilton . A CVM como “Amicus Curiae”. Disponível: http://www.justitia.com.br/artigos/478462.pdf. . Data de acesso: dias 01 e 02 de Maio de 2009.

PRADO, Rodrigo Murad do. O amicus curiae no Direito Processual brasileiro. Revista Artigo, 2005. Disponível: http://jus.com.br/revista/texto/6717/o-amicus-curiae-no-direito-processual-brasileiro. Data de acesso: 01 e 02 de Maio de 2009.

COSTA, Fabrício Veiga. A compreensão crítico-constitucional-democrática do amicus curiae a partir da teoria das ações coletivas como ações temáticas. Revista Âmbito Jurídico .Disponível:http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10550&revista_caderno=9 . Data de acesso: 01 e 02 de Maio de 2009. 

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Sobre a autora
Lohanna Santiago dos Santos

Graduanda de Direito na Universidade de Brasília

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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